O Brasil passa por um momento complexo. Por um lado, no cenário externo, possuímos reserva em moeda estrangeira suficiente para nos defendermos de volatilidades cambiais extremas, como a recentemente causada pela crise turca. Por outro, o panorama interno mostra um déficit público a crescer dia a dia em tal proporção que coloca em risco todos os avanços sociais que o País alcançou desde a implantação do Plano Real, a partir de 1994. Por isso, o próximo governo precisará ter coragem para tomar medidas impopulares caso aposte na prosperidade a longo prazo e no futuro das próximas gerações.
Existem vários problemas que devem ser enfrentados de peito aberto. O primeiro deles é, sem dúvida alguma, o déficit fiscal. Isto porque ele não é apenas a raiz do imenso atoleiro em que o Brasil afunda, mas também o grande obstáculo para que outras questões menores, mas ainda assim graves, possam ser enfrentadas. Alguns exemplos são a necessidade de investimentos em serviços básicos de saúde, educação e segurança, só para citar alguns.
De acordo com os últimos dados divulgados pelo Banco Central, o setor público registrou um déficit primário de R$ 13 bilhões em junho deste ano, sendo que esta conta reflete apenas receitas menos despesas.Ou seja, o cálculo ainda não contabiliza os gastos para o pagamento de juros de dívida pública, interna e externa.
O déficit do governo central no período alcançou R$ 15 bilhões. Já os governos regionais e as empresas estatais acumularam superávit de R$ 353 milhões e R$ 1,1 bilhão, respectivamente. Para 2018, a previsão é registrar um rombo de R$ 161,3 bilhões e isso deverá marcar o quinto ano em que o País não consegue economizar o suficiente para pagar juros da dívida pública. Além disso, não é segredo para ninguém quais são os dois grandes responsáveis pelo déficit primário: as despesas obrigatórias, especialmente com pessoal e encargos, e previdenciárias.
“O déficit fiscal é a raiz do imenso atoleiro em que o Brasil afunda e o grande obstáculo para que outras questões menores sejam enfrentadas”
Nos últimos meses, assistimos a alguns avanços no País com a Reforma Trabalhista que, se não colocou o Brasil no mesmo patamar de competitividade dos países mais desenvolvidos, ao menos devolveu um pouco de segurança jurídica à relação entre empregadores e empregados. Mas a Reforma da Previdência, ainda mais urgente pelo seu impacto sobre as contas públicas, infelizmente empacou no Congresso Nacional.
“A Reforma da Previdência depende da coragem dos poderes Legislativo e Executivo. Quanto mais é postergada, mais se aprofunda o imenso déficit fiscal”
Extremamente impopular, ela enfrenta milhares de barreiras para que finalmente possa ser aprovada. Do aumento da idade mínima para homens e mulheres à diferenciação de algumas categorias, como os militares, a mudança depende da coragem dos poderes Legislativo e Executivo. E, quanto mais ela é postergada, mais se aprofunda o imenso déficit fiscal em que o Brasil afunda.
Em brilhante reportagem publicada no jornal Valor Econômico em 29 de agosto, a jornalista Claudia Safatle alerta que, caso a reforma da Previdência não avance, o gasto obrigatório do Orçamento da União, que hoje representa 91% da despesa primária, chegará a 98% em 2021. A outra saída seria o surgimento de novas receitas atípicas, o que é improvável, a menos que haja elevação ou criação de novos tributos, o que prejudicaria o crescimento do País.
De acordo com os números apurados pelo Valor, as duas maiores Despesas Obrigatórias são com o Regime Geral da Previdência, que hoje representa 8,6% do Produto Interno Bruto (PIB), e com a folha de salários e encargos sociais do funcionalismo federal, que corresponde a 4,4% do PIB. Na conclusão do jornal, não bastaria, portanto, tratar da reforma da Previdência. “O próximo governo terá que fazer também uma outra reforma penosa: a dos salários, das contratações e das carreiras dos servidores públicos”, conclui o Valor Econômico, destacando: “se nada for feito e os gastos obrigatórios alcançarem 98% da despesa primária total, será o colapso do Estado, que não conseguirá nem mesmo prestar os serviços públicos de má qualidade que presta hoje”.
Haveria outra alternativa? Sim: o aumento de impostos para empresas e pessoas físicas de forma a cobrir o rombo fiscal. Mas esta é a melhor alternativa? Definitivamente não.
É um grande paradoxo imaginar que existem em tramitação projetos de lei cujo objetivo é tributar o lucro das empresas, como se elas pagassem poucos impostos aos cofres públicos. O que esses projetos não consideram é que o sistema tributário do País morde uma fatia considerável da produção e que qualquer proposta de tributação de lucros e dividendos teria que partir do pressuposto de uma reforma tributária que permitisse investimentos, produtividade, prosperidade e geração de empregos. Precisamos de um sistema tributário simplificado, que não gere tantos custos, para que as empresas possam administrar o pagamento de impostos e que crescimento e produção sejam estimulados. Não o contrário.
A situação fiscal do País é gravíssima. E sabemos que a única forma de resolvê-la é cortar gastos onde devem ser cortados, garantindo que o orçamento do governo seja destinado de forma racional para aposentadorias e salários de servidores, porém estabelecendo como prioridades os investimentos em serviços públicos essenciais ao bem-estar da população e ao desenvolvimento econômico e social.
“É um paradoxo imaginar que existem projetos de lei cujo objetivo é tributar o lucro das empresas, como se elas pagassem poucos impostos”
É interessante notar que o setor privado brasileiro, a despeito de todos os riscos e incertezas, tem agido com bravura neste longo período de recessão. Nós, empresários, continuamos investindo nossos recursos para manter negócios em funcionamento e garantir o emprego de milhões de trabalhadores. Calejados pelas inúmeras crises pelas quais o País já passou ao longo das últimas décadas, aprendemos a ter resiliência, ou seja, construímos a capacidade de lidar com problemas e vencer a pressão e os obstáculos, pois sabemos que é a única forma de aproveitar oportunidades e voltar ao crescimento, mesmo após longas quedas.
Mas, se o próximo governo, independentemente de qual seja, não enfrentar todas essas questões sem receio de medidas impopulares, o Brasil não conseguirá sair do ciclo vicioso em que o País está nem entrar, finalmente, em um novo ciclo de prosperidade.