A abertura comercial proposta pelo novo governo como estratégia para melhorar a inserção econômica do Brasil no mercado internacional deve ser analisada em todas as suas implicações e também do ponto de vista de sua sustentabilidade no longo prazo, sob pena de causar grandes prejuízos ao setor produtivo nacional.
A conjuntura global é desfavorável, no presente momento, a uma abertura indiscriminada. Nos dois últimos anos, o setor exportador brasileiro se beneficiou da desvalorização do Real, dos razoáveis índices de crescimento da economia mundial e da guerra comercial entre EUA e China. Agora, com esse cenário mudando radicalmente, as perspectivas não são animadoras. Entre os fatores que irão pesar este ano sobre as vendas externas brasileiras, destacam-se a desaceleração da economia global, a crise argentina e os recentes avanços no sentido de uma trégua na guerra comercial entre os líderes globais.
Dados divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre a participação da indústria no comércio exterior brasileiro evidenciam a dificuldade que o setor vem enfrentando para sustentar suas vendas. O desaquecimento econômico em importantes países parceiros provocou uma redução de 18% nas exportações industriais nos primeiros dois meses de 2019. Por isso, e também pela retração do mercado interno, a indústria brasileira começou o ano sem fôlego. Em janeiro, a produção industrial registrou queda de 0,8% em relação ao mês anterior, segundo pesquisa do IBGE, sendo que o principal responsável por esse resultado foi o setor farmacêutico, com queda de 10,3%.
A intenção do governo de aumentar a integração da economia brasileira ao mercado internacional é positiva, mas a maneira de fazê-lo precisa ser cuidadosamente estudada.
Promover uma abertura comercial por meio de reduções unilaterais de tarifas de importação neste momento de acirramento de posições protecionistas no mundo seria no mínimo um erro de timing, segundo análise recente da Mapfre Investimentos. De acordo com essa empresa de consultoria, “a negociação recíproca de tarifas com os parceiros constituiria estratégia superior. Além disso, o processo de integração tem custos maiores para economias com liberalização comercial tardia, como é o nosso caso. Experiências internacionais demonstram que há ganhadores e perdedores em processos de abertura comercial”. Na mesma linha, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) adverte que uma abertura indiscriminada, sem o Brasil ganhar nada em troca, poderá aniquilar alguns segmentos da manufatura nacional, como a indústria de bens de capital.
Nesta reportagem, executivos e especialistas discutem as vantagens e desvantagens da política comercial concebida pelo novo governo e seus impactos sobre a indústria, especialmente no setor químico.
POR QUE A INDÚSTRIA NÃO CRESCE
O baixo crescimento da indústria brasileira nas duas últimas décadas, mesmo sob uma política industrial de viés desenvolvimentista, demonstrou que os instrumentos de apoio direto ao setor são insuficientes quando o ambiente macroeconômico é desfavorável. Real valorizado e altas taxas de juros mantidas durante longo tempo foram obstáculos consideráveis a uma inserção competitiva do produto industrial brasileiro no mercado internacional. Nos intensos debates travados sobre as causas da desindustrialização brasileira nas três últimas décadas, enquanto os adeptos da cartilha neoliberal menosprezavam os impactos negativos do fenômeno, alegando que o crescimento do setor de serviços compensaria a perda de vigor da indústria, analistas com visão geoeconômica mais ampla, percebendo a gravidade do problema, insistiam numa abordagem sistêmica e num diagnóstico mais completo do problema.
O fato é que nos últimos três anos os parâmetros macroeconômicos melhoraram, sem que o setor industrial reagisse positivamente. Por quê? Segundo o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da professor da Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais da PUC de São Paulo, “uma visão ‘senso comum’ da crise na indústria brasileira questionaria por que a redução da taxa básica de juros (Selic) de 14,25% em 2015 para 6,5%, menor nível nominal histórico brasileiro e já vigente há onze meses, não fomentou uma reação no setor. De fato, em 2018, o crescimento da produção industrial foi de apenas 1,1%, lembrando que a base de comparação é baixíssima, efeito da crise dos anos anteriores. Embora a taxa básica de juros seja relevante e uma condição necessária, ela não é suficiente, por si só, para estimular a produção. Há outros fatores a se considerar. Uma Selic mais baixa é importante para as decisões na produção e sempre lembrada e reivindicada pelos agentes, uma vez que diminui o ‘custo de oportunidade’ do capital. Sendo a base de remuneração das aplicações financeiras, o investimento na produção, em tese, passaria a ser estimulado. Porém, um fator significativo que distorce o efeito esperado é a enorme distância entre o nível da taxa básica de juros e aquelas oferecidas ao tomador final”.
Na falta de um diagnóstico aprofundado, prossegue Lacerda, “vez por outra surge no debate público um mantra repetido à exaustão. O da vez, que seria o remédio para todos os nossos males, é a abertura comercial. Esse tema não é novo. A abertura da economia brasileira começou há trinta anos, no final do governo José Sarney, e foi intensificada nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. A promessa, incrivelmente repetida agora, sem qualquer autocrítica, era a de que abrir nossas fronteiras induziria nossas empresas a maiores esforços de produtividade e competividade, em face do aumento da concorrência com os produtos importados”.
“A balança comercial de produtos manufaturados, que apresentava relativo equilíbrio até 2006, passou gradativamente a ser deficitária, tendo atingido no ápice, em 2014, US$ 110 bilhões. Diante deste dado, como sustentar que nossa economia seja fechada?” – Antonio Corrêa de Lacerda
O dever de casa foi feito, segundo Lacerda. Desde então as alíquotas médias de importação caíram mais de 40%, situando-se na faixa de 12 a 13%. “A indústria, de forma geral, modernizou suas plantas, adaptou modos de gestão para fazer frente à concorrência, e respondeu positivamente ao desafio da abertura comercial realizada. No entanto, os resultados em termos de inserção competitiva no mercado internacional não se materializaram. Isto porque a melhoria do ambiente sistêmico – ou seja, de todos aqueles fatores que independem tanto das empresas quanto dos trabalhadores, mas que afetam a competitividade – não avançou na mesma velocidade. Condições macroeconômicas (juros, câmbio e tributos), logística e infraestrutura, burocracia e instabilidade de regras, além de outros fatores que formam o chamado ‘Custo Brasil’, ainda estão longe das médias observadas nos países concorrentes. Particularmente na questão cambial, a política em diferentes governos desde então visou muito mais o objetivo de controle da inflação do que a geração de valor agregado local e nas exportações”.
“Entendemos a abertura comercial como um processo progressivo, inteligente, responsável e negociado, que permite aumentar a previsibilidade dos negócios e alavancar o nível de investimentos, o potencial de faturamento e até mesmo a arrecadação tributária e a geração de empregos” – Denise Naranjo
O discurso de que a indústria não investe em modernização e inovação erra na identificação da raiz do problema, que não estaria na ação microeconômica das empresas e sim num ambiente sistêmico desfavorável, explica o professor. “O investimento, de forma geral, responde à rentabilidade esperada, que no caso é prejudicada pelas condições adversas do ambiente. Da mesma forma, o argumento de que nossa economia é fechada não resiste a uma verificação dos números. A balança comercial de produtos manufaturados, por exemplo, que apresentava relativo equilíbrio até 2006, passou gradativamente a ser deficitária, tendo atingido no ápice, em 2014, US$ 110 bilhões. Diante deste dado, como sustentar que nossa economia seja fechada?”
Para Lacerda, foi uma combinação de diversos fatores que nos levou à desindustrialização precoce, sem gerar o benefício de uma evolução do setor de serviços. “Pelo contrário, o resultado foi a perda da capacidade de geração de valor agregado, de empregos de qualidade e de tecnologia atualizada”. E não será com medidas pontuais nem com paliativos que o governo terá condições de reverter essa preocupante tendência, alerta o professor. “Um programa sério de discussão sobre maior abertura da economia para que atinja o interesse do desenvolvimento passa necessariamente por condições macroeconômicas que favoreçam o desenvolvimento, isto é, câmbio, juros e política fiscal ajustados ao padrão internacional; redução da burocracia, distorções tributárias e melhoria da infraestrutura e logística; políticas de competitividade (industrial, comercial e de ciência, tecnologia e inovação) direcionadas para fortalecer as vantagens existentes e criar novas; negociação da abertura de setores da economia brasileira mediante acesso aos mercados internacionais”.
Na visão de Lacerda, a política tarifária pode de ser um dos instrumentos de alavancagem da competitividade industrial desde que se parta do ajuste das condições sistêmicas, e sem generalizações. “É preciso começar com a desoneração dos insumos para dotar a indústria de transformação de maior poder competitivo. É o contrário de estimular a concorrência via rebaixamento das tarifas de importação dos produtos finais. Não se trata de reinventar a roda e sim de adotar práticas internacionais notoriamente bem-sucedidas. Mas, para isso, é preciso superar dogmas e abandonar o conforto da repetição de mantras que só tendem a criar falsas expectativas e nos desviar do debate do essencial”.
A EXPERIÊNCIA DO SETOR QUÍMICO
O Brasil tem, no mínimo, um exemplo de indústria amplamente exposta à concorrência internacional. Segundo Denise Naranjo, diretora de Assuntos de Comércio Exterior da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), “o setor químico brasileiro é indiscutivelmente um dos mais abertos de toda a economia nacional. É também estratégico para o País em termos de investimentos, tecnologia e de defesa nacional. Ele conta com históricas relações de atração de capital e de intensas trocas comerciais, por meio das indústrias instaladas no Brasil a partir de capital estrangeiro, oriundo dos Estados Unidos, União Europeia e Japão, entre outros, além de importantes grupos de capital nacional controladores de plantas das mais modernas em todo o mundo”.
Em nosso País, a indústria química é globalmente competitiva “da porta para dentro”, afirma Naranjo. “No entanto, ela tem sido restringida e prejudicada pelo mundialmente conhecido ‘Custo Brasil’ (carga fiscal, custo de energia e de matéria‐prima, juros elevados, exposição cambial). Mesmo assim, o nível de abertura desse setor à competição internacional já é dos maiores entre todos os segmentos industriais. Produtos químicos respondem por cerca de 25% das importações brasileiras – US$ 43 bilhões em 2018. O nível médio de proteção tarifária não passa de 7% e a alíquota efetiva é de aproximadamente 3,5% (estimativas com uso de regimes aduaneiros especiais e preferências comerciais), o que nos situa totalmente em linha com os níveis praticados pelos países membros da OCDE”.
A diretora da Abiquim salienta que “dialogar sobre abertura comercial e integração econômica é exercício dos mais profícuos e esclarecedores quando se trata de políticas de crescimento e de desenvolvimento de um país. Particularmente para a Abiquim, que tem demonstrado em sua agenda institucional profundo comprometimento em relação ao tema. Trata-se de uma oportunidade incomparável para que se possa evidenciar o grau de abertura setorial no País e os compromissos de sustentabilidade assumidos pela indústria química, desde o nível multilateral até o voluntário em bases nacionais. Tais compromissos contemplam todo o processo de inserção do Brasil no moderno mundo de cadeias globais e regionais de valor, à luz, comparativamente, das melhores práticas de outros mercados equivalentes ao brasileiro na área química”.
Em complemento ao seu engajamento setorial em nível multilateral e de ampliação da rede regional de acordos de comércio, a Abiquim apresentou em 2016, de forma voluntária, juntamente com suas congêneres na Argentina, a Cámara de la Industria Química y Petroquímica (CIQyP), e no Uruguai, a Asociación de la Industria Química Uruguaya (ASIQUR), inédita solicitação de eliminação tarifária para 64 códigos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), como resultado de um minucioso trabalho colegiado do setor químico regional para revisão voluntária da Tarifa Externa Comum (TEC). Esse trabalho, explica Naranjo, “teve participação efetiva das empresas representadas e extensa cobertura desde o capítulo 28 até o 40 da NCM/TEC, com o objetivo de adaptar o perfil tarifário aplicável desses bens ao contexto atual da produção regional. No Brasil, esse exercício foi apresentado por meio da consulta pública estabelecida pela Circular Secex nº 17, de 27 de abril de 2018, com a qual o Governo abriu espaço para ouvir todas as partes interessadas sobre as desonerações propostas às importações de produtos químicos que, infelizmente, deixaram ao longo dos anos de ser produzidos na região do Mercosul”.
A Abiquim e seus associados entendem que, para se avaliar adequadamente a oportunidade de promover possíveis reduções tarifárias de mercadorias fabricadas no Brasil, seria indispensável ter como condição prévia a superação de obstáculos que impossibilitam à indústria química usufruir de condições justas de competitividade. Segundo Naranjo, exemplos da atual falta de isonomia são “a escorchante carga tributária, elevados custos de matéria-prima e de energia e ineficiências logísticas que, segundo dados da Secretaria Executiva da Camex, respondem por mais de 90% da queda de produtividade da economia brasileira. Certamente, a partir do ponto de resolução dos fatores que compõem o ‘Custo Brasil’, aumentaremos substancialmente o dinamismo do comércio exterior e do nosso próprio mercado interno, preservando a competitividade da indústria local”.
É nesse sentido, acrescenta a diretora da Abiquim, que “entendemos a abertura comercial como um processo progressivo, inteligente, responsável e negociado, que permite aumentar a previsibilidade dos negócios e alavancar o nível de investimentos, o potencial de faturamento e até mesmo a arrecadação tributária e a geração de empregos. É fundamental que esse processo seja conduzido de maneira concomitante à resolução dos graves problemas estruturais brasileiros em termos de logística, custo de energia, disponibilidade e custos de matérias-primas e insumos fundamentais, como o gás natural, e também que seja acompanhado do conjunto de reformas preconizadas pelo governo, em especial as da previdência e tributária, que assegurarão novo patamar de competitividade às empresas brasileiras”.
Especificamente no setor agroquímico, as assimetrias competitivas se situam principalmente no sistema tributário e nas práticas regulatórias. De acordo com João Lammel, conselheiro da Ourofino Agrociência, os maiores obstáculos são o alto custo, o excesso de burocracia e a imprevisibilidade na obtenção do registro de produtos, “além de distorções tributárias que incentivam a importação de produtos prontos para uso em vez da produção local. A correção dessas distorções poderia trazer investimentos, economizar divisas, gerar empregos e incentivar toda uma cadeia de produção local de componentes, embalagens e serviços”.
Lammel observa que boa parte dos produtos químicos importados atualmente pelo País, e não apenas no setor agroquímico, poderia ser produzida localmente. “Para isso, é necessário que o governo avance não somente na desburocratização, mas também na correção das distorções tributárias, melhoria da infraestrutura e previsibilidade dos registros, o que faria o Brasil reduzir a atual dependência externa de insumos. Em diversos países, como China, Índia e Estados Unidos, o mercado de defensivos agrícolas é tratado sob uma perspectiva estratégica, cabendo aos governos a definição das prioridades em diferentes fases da produção, como logística e fornecimento de matérias primas a custo competitivo, entre outros elementos”.
O conselheiro da Ourofino está otimista. “As mudanças esperadas na indústria de defensivos agrícolas estimularão o mercado a formular os produtos em território nacional, revertendo o atual cenário de grande volume de importações. Como consequência, teremos um país mais preparado para incentivar pesquisas, promover o desenvolvimento de tecnologia própria e formular produtos com melhor performance em um ambiente tropical, com atenção aos detalhes e às necessidades de toda a cadeia produtiva do setor agrícola”.
POLÍTICA INDUSTRIAL E ‘CUSTO BRASIL’
Tanto entre os países desenvolvidos quanto entre os emergentes onde o Estado tem força suficiente para controlar a política econômica, observa-se um empenho permanente em garantir preferência para as indústrias locais. A estratégia geral é utilizar todos os instrumentos de política industrial permitidos pelas organizações multilaterais de comércio e serviços – em propriedade intelectual, compras governamentais e investimentos públicos, principalmente – explorando ao máximo as brechas e limites de tolerância previstos nos acordos para favorecer os interesses nacionais.
Na área da propriedade intelectual, a lei brasileira não aproveitou as flexibilidades concedidas, absorvendo sem restrições os dispositivos TRIPS Plus, que só atendem aos interesses dos grandes detentores de patentes. O posicionamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) nessa questão é pragmático. Fabrizio Panzini, gerente de Negociações Internacionais da entidade, observa que a política de propriedade intelectual não tem sido colocada como um tema importante no debate público sobre a correlação entre abertura comercial e inserção internacional dos produtos brasileiros. “O debate está centrado principalmente nas tarifas de importação, dado que uma parte do governo considera nossas tarifas muito elevadas e defende uma abertura maior nessa área. O grau de flexibilidade na política de PI e uma regulação com mais TRIPS Plus não aparecem como temas de discussão. Portanto, nossa posição em relação ao tema da propriedade intelectual nos acordos comerciais permanece a mesma: há dispositivos interessantes nos acordos comerciais, que o Brasil pode adotar e que contribuiriam para melhorar sua legislação, e há dispositivos nos acordos internacionais de propriedade intelectual que poderíamos adotar para obter outros ganhos em acordos comerciais. A lei brasileira de propriedade intelectual tem espaço para se modernizar em marcas, em direitos autorais, alguma coisa em patentes e em indicação geográfica, por exemplo, segmento no qual podemos obter contrapartidas dos europeus em abertura de mercados. É importante manter o espaço de política pública, principalmente no campo das patentes, pois muitas questões relativas ao suprimento de medicamentos para a população somente são solucionadas a contento por termos um grau apreciável de liberdade nessa área. É bom usar essa liberdade da forma mais inteligente possível em benefício do País”.
Em compras governamentais e investimentos, o Brasil não tem compromissos com a OMC, o que lhe permitiria evoluir na política de parcerias público-privadas tendo em vista o desenvolvimento autônomo de segmentos industriais de alto valor agregado, como aqueles que compõem a química fina. No entanto, pondera Panzini, também nessa área o governo já fez uma opção diferente. “A estratégia brasileira em acordos de compras governamentais tem sido a de selar acordos preferenciais de comércio, a exemplo do que estamos fazendo com países da América Latina, Canadá e também com a União Europeia. Esses acordos são novos e ainda não estão em vigor. Consideramos essa estratégia acertada, uma vez que a calibragem do comércio exterior não é dicotômica, na base do ‘ou abre ou fecha’. Vamos ver como o Brasil aproveita os acordos e qual será seu impacto no mercado brasileiro. Os acordos de compras governamentais, quando negociados de forma equilibrada, geram economia nas compras públicas, reduzindo custos e melhorando a eficiência. Eles também permitem que o País acesse outros mercados, aumentando sua participação nas compras públicas de outros países, e ainda mantenha certo grau de liberdade, isto é, reservas de preferência interna para atendimento a políticas públicas importantes, seja para micro e pequenas empresas, como fazem diversos países, seja para algum setor de alta tecnologia gerador de empregos qualificados e de inovação”.
De acordo com a CNI, o setor empresarial está receptivo à política de inserção internacional proposta pelo novo governo. “O caminho que parece ter mais adeptos é o dos acordos comerciais, que permitem uma abertura mais planejada da economia e dão acesso a mercados no exterior”, afirma Panzini. “Derrubamos nossas barreiras porque, em contrapartida, estaremos derrubando barreiras também nos países parceiros. Empresas com alta demanda de importações têm o benefício de comprar mais barato, reduzindo seus custos e absorvendo o impacto da abertura de forma mais suave e previsível. Já a abertura unilateral, ou seja, uma eventual decisão política de abrir nosso mercado às importações sem contrapartida para os exportadores brasileiros, gera controvérsias e, portanto, não obtém consenso no setor empresarial. Caso o governo encaminhe o assunto na direção de uma abertura unilateral, será indispensável conduzir paralelamente uma agenda de competividade, sem a qual os efeitos da abertura podem ser mais danosos do que benéficos para a indústria”.
A falta de competitividade da indústria brasileira no mercado internacional está inexoravelmente associada ao “Custo Brasil”. “Não temos isonomia com os produtos importados, nossa carga tributária é maior”, assinala Panzini. “Temos fatores importantes que interferem na competividade, notadamente na área tributária – acordos de dupla tributação, restituição de crédito tributário de exportação – além de várias questões mais amplas do que a proteção tarifária. Precisamos também acelerar a desburocratização do comércio exterior. Como reduzir o tempo de liberação de mercadorias importadas e exportadas, como tornar mais eficiente a aduana brasileira, tudo isso faz parte de projetos que já vêm sendo implantados e que devem ser mantidos. A agenda da competividade precisa ser tratada de forma ampla. Efetivamente o Brasil precisa de mais abertura, de mais participação no comércio internacional, mas isso não se faz apenas por meio de tarifas de importação”.
“Os pressupostos da chamada Indústria 4.0 estão a nos exigir estratégias ousadas, mas, igualmente, seria um equívoco desconsiderar a experiência da indústria tradicional e resiliente no Brasil” – Antonio Corrêa de Lacerda
A DIMENSÃO ESTRUTURAL DA CRISE
Para o professor Corrêa de Lacerda, a elaboração de uma agenda factível de fortalecimento da competitividade da indústria brasileira demanda, além de uma visão ampla e sistêmica dos problemas, uma análise da história econômica recente do País. “A crise no setor industrial brasileiro é estrutural e persiste há anos. O nível médio atual da produção industrial é semelhante ao de dez anos atrás, quando o Brasil começava a superar os impactos da crise subprime norte-americana. Vários fatores estruturais têm impactado negativamente a indústria brasileira, que sofre os efeitos da desindustrialização precoce. Crédito caro e escasso, política cambial errática e longo período de valorização do Real, além das agruras do ‘Custo Brasil’, se encarregaram de aprofundar a crise. Condições macroeconômicas desfavoráveis e políticas industriais titubeantes concorreram para dificultar uma reversão dessa situação”.
O resultado foi o avanço das importações, especialmente oriundas da China, substituindo a produção local. As exportações de produtos industrializados, prejudicadas pelos mesmos fatores, perderam espaço ou estagnaram frente a um mercado internacional hipercompetitivo. Para Lacerda, o fato de a balança comercial brasileira ter se mantido superavitária nesse período graças ao excelente desempenho dos complexos agro, mineral e de carnes não deve dar espaço para acomodação entre os gestores públicos da economia. “Esse desempenho é insuficiente para o Brasil, um dos poucos países que poderia manter ampla pauta de produção e exportação nos setores que já têm posição de destaque na economia, sem detrimento da indústria e dos serviços sofisticados”.
Em meio a pressões de todos os lados para que a indústria e os serviços incorporem rapidamente tecnologias de ponta para ganhar competitividade internacional, o professor recomenda cautela e pé no chão. “Os pressupostos da chamada Indústria 4.0 estão a nos exigir estratégias ousadas, mas, igualmente, seria um equívoco desconsiderar a experiência da indústria tradicional e resiliente no Brasil. A recuperação não depende somente das forças do mercado. Uma boa estratégia pressupõe diagnóstico acurado, do contrário teremos avaliações equivocadas que nos levarão, inexoravelmente, a falsas soluções”.
Os desafios que se apresentam para o futuro, na opinião de Lacerda, envolvem não apenas a correção dos graves desequilíbrios sistêmicos brasileiros e seus impactos na indústria, mas a definição e a implementação de políticas de competitividade – industrial, comercial e de inovação – nos moldes das melhores práticas internacionais. “Seria equivocado apostar que apenas as forças do mercado e a fé na abertura comercial poderiam, por si só, nos recolocar no caminho do desenvolvimento. Não foi assim nas experiências conhecidas pelo mundo afora”.