No momento em que o Brasil atravessa uma grave crise econômica, financeira, fiscal e institucional, os novos mandatários dos poderes Executivo e Legislativo federais têm pela frente uma enorme responsabilidade: planejar e implementar uma estratégia viável para a retomada do desenvolvimento. A ABIFINA entende que o ponto de partida deve ser um grande debate nacional envolvendo as entidades representativas da sociedade brasileira, com destaque para o setor produtivo. Nesta reportagem, reunimos algumas reflexões sobre a atual conjuntura, medidas de incentivo à produção local e instrumentos de apoio à inserção da indústria brasileira no mercado global.
A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO INVESTIMENTO INTERNO
Analistas econômicos afinados com a plataforma política do novo governo privilegiam a implementação de reformas financeiras e fiscais voltadas para a atração de capitais externos, relegando medidas de incentivo aos investidores nacionais. Parece haver uma descrença generalizada na capacidade das empresas locais de protagonizar a retomada do desenvolvimento e, por outro lado, um excesso de otimismo em relação ao nosso poder de captar investimentos produtivos no mercado global.
Para o professor Delfim Netto, “é absurdo acreditar que se pode desenvolver o Brasil importando capital. Só reativaremos nossa economia usando poupança nacional. É preciso devolver ao setor industrial as condições competitivas que lhe foram roubadas. Talvez tenhamos agora a oportunidade de executar um programa, ainda que não seja explícito, pois haverá comando centralizado da área econômica. As ideias para esse programa só podem vir de uma consulta à indústria nacional”.
Na mesma linha de raciocínio, Carlos Gadelha, coordenador do Grupo de Pesquisa sobre o Complexo Econômico Industrial da Saúde da Fiocruz, afirma que “não há país continental com grande população que tenha conseguido se desenvolver sem uma forte presença do setor produtivo nacional. Isso não significa que devamos ter um modelo fechado de desenvolvimento. Mas é determinante, para haver investimento em pesquisa e desenvolvimento e uma articulação com os interesses nacionais, que o setor produtivo possa ser estimulado em parceria com empresas internacionais interessadas em investir especialmente em inovação, desenvolvimento e fabricação de produtos de alto conteúdo tecnológico. Esse é o caso do complexo da saúde e, em particular, das indústrias farmacêutica e farmoquímica”.
Não é um jogo de soma zero – salienta Gadelha. “Na área da saúde tem que haver uma aliança com o Estado, porque o acesso a medicamentos e tecnologias de alto custo depende de gasto público. É o antigo modelo do tripé Estado-indústria nacional-indústria internacional, recolocado numa abordagem contemporânea em que a inovação e a quarta revolução tecnológica ganham centralidade. A grande aposta da ABIFINA e do complexo industrial da saúde é aliar duas coisas essenciais: o desenvolvimento social, visto que a saúde é um direito e uma demanda da sociedade brasileira, e a inovação tecnológica. É fato reconhecido no mundo que esses dois campos, saúde e inovação tecnológica, têm falhas de mercado imensas e dependem de uma articulação entre o setor público e o setor privado para cumprirem seu papel estratégico no desenvolvimento social e da cidadania”.
Na visão da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica e de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), o que importa é realizar as reformas necessárias. José Augusto Coelho Fernandes, diretor de Políticas e Estratégia da CNI, assinala que “a questão fiscal precisa ser enfrentada com prioridade, em especial a reforma da previdência. Os gastos públicos vinham crescendo sistematicamente acima do PIB e seu financiamento exigia maior carga tributária e cortes de investimentos em infraestrutura e noutras áreas essenciais da economia. A fixação do teto de gastos não é suficiente para sustar esse desequilíbrio. O Brasil gasta mais em previdência que o Japão, um país com população bem mais velha. Esse desequilíbrio é um dos fatores que restringem a possibilidade de uma redução estrutural da taxa de juros”.
Na avaliação de José Correia da Silva, vice-presidente do Conselho da Abiquifi, as reformas propostas pelo governo eleito não visam somente atrair recursos externos. “Nesse quesito, o Brasil, apesar do pessimismo generalizado, é alvo de grande interesse pelo seu mercado interno, regras estáveis de remuneração do capital investido, grandes possibilidades na infraestrutura e, mais importante, regime democrático consolidado com regras de jogo estabelecidas e respeitadas. Portanto, a meu ver, essas reformas interessam muito mais às empresas locais e investidores institucionais, que deverão capitanear os investimentos nas diversas áreas de oportunidade do País”.
Os Estados Unidos da América, frequentemente citados pelo novo governo como referência para a política econômica a ser seguida nos próximos anos, iniciaram no final do século 18, sob a liderança de Alexander Hamilton, um vigoroso processo de industrialização que elevou essa nação ao posto de maior potência econômica mundial. Que lições poderia o Brasil extrair hoje desse exemplo?
Para Carlos Gadelha, não foi só Hamilton o responsável pelo estrondoso sucesso econômico dos EUA. “Houve um movimento da sociedade. Foi a própria guerra civil americana que colocou a prioridade de um país democrático, republicano e com desenvolvimento industrial. A lição que fica para o Brasil é que o setor industrial precisa voltar a ter uma agenda de industrialização, agora inclusive para os segmentos de alta tecnologia. Não é aceitável, por exemplo, importar fármacos para embalar no Brasil, quando temos produção petroquímica nacional. É preciso uma conscientização da classe política e do setor produtivo para a necessidade de pensar no longo prazo. Além disso, faz-se necessária uma ação político-institucional de conscientização da sociedade e do Estado brasileiros quanto à importância do desenvolvimento industrial como base para uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo”.
“Temos duas agendas para trabalhar: a do século 20, ainda voltada para os problemas do custo Brasil, e a do século 21, orientada para novas competências, novos saberes, ciência e tecnologia”
José Augusto Fernandes
José Augusto Fernandes chama atenção para a importância do arcabouço institucional norte-americano de apoio à indústria. “Certamente uma parte da resposta a essa questão está associada à criação de instituições que promovem ou inibem a produtividade e a inovação. São muitos os fatores que explicam a distância entre os EUA e o Brasil, mas uma pista importante está nas forças e nas instituições que atuam sobre a produtividade e a inovação”. O diretor da CNI ressalta ainda que “a contribuição de Alexander Hamilton para a história americana vai além do Relatório da Manufatura. “Ele foi essencial na definição dos contrapesos do sistema político e na consolidação do princípio da responsabilidade fiscal, ao determinar a capacidade de pagamento da dívida americana e evitar um problema de confiança no nascedouro da nação”.
“Não há nenhuma razão para imaginar que o Brasil é improdutivo. Destruiu-se a capacidade brasileira de competir, mas ela pode ser reconstruída”
Delfim Netto
O desafio brasileiro no presente momento, conclui Fernandes, é “compreender como o mundo mudou desde Hamilton, buscar os pontos essenciais que permanecem da sua extraordinária visão política e econômica e ter confiança no nosso potencial transformador. Temos duas agendas para trabalhar: a do século 20, ainda muito voltada para os problemas do custo Brasil, e a do século 21, orientada para novas competências, novos saberes, ciência e tecnologia”.
No entender de José Correia, as políticas do Estado brasileiro divergem dos EUA em muitos aspectos. “Como nosso governo sempre foi onipresente em todo o sistema produtivo, não só criando as regras como, em muitos casos, produzindo diretamente, todos nós ficamos acostumados com esse dirigismo e, não raro, conformados com o papel de meros fornecedores para o Estado. Na grande maioria dos casos, esse ‘casamento’ prescinde da inovação competitiva e o Estado se dá o direito de agir como um tutor do sistema produtivo. Nós, produtores, perdemos a noção da relevância de nosso papel no desenvolvimento nacional”.
Enorme tomador de recursos financeiros, o Estado brasileiro também contribui para que o sistema financeiro tenha, ao contrário dos EUA, um enorme conforto e não necessite investir em atividades produtivas que, no mais das vezes, exigiriam conhecimento, discernimento e aceitação de uma dose de risco inerente às atividades fabris, argumenta Correia. “Diante de uma demanda imensa do setor público por recursos, com a garantia do Estado, por que iria o sistema financeiro investir em empreendimentos industriais?”
O conselheiro da Abiquifi entende que “não foi só a firme determinação de deixar ao setor produtivo privado as atividades fabris que diferenciou a estratégia norte-americana. Outra iniciativa importante foi a montagem de um sistema voltado para a regulação defensiva, contando com diversas organizações que praticamente tudo regulam em torno dos produtos e atividades. No setor farmacêutico é sobejamente conhecida a intervenção da FDA em todas as fases, desde o desenvolvimento até a comercialização dos produtos para saúde humana e animal. Além disso, existe nos EUA uma rede de instituições de fomento que premia o risco incorrido na inovação, contribuindo imensamente para a posição de vanguarda que os EUA ocupam atualmente”.
A COMPLEXA EQUAÇÃO DA COMPETITIVIDADE
Num cenário de maior abertura do mercado brasileiro, a ampliação das exportações industriais será decisiva para a retomada do desenvolvimento. Entretanto, nossa trajetória no comércio global tem apontado na direção oposta. Segundo Delfim Netto, hoje o Brasil não tem a menor importância na produção mundial. “Nossa participação é de 2% e, mesmo se dobrarmos a exportação industrial, não faremos cócegas no mercado”.
O professor recorda que o Brasil, desde o Plano Cruzado, passou a usar a taxa de câmbio para combater a inflação, “e essa estratégia, que exige juros reais gigantescos, minou o poder de competição da indústria nacional. O maior problema não é a tributação mais alta, mas sim a incapacidade, nesse contexto, de desonerar as exportações dos custos tributários internos, o que é um absurdo. Imaginemos um sujeito que, estando em Frankfurt, compra um sapato brasileiro produzido em Franca (SP). Sobre esse sapato incidem IPI e ICMS. Que expectativa tem o consumidor alemão de receber algum serviço do governo de São Paulo ou do governo brasileiro? Zero! Portanto, o sapato tem que sair daqui sem nenhum ônus. O Reintegra deveria ser completo, como foi no passado, pois isso permitiria um crédito no imposto de renda para compensar até mesmo os impostos invisíveis”.
Mesmo com câmbio favorável às exportações, Delfim reconhece a necessidade de se fazer uma reforma tarifária efetiva, organizando os setores prioritários de acordo com o valor adicionado. “Esse sistema tarifário tem que ser correto para que, quando o câmbio flutuar, ele realmente exerça um papel adequado na seleção das importações. E precisamos de um drawback que realmente funcione. Tudo o que for importado como componente do produto exportado tem que estar isento de carga tributária e contar inclusive com preferência nas importações, ligando-se às redes de produção internacional. Nas últimas décadas o que houve foi uma sequência de estímulos equivocados, tais como subsídio de IPI para a indústria numa conjuntura de câmbio valorizado. Como a alavanca do câmbio é muito mais poderosa do que a alavanca do IPI, dessa forma não se está efetivamente subsidiando a indústria nacional, mas sim os produtos industriais importados”.
Seria excessivamente otimista, contudo, acreditar que mesmo um governo pró-mercado venha a adotar, em curto prazo, medidas tarifárias ousadas. “O setor público brasileiro hoje é autofágico, existe para si mesmo e exige uma alta carga tributária só para se sustentar” – afirma Delfim. “Portanto não se pode esperar nada dele. O que se deve esperar é uma boa administração, capaz de induzir o setor privado a investir e a exportar – os dois vetores fundamentais do crescimento. Isso exige segurança jurídica e mercado funcionando em condições razoáveis”.
Por outro lado, pondera o professor, tampouco há razões para desânimo. “Como nós tiramos do setor exportador os estímulos, ele ficou defasado. Precisamos, de novo, motivar as empresas a buscar um lugar no mercado internacional. Se isso acontecer, não tenho dúvida de que em um ano ou pouco mais nossa indústria redescobrirá todos os truques que perdeu nos últimos anos. Não há nenhuma razão para imaginar que o Brasil é improdutivo. Destruiuse a capacidade brasileira de competir, mas ela pode ser reconstruída”.
O diagnóstico de José Augusto Fernandes enfatiza, igualmente, as distorções tributárias. “O Brasil tem vários problemas de competitividade, mas parece que os principais estão associados às disfunções do sistema tributário, disponibilidade e custo do crédito e qualidade e custo da infraestrutura. Desses, o mais grave é o problema tributário, que afeta as exportações, a capacidade de investir e de competir com importados. Nosso sistema tributário exporta impostos por conta do sistema imperfeito de ressarcimento de crédito, tributa investimentos (uma carga de 10% em uma planta greenfield, contra menos de 1,8% em países como Austrália, México e Inglaterra) e favorece importações por não pesar sobre nossos competidores a cumulatividade de impostos que impera no Brasil. O sistema tributário brasileiro tem um viés anti-industrialização e essas disfunções também geram contenciosos em escala sem precedente no mundo. Cerca de trinta grandes empresas no Brasil têm contencioso próximo a R$ 300 bilhões. O peso de contenciosos sobre o total de ativos no Brasil, para grandes empresas, é de 32%, enquanto a média mundial para quinze grandes economias é de 15%, segundo estudo da FGV-EAESP”.
A primeira medida que se pode tomar para aumentar a competitividade das exportações brasileiras, de acordo com o diretor da CNI, é eliminar o viés pró-importações do sistema tributário. “Em seguida, atacar a cumulatividade por meio de um IVA amplo que inclua o setor de serviços. Cerca de 10% dos gastos das empresas se referem a serserviços que não podem ser deduzidos. Em paralelo, cabe dar continuidade às medidas de facilitação do comércio para reduzir custos de transação nas exportações e importações, permitir maior previsibilidade nas operações externas e facilitar a inserção em cadeias de valor das empresas”.
No campo da burocracia também será preciso avançar. “Temos uma combinação de custos e de processos burocratizantes que retarda o fluxo de trânsito das mercadorias” – comenta Fernandes. “O fato é que tempo é custo. A falta de previsibilidade no trânsito de bens afeta as relações entre empresas e aumenta a pressão por um nível de estoques acima do necessário, o que termina por corroer o capital de giro das empresas”. No âmbito do comércio internacional, acrescenta, “cabe perseguir acordos bilaterais com capacidade de abrir mercados para nossas empresas e aumentar a escala das operações. E, neste momento turbulento, garantir a preservação de regras multilaterais de comércio, essenciais à estabilidade de um jogo em que a força tenha um papel menos preponderante”.
“Sem um regramento aplicável a todos os fornecedores, internos e externos, nenhum investidor tem interesse em instalar no País uma plataforma de produção. Ao contrário, todos veem o Brasil apenas como um mercado a ser explorado”
José Correia da Silva
Para a indústria farmoquímica, um aspecto particularmente sensível – e decisivo nas questões de competitividade – é a isonomia regulatória frente à concorrência mundial. “Quando falamos de baixa competitividade, temos que contextualizar, definindo quais seriam nossos competidores internacionais” – explica José Correia. “Se nos referimos às corporações multinacionais do Ocidente, entendo que somos perfeitamente competitivos e só nos falta um claro alinhamento com a regulamentação sanitária internacional, sem a qual não podemos nos considerar participantes do mercado global. Por outro lado, comparando nossa competitividade em preço final do produto com países como China e Índia, que não observam as mesmas regras impostas às empresas brasileiras, então temos uma diferença imensa, pois esses competidores trabalham com mão de obra beirando a escravidão, pouquíssimo ou nenhum respeito às regras ambientais e muito menos às sanitárias, sendo que o regramento responde, sem dúvida, pelo maior custo na produção dos insumos farmacêuticos. Além disso, nesses países prevalecem os subsídios, zonas especiais, participação do governo diretamente nas atividades produtivas e toda sorte de práticas que não se coadunam com as regras do comércio internacional”.
Um robusto sistema regulatório, reconhecido pelos governos dos grandes mercados – EUA, Europa e Japão –, é indispensável para o posicionamento do setor farmoquímico brasileiro como um player no mercado global, na avaliação de Correia. “De forma claudicante, o Estado brasileiro vem adotando a conta-gotas a regulação internacional, estando ainda longe de garantir segurança aos nossos possíveis parceiros comerciais. Sem vigência plena dessa regulação, ficamos presos a padrões de produção domésticos e nossos concorrentes asiáticos ficam livres para disputar nosso mercado interno sob exigências insignificantes, ou seja, em condições muito mais competitivas. Como investir num país cujo regramento sanitário para produção farmoquímica está voltado exclusivamente para o produtor local? Sem um regramento aplicável a todos os fornecedores, internos e externos, nenhum investidor tem interesse em instalar no País uma plataforma de produção. Ao contrário, todos veem o Brasil apenas como um mercado a ser explorado”.
Na área farmoquímica é absolutamente claro que nossa inserção no mercado internacional passa, direta e objetivamente, pela definição de um arcabouço regulatório moderno, antenado e alinhado às demandas internacionais, reitera Correia. “O setor farmacêutico internacional necessita, urgentemente, de insumos, medicamentos e serviços ofertados por parceiros confiáveis. Muitos países estão sofrendo com a falta de produtos de toda sorte pela escassez de produtores que atendam à regulamentação sanitária, cada dia mais restritiva e preocupada com a origem e as boas práticas de fabricação e controle”.
Na perspectiva da Fiocruz, a restauração da competitividade da indústria nacional voltada para o sistema de saúde depende em grande medida do uso do poder de compra governamental, sobretudo quando se considera que a inovação constitui um diferencial estratégico nessa área. “Temos um setor industrial fraco, que perdeu competitividade frente à terceira revolução tecnológica e corre o risco de ficar excluído da quarta revolução tecnológica” – adverte Carlos Gadelha. “O grande gargalo é essa fragilidade, decorrente de uma política de câmbio valorizado e juros elevados que tornou o investimento na indústria pouco atrativo. O Brasil passou por um período muito longo de câmbio valorizado, ou seja, havia um estímulo à importação de produtos industriais, tanto que só exportamos produtos de baixa tecnologia e importamos produtos de média e alta tecnologia”.
Gadelha lembra que inovação é investimento de alto risco, “cujo maior estímulo é as empresas saberem que vão vender seus produtos quando tiverem sucesso. Se a conjuntura é de moeda valorizada – ou seja, importação barata – e taxa de juros elevada, esse estímulo fica anulado na prática. É natural que, diante disso, o empresário prefira importar produtos e aplicar recursos no mercado financeiro. Precisamos inverter esse modelo. A macroeconomia deve estar a serviço do desenvolvimento produtivo industrial, e não o contrário, ou seja, desenvolvimento produtivo industrial a serviço de um ajuste macroeconômico de curto prazo. Considero o equilíbrio fiscal brasileiro essencial para o desenvolvimento, mas podemos alcançar esse equilíbrio sem recessão”.
“O mercado interno é uma base para a reconstrução do tecido industrial e, simultaneamente, essa reconstrução dá escala para a inserção no mercado internacional com preços competitivos”
Carlos Gadelha
O executivo da Fiocruz aposta na força do mercado brasileiro como alavanca para o aumento da competitividade. “O mercado interno é uma base para a reconstrução do tecido industrial e, simultaneamente, essa reconstrução dá escala para a inserção no mercado internacional com preços competitivos. Hoje temos um déficit comercial na área da saúde de U$ 15 bilhões. É fundamental que a política de comércio exterior seja feita de modo pragmático, viabilizando contrapartidas que permitam preservar as indústrias tecnologicamente mais avançadas e que tenham maior impacto para o SUS. Se nos resignarmos a uma total dependência de importações oriundas de quinze empresas detentoras das principais patentes, teremos um sistema de saúde extremamente vulnerável”.
O grande desafio do novo governo no que tange à inserção da indústria brasileira no mercado internacional, na opinião de Gadelha, será “a negociação, no âmbito dos acordos comerciais, de contrapartidas que permitam uma abertura programada da economia, garantindo o desenvolvimento industrial particularmente nos segmentos mais intensivos em tecnologia, como o complexo da saúde. Nesses acordos, em troca da liberalização em áreas de menor intensidade tecnológica, será fundamental garantir o acesso às flexibilidades previstas pela OMC, tais como o uso das compras públicas em benefício do desenvolvimento local. Esse é um elemento decisivo no complexo industrial da saúde, que hoje representa 9% do PIB brasileiro em termos de gasto e só 6% em termos de geração de valor – ou seja, 3% do PIB da saúde estão vazando para gerar riqueza fora do País. Trata-se de manter, nos novos acordos, o status atual das compras públicas de forma que possam ser revertidas para o desenvolvimento local da biotecnologia, da química fina e dos setores de maior tecnologia”.
As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) talvez constituam o instrumento de política industrial mais moderno que o Brasil conseguiu implantar no período recente, afirma Gadelha. “Essas parcerias, que visam gerar tecnologia no País com base num modelo aberto, envolvendo transferência de tecnologia, articulação entre o setor privado nacional, o Estado e empresas estrangeiras, foram muito bem sucedidas. As PDPs, ou instrumentos análogos que permitam articular o Estado com o setor privado nacional e internacional, formam a base para o desenvolvimento do complexo econômico-industrial da saúde”.
De acordo com o embaixador Roberto Jaguaribe, ex-presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), para além das barreiras internas e externas ao aumento da competitividade do produto industrial brasileiro, existem entraves culturais ainda não inteiramente superados. “O empresário brasileiro, de maneira geral, tende a concentrar esforços para atender à demanda interna, esquecendo, muitas vezes, de olhar para as oportunidades do mercado externo. Essas opções não são mutuamente excludentes. O primeiro ponto, portanto, é a intensificação dos esforços para se criar, na comunidade empresarial, uma cultura exportadora baseada não apenas em oportunidades pontuais ou em abordagens imediatistas, mas em uma visão realmente estratégica e de longo prazo, que permita às empresas brasileiras implementar planos de internacionalização com escopos mais amplos, que extrapolem períodos de eventual bonança ou de turbulência no cenário macroeconômico interno. Felizmente, nos últimos anos temos observado um substancial amadurecimento das empresas no que se refere à necessidade de definir uma estratégia para acessar o mercado internacional e ao entendimento do quanto isso constitui etapa fundamental para uma trajetória de crescimento”.
Entre as barreiras internas concernentes a políticas públicas, Jaguaribe aponta o persistente custo Brasil – custo de capital, tributação pesada, despesas trabalhistas, burocracias e regulações de todo tipo –, além das dificuldades logísticas e de infraestrutura para colocação dos produtos nas grandes praças internacionais. “Há também uma dificuldade de identificação das oportunidades oferecidas e baixa utilização das ferramentas disponíveis de inteligência comercial que possam viabilizar uma diversificação da pauta exportadora nacional”. Já entre as barreiras externas mais relevantes, o presidente da ApexBrasil destaca “as práticas comerciais protecionistas, amplamente utilizadas na atualidade, e a falta de clareza nas negociações internacionais e nos acordos com parceiros comerciais estratégicos. Nessa conjuntura, a visão das empresas brasileiras fica comprometida, o que dificulta tremendamente o planejamento de longo prazo, dentro de premissas de segurança e eficiência”.
De forma geral, Jaguaribe tem uma visão otimista do processo de integração da indústria brasileira ao mercado mundial. “Agendas de estímulo, como o Programa de Qualificação para Exportação da ApexBrasil, representam importantes ferramentas de apoio ao empresário interessado em operar no mercado externo. Adicionalmente, ferramentas que explorem a transversalidade e as potenciais sinergias entre setores econômicos onde o Brasil já apresenta um nível de protagonismo no mercado internacional podem apresentar boas perspectivas de inserção internacional”.