REVISTA FACTO
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Out-Dez 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
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//Editorial

Uma Visão de Estado e Mercado

Quando um novo governo se instala no País com uma plataforma reformista das relações entre Estado e mercado, visando, com destaque, a um profundo afastamento do Estado das atividades produtivas através de um programa de privatização de empresas estatais e dos serviços públicos prestados à população, cabem ser destacadas algumas premissas que deveriam ser consideradas pelos novos gestores públicos.

Evidentemente que o controle da inflação e a taxa de juros praticada são os componentes básicos de qualquer política econômica a ser adotada no Brasil. Mas esse fato associado à simples facilitação ao ingresso de capitais externos para investimentos no País, sem uma política de industrialização local, resultará no sucateamento de relevantes investimentos público-privados com elevado valor econômico e social, como aqueles já ocorridos na área da saúde pública – fruto da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) conduzida pelo Ministério da Saúde –, com marcantes resultados obtidos.

Não se pretende criar obstáculos ao ingresso de capitais externos para novos investimentos no País, mas as políticas públicas visando ao desenvolvimento industrial em setores nacionais estratégicos, como a já referida voltada à área do complexo industrial da saúde, devem ser mantidas.

Para ilustrar esse conceito, deve-se lembrar que, em 2007, ao realizar o licenciamento compulsório do antirretroviral Efavirenz, o Ministério da Saúde, na época comandado por José Gomes Temporão, além de ampliar o acesso ao produto farmacêutico ao promover expressiva redução de seu preço, deu início a uma política pública visando ao desenvolvimento da produção local, com o domínio tecnológico do processo fabril, em áreas do interesse da saúde pública. Com esse objetivo foi criado inicialmente um consórcio formado por empresas farmoquímicas visando à fabricação e ao fornecimento do princípio ativo requerido para que laboratórios oficiais fabricassem o medicamento. O sucesso dessa experiência foi destaque no relatório anual de 2012 da ONU, em que foi registrado que, de 2007 a 2011, o Brasil economizou US$ 97 milhões somente com a diminuição do custo para a aquisição do Efavirenz.

“… as políticas públicas visando ao desenvolvimento industrial em setores nacionais estratégicos, como a voltada à área do complexo industrial da saúde, devem ser mantidas.”

A partir dessa exitosa iniciativa foi estimulada a fabricação local de centenas de outros produtos farmacêuticos de relevante interesse social, atendendo a uma lista de produtos prioritários definidos para o SUS. Consolidou- se, assim, o que até hoje é conhecida como Política para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) do Complexo Industrial da saúde (CIS). Essa bem-sucedida experiência de parceria público-privada, que se vale do poder de compra do Estado, deveria ser mantida e ampliada pelo novo governo federal, inclusive visando-se a aplicações em outras áreas de interesse público.

Para a retomada do processo de desenvolvimento econômico e social do País, não basta contarmos apenas com o aporte de capitais externos que buscam normalmente retornos financeiros no curto prazo. Uma política de desenvolvimento da indústria local em setores estratégicos para o crescimento econômico e social necessariamente deve ter objetivos de longo prazo, o que requer a ação do Estado para assegurar a estabilidade das regras que regerão o mercado local. Nesse contexto, cabe destacar a relevante iniciativa da constituição de parcerias público -privadas com foco na inovação tecnológica e acesso ao mercado externo, sem discriminação quanto à origem do capital investidor.

Deve ser registrado ainda um fato relevante: sem o desenvolvimento industrial, nenhuma nação atingirá o status de país desenvolvido. Para ilustrar essa afirmativa, consideremos o caso da maior economia do globo, os Estados Unidos da América do Norte. Essa grande nação foi constituída no final do século XVIII, tendo em Alexander Hamilton seu grande líder. O então governante apresentou e aprovou no Parlamento norte-americano um projeto de desenvolvimento da nação baseado em uma política de industrialização, descrita em seu famoso Relatório sobre Manufaturas. Nesse documento Hamilton destacou que “a simples importação de bens manufaturados, invariavelmente, priva de sua riqueza os povos meramente agrícolas”.

Também é sabido que a China lançou em 2015 o plano Fabricado na China 2025, visando reforçar o poder industrial local em inovação, qualidade de produtos, sustentabilidade ambiental e desenvolvimento de recursos humanos para a indústria. Para tanto, foram selecionados alguns setores industriais, como tecnologia de informação, robótica, equipamento aeroespacial, equipamentos para a engenharia oceânica, ferroviária, agrícola, veículos com eficiência energética e medicina biológica. Dessa mesma estratégia valeram-se a Coréia e a Indonésia para alcançarem seu desenvolvimento econômico e social.

Tão relevante quanto à implantação de uma política de desenvolvimento econômico e social baseada na industrialização local é a realização de uma ampla reforma institucional do país visando eliminar ou reduzir em muito a sufocante burocracia estatal. O excessivo número de leis, decretos e regulamentos – extremamente detalhados e muitas vezes até mesmo conflitantes, forma um arcabouço legal impeditivo ao desenvolvimento de projetos de investimento realmente expressivos e eficazes. Para ilustrar, um simples pedido de licença para a abertura de uma empresa, com suas inscrições requeridas nos diversos entes públicos, como Receitas Estadual e Federal, Ibama, órgãos controladores como Anvisa e Polícias Federal, Estadual e do Exército, e sem nenhuma interação entre eles, demanda meses para ser resolvido, sendo que muitos desses documentos devem ser renovados anualmente.

“…um Estado desburocratizado e que atraia o setor empresarial para inovar tecnologias e fabricar no País produtos visando atender ao mercado nacional e internacional constitui a fórmula de sucesso a ser perseguida no longo prazo pelo Brasil.”

A existência da famigerada burocracia brasileira gera elevados e desnecessários custos que afetam gravemente a competitividade internacional das empresas nacionais, conforme demonstrado no ranking de competitividade global elaborado pelo Fórum Econômico Mundial. Portanto, pode-se concluir que um Estado desburocratizado e que atraia o setor empresarial para inovar tecnologias e fabricar no País produtos visando atender ao mercado nacional e internacional constitui a fórmula de sucesso a ser perseguida no longo prazo pelo Brasil.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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