REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2019 • ANO XIII • ISSN 2623-1177
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QUAL É O PREÇO DA SAÚDE?
//Artigo

QUAL É O PREÇO DA SAÚDE?

Dois casos recentes foram alvo de polêmica no setor farmacêutico devido à opção do Ministério da Saúde pela importação de produtos para o Sistema Único de Saúde (SUS), em detrimento dos produtores nacionais. São episódios que desrespeitam a legislação brasileira e o papel regulador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que preza firmemente pela segurança, eficácia e qualidade dos produtos consumidos no País.

O primeiro fato diz respeito à compra de 22,9 milhões de comprimidos do medicamento “3 em 1” para HIV, que combina os antirretrovirais Tenofovir, Lamivudina e Efavirenz. O Ministério da Saúde adquiriu o medicamento da Índia em 2017 por meio de um termo de cooperação com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) no valor de R$ 24,6 milhões. Desde 2014, quando o “3 em 1” começou a ser distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS), laboratórios brasileiros garantiam o abastecimento para milhares de pacientes em todo o País*. Porém, o Ministério da Saúde decidiu realizar a licitação internacional por meio da Opas com o objetivo de reduzir custos.

Outro caso se refere a informações veiculadas pelo site jurídico Jota, segundo o qual o Ministério da Saúde estaria negociando com um laboratório ucraniano a compra de imunoglobulina, após o Tribunal de Contas da União (TCU) questionar o valor pago no contrato atual. Mesmo o fornecedor nacional tendo reduzido o preço do produto, o Ministério parece ter decidido refazer o processo de compra pela via internacional.

É certo que, tratando-se de produtos essenciais para a garantia da saúde, o único critério para as compras públicas jamais poderá ser somente preço. O cumprimento de requisitos técnicos e da regulação sanitária não apenas é altamente recomendável, como mandatório. Esses requisitos não foram atestados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nos produtores daqueles países, onde a regulação sanitária se encontra aquém dos elevados padrões desta agência e de outras que são referência no mundo.

Contrariamente, em território nacional, a Anvisa vistoria as plantas industriais e avalia a segurança, eficácia e qualidade dos produtos fabricados de forma a garantir o atendimento de todas as normas técnicas e legais. Portanto, a compra no Brasil deveria ser a primeira alternativa para abastecer o SUS. É o que manda a legislação.

Excepcionalmente, é lícita a importação de produtos para saúde sem registro na Anvisa. Porém, apenas em condições específicas, que não se aplicam aos dois casos mencionados. A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 203, publicada pela Anvisa em 26 de dezembro de 2017, trata dos “critérios e procedimentos para importação, em caráter de excepcionalidade, de produtos sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa”. O artigo 3º expõe as situações em que isto poderá ocorrer:

I – indisponibilidade no mercado nacional, bem como de suas alternativas terapêuticas ou produtos usados para a mesma finalidade devidamente registrados, quando existirem;

II – emergência de saúde pública de importância nacional, nos termos do Decreto nº 7.616, de 2011, ou de importância internacional (ESPII), conforme o Regulamento Sanitário Internacional;

III – vacinas integrantes do Programa Nacional de Imunização, adquiridas por meio do Fundo Rotatório para Aquisições de Imunobiológicos da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)/Organização Mundial de Saúde (OMS); ou

IV – doações oriundas de organismos internacionais multilaterais ou agências oficiais de cooperação estrangeira.

Pela norma, o que caracteriza a indisponibilidade no mercado nacional é a incapacidade, temporária ou definitiva, de atendimento à demanda do SUS por detentores de registro no País. Tanto o medicamento “3 em 1” como a imunoglobulina possuem registro sanitário no Brasil atualmente e a indústria farmacêutica nacional tem capacidade para suprir a demanda do SUS, como inclusive vem fazendo nos últimos anos. Portanto, a importação sem registro sanitário não se enquadra no item I. Além disso, ambos os casos tratam de compra de produtos e não do recebimento de doação, o que exclui seu enquadramento no item IV.

É importante pontuar que a RDC nº 203 é um regramento infralegal. A Medida Provisória nº 2.190-34/2001 acrescentou à lei de criação da Anvisa (Lei nº 9.782/1999) o parágrafo 5º do artigo 8º, pelo qual “a Agência poderá dispensar de registro os imunobiológicos, inseticidas, medicamentos e outros insumos estratégicos quando adquiridos por intermédio de organismos multilaterais internacionais, para uso em programas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas”.

O Decreto nº 8.077, de 14 de agosto de 2013, regulamenta tanto as condições para o funcionamento de empresas como o registro, controle e monitoramento de produtos que estejam sujeitos à vigilância sanitária. Nele, é reforçado o que está disposto no parágrafo 5º acima.

Portanto, nos casos que ilustram este artigo, cabe à Anvisa cumprir as disposições da Lei nº 9.782 e do Decreto nº 8.077, regulamentados pela RDC nº 203, devendo ainda a Agência monitorar as queixas e eventos adversos relacionados aos produtos importados. A Anvisa deveria encontrar respaldo no Ministério da Saúde para cumprir e fortalecer seu papel.

“Não há justificativa para a importação sem atendimento das normas sanitárias brasileiras, enquanto a indústria local investe tempo, energia e recursos para cumprir a legislação sanitária”

Não há justificativa para a importação sem atendimento das normas brasileiras, enquanto a indústria local investe tempo, energia e recursos para cumprir a legislação sanitária. Com essa postura, o Ministério da Saúde expõe a risco a população e promove falta de isonomia no ambiente concorrencial. A gestão pública deve sim prezar pelo controle de gastos, porém a segurança não pode ficar em segundo plano, sob pena de prejuízos futuros. Importar medicamentos sem registro sanitário deve ser a exceção, sempre dentro da legalidade, e não a regra. Caso contrário, a Anvisa se restringirá a mitigar os danos à saúde.

* O medicamento “3 em 1” não está à disposição na forma de um único comprimido no Brasil. Contudo, existe a possibilidade de substituí-lo pelo “2 em 1” mais Efavirenz produzidos no País por Farmanguinhos e devidamente registrados.

Antonio Carlos Bezerra
Antonio Carlos Bezerra
Presidente-executivo da ABIFINA
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