A partir da década de 1990, o acirramento da concorrência global e o aparecimento de novos atores modificaram o panorama mundial da indústria química. Fusões e aquisições se multiplicaram, companhias tradicionais desapareceram ou alteraram radicalmente seus portfólios. O crescimento dos países asiáticos levou muitas empresas ocidentais a deslocarem para lá suas unidades produtivas em busca das vantagens competitivas propiciadas pelo baixo custo de investimento e pela mão de obra extremamente barata. China e Índia passaram a liderar a evolução tecnológica na química fina, respectivamente nos segmentos de intermediários de síntese e medicamentos.
De que maneira o Brasil, hoje extremamente dependente da importação de produtos químicos, pode se reinserir na dinâmica global desse setor da indústria? Que política o País deve adotar para reverter o processo de desindustrialização que afeta nossa economia há mais de uma década? A questão é complexa, especialmente quando se considera a recente escalada do protecionismo entre os países líderes do Ocidente em reação ao vigoroso crescimento industrial do Sudeste Asiático.
CHINA & CIA
Segundo Renato Baumann, professor de Economia Internacional da Universidade de Brasília, uma grande novidade da década de 1990 para cá é o fatiamento do processo produtivo – a chamada produção em cadeia de valor. “Na verdade, isso sempre existiu, desde Henry Ford, que criou a linha de produção de veículos. Um trabalhador aperta o parafuso, outro coloca a chapa e assim por diante. A novidade da década de 90 consistiu em descentralizar geograficamente essa forma de produção, fabricando componentes em países distintos, o que ocorreu de forma intensa sobretudo no Sudeste Asiático. Não na Ásia em geral, porque o sul da Ásia, principalmente a Índia, mantém pouquíssimas relações comerciais com seus vizinhos. Mas a China é muito ativa nesses processos, que envolvem acordos de preferência, acesso facilitado a mercados para importação de componentes, governança da estrutura produtiva, baixo custo de transporte e de peças. Excetuando-se os produtos que não podem ser fabricados assim por exigirem processos contínuos, em boa parte dos setores industriais se adotou essa estratégia produtiva, o que levou várias empresas ocidentais a se instalarem nos países asiáticos como forma de se beneficiarem desse processo”.
Isso firmou uma tendência em diversas partes do mundo, observa Baumann. “Foi muito forte sobretudo na Ásia, mas também no âmbito da União Europeia e na América do Norte, através do Nafta (Acordo de Livre Comércio entre Estados Unidos, México e Canadá). Sobretudo no Norte do México, com as ‘maquiladoras’ mexicanas, que estão a 200 km dos Estados Unidos. É só atravessar e voltar com o produto pronto. América Latina e África também participaram desse processo, mas pela porta dos fundos. Nós exportamos minério de ferro. Na Ásia, se faz a chapa e o automóvel. Fornecemos somente matéria prima, sem participar com desenho de produtos nem nada. Sempre que fazemos esse debate no Brasil menciona-se o caso clássico da Embraer, mas ela não chegou a formar uma cadeia de valor. É apenas uma empresa internacionalizada que tem um valor adicionado relativamente pequeno. A Embraer participa, sim, com inteligência, com projeto, mas o grosso das peças vem do exterior”.
Nelson Marconi, professor de Macroeconomia e Finanças Públicas da Fundação Getúlio Vargas, assinala as vantagens competitivas dos países asiáticos nos anos 1980 e 90. Além da mão de obra extremamente barata, “eles investiram maciçamente em educação e infraestrutura e, além disso, mantiveram um equilíbrio macroeconômico importante. Nunca deixaram que suas moedas se valorizassem muito. Tudo isso incentivou indústrias globais de transformação a se deslocarem para lá”. Na América Latina isto não ocorreu porque, segundo Marconi, de forma geral praticamos políticas macroeconômicas ruins. “Por exemplo, deixamos o câmbio valorizar nossas moedas, acomodamo-nos ao desequilíbrio nas contas externas, à situação fiscal ruim e aos juros altos. Tudo ao contrário do que a Ásia fez. Em termos de investimento em educação, começamos muito depois deles. As parcerias entre Estado e setor privado lá funcionaram muito melhor do que aqui. A Ásia ofereceu, portanto, um conjunto de atrativos muito superior ao nosso para a realização de investimentos produtivos. Não fomos competentes o suficiente, do ponto de vista de política econômica, para continuar a crescer como crescíamos no passado. Até as décadas de 1970 e 80, antes de sofrermos os impactos da crise da dívida, nosso PIB per capita era maior que o de vários países da Ásia. Hoje, Coréia do Sul, Taiwan e Cingapura têm PIB maior que o nosso. Cometemos muitos erros em política econômica”.
Com o crescimento econômico, os salários nos países asiáticos começaram a aumentar, recorda Marconi, o que reduziu sua competitividade no custo de mão de obra. “Na China, em alguns setores esse custo está muito próximo ao do Brasil. Por outro lado, ao longo desse período os asiáticos desenvolveram tecnologia e conseguiram se sofisticar do ponto de vista produtivo e tecnológico. Justamente porque mantiveram firmes suas políticas econômicas – câmbio em patamar competitivo, taxa de juros mais baixa, situação fiscal mais equilibrada, investimento em educação, política industrial favorável –, puderam continuar crescendo. Hoje a China depende menos da vantagem comparativa decorrente dos salários mais baixos. A Ásia continua muito bem no cenário internacional, as economias estão crescendo. O Japão está estagnado por outros motivos”.
“A mão de obra barata que serviu para alavancar a China não será mais um fator decisivo na industrialização”
Mauro Arruda
Na opinião do economista Mauro Arruda, a mão de obra barata e a moeda desvalorizada foram os principais motivos da transferência para a Ásia de fábricas dos grandes conglomerados transnacionais do Ocidente nas duas últimas décadas do século 20, “a competitividade chinesa não estava baseada em maior produtividade ou em qualquer outra variável econômica relevante, como disponibilidade de boa infraestrutura. O Brasil, que até os anos 1990 estivera na linha de frente entre os países ocidentais em desenvolvimento, com seus graves desequilíbrios sociais e regionais e sua péssima distribuição de renda, foi um dos países mais atingidos por esse movimento. Nossa indústria foi praticamente dizimada. Além do direcionamento das regras internacionais para a China, como queriam os grandes conglomerados da indústria, nossa política cambial, voltada para o combate à inflação, excluiu qualquer possibilidade de a indústria nacional ser competitiva, em função, inclusive, do enorme Custo Brasil, que só poderia ser reduzido, no curto prazo, por um câmbio favorável. Fora desse contexto, qualquer discussão sobre o que aconteceu é perda de tempo. Contudo, a desigualdade crescente no Ocidente obrigará a uma revisão sobre o que as sociedades desejam e o que os grandes conglomerados querem. Dos anos 1980 até agora, só eles e a China ganharam”.
PROTECIONISMO EM ALTA
A crise mundial deflagrada em 2008 e o ininterrupto avanço chinês no mercado internacional foram alguns dos fatores que levaram à ascensão, nos países desenvolvidos do Ocidente, de governantes adeptos do protecionismo e extremamente agressivos na conquista de mercados externos. Hoje mergulhado numa grave crise política e econômica, o Brasil não está em posição favorável para enfrentar pressões dessa natureza.
“Boa parte dos países hoje industrializados usaram políticas verticais e ainda usam, de forma dissimulada. A grande diferença está nas políticas horizontais”
Renato Baumann
Segundo Renato Baumann, a Organização Mundial do Comércio elaborou um documento mostrando que, desde 2008, as barreiras de comércio cresceram bastante. “Na maior parte das vezes, são barreiras disfarçadas, não tarifárias. Mas aumentou o grau de protecionismo, não resta dúvida. O exemplo mais claro disso é o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com as sobretaxas do aço e do alumínio. A aprovação do Brexit, na Inglaterra, em certa medida vai nessa mesma direção: não só a xenofobia em relação aos imigrantes, mas também uma postura protecionista de que ‘nós da ilha podemos ser autossuficientes’ etc. Enfim, tem havido certamente um aumento das barreiras sob forma de normas produtivas, melhores práticas, disfarçadas na negociação do comércio de serviços e na regulamentação de fluxos de comércio com base em padrões técnicos”.
De partida, esse movimento inibe o acesso dos produtos brasileiros a alguns mercados, esclarece Baumann, “porque quando não se obedece a esses critérios mínimos básicos, o produto simplesmente não atinge o mercado. Por outro lado, como esses critérios são apresentados como ‘melhores práticas’, cria-se a convicção de que é preciso ter o certificado A, B ou C, e seguir padrões desse ou daquele tipo que, em muitos casos, são sofisticados demais para mercados onde não necessariamente se tem interesse imediato”.
Para Nelson Marconi, a reação protecionista vem principalmente dos Estados Unidos. “Um dos fatores que influenciaram nas últimas eleições foi a defesa da retomada da atividade na indústria, porque a capacidade de geração de empregos na indústria norteamericana realmente diminuiu muito. Uma das coisas que Trump está tentando fazer agora é estabelecer práticas protecionistas. Não acho que seja o melhor caminho, mas é nisso que ele aposta para tentar conter a invasão do mercado norteamericano por produtos chineses”.
As barreiras técnicas são mais comuns na Europa, onde não há uma postura protecionista explícita. Assim como Baumann, Marconi chama atenção para a constante atualização dos padrões de produção como forma de os países mais desenvolvidos protegerem seus mercados. “Em alguns casos, essas barreiras consistem numa definição exata das características do produto, favorável, naturalmente, às empresas locais. Ainda que não sejam barreiras de tributação ou de câmbio, estas também se destinam a frear a invasão de produtos asiáticos”.
Marconi lamenta que o Brasil tenha renunciado a adotar estratégias de defesa frente ao protecionismo dos parceiros. “Aqui, pelo contrário, o governo está tentando diminuir a alíquota de importação de bens de capital num momento em que não devia fazer isso. De um lado o Brasil já perde, tradicionalmente, por não tomar nenhuma medida no sentido de tornar sua indústria mais competitiva, nem mesmo naqueles segmentos mais eficientes. Não adotamos uma política macroeconômica que possa incrementar a competitividade de nossas empresas no exterior. Se, além disso, há um aumento da proteção dos Estados Unidos, por exemplo, em relação ao nosso aço, e da Europa, por meio de especificações mais rigorosas de padrões de produção, e se os países asiáticos continuam aumentando fortemente sua produtividade, por um motivo ou por outro o Brasil acaba ficando muito prejudicado no mercado mundial”.
Na opinião de Mauro Arruda, não se deve confundir iniciativas tomadas por Donald Trump com um possível movimento mundial de grande magnitude na direção do protecionismo. Por isso, ele acredita que a aposta no multilateralismo deve ser renovada. “No presente, é difícil prever um quadro em que o protecionismo volte a ser admitido como uma política viável para a retomada do desenvolvimento da indústria brasileira. Isso inclui os segmentos que foram duramente atingidos por políticas econômicas adotadas por governos nos anos 1990, bem como por regras internacionais estabelecidas nessa mesma década que culminaram com a criação da OMC. Não há, no plano internacional, nenhuma iniciativa esboçada com a intenção de rever as regras da OMC”.
Na mesma linha de Arruda, o presidente executivo do grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, prefere colocar o problema como um desafio à internacionalização da indústria brasileira. “Sem dúvida, a onda protecionista afeta o Brasil. É uma posição que leva a uma neutralização de esforços. É claro que não se pode considerar que o jogo do comércio internacional é jogado por todos de acordo com as mesmas regras. Não é. Nós estamos vendo o recrudescimento de medidas protecionistas que vão nesta linha. Por outro lado, é muito importante mantermos a possibilidade de atuar em outros mercados que não o mercado interno exclusivamente. Até porque áreas que envolvem a utilização de conhecimento científico avançado e técnicas industriais muito sofisticadas, como é o caso da química fina, precisam estar sempre abertas para o mundo”.
O que o Brasil precisa fazer, no entender de Arcuri, é combinar a manutenção de regras que favoreçam a ampliação das correntes de comércio internacional com condições de competitividade que permitam à indústria brasileira aproveitar essas correntes a partir da produção interna e da interrelação tecnológica com parceiros. “Nosso País tem capacidade de recuperar uma posição importante na cadeia da química fina. Se combinarmos esse esforço com a possibilidade de suprir o mercado interno com vários tipos de produtos, podemos identificar melhor os nichos de mercado ainda capazes de receber investimento e inovação brasileiros”.
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A QUÍMICA FINA
Se o protecionismo pressupõe, de forma geral, um conjunto de barreiras destinadas a gerar vantagem competitiva em setores específicos considerados relevantes para a economia de um país, então pode-se considerar legítimo que os parceiros comerciais afetados adotem estratégias de defesa comercial contra tais barreiras. Esta posição é defendida por Fernando Figueiredo, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim). “É necessário eliminar as práticas predatórias de comércio, que colocam em xeque a sobrevivência de diversas produções que geram empregos, renda e riqueza, bem como zelar pela integridade do sistema brasileiro de defesa comercial. O modelo brasileiro de governança na defesa comercial e de excelência técnica da autoridade investigadora é reconhecido internacionalmente e faz do Brasil um país de vanguarda, que implementou diversas práticas modernas, favorecendo o contraditório, a ampla defesa e a plena transparência, indo além dos próprios compromissos assumidos pelo País nos acordos multilaterais da OMC. Entretanto, o Ministério da Fazenda, sob a alegação duvidosa de combate à inflação, tem sistematicamente tentado derrubar o trabalho técnico, tornando-se aliado de algumas empresas predadoras do comércio internacional”.
“É necessário eliminar as práticas predatórias de comércio, que colocam em xeque a sobrevivência de diversas produções que geram empregos, renda e riqueza, bem como zelar pela integridade do sistema brasileiro de defesa comercial”
Fernando Figueiredo
Figueiredo argumenta que “nenhum país que pretenda fortalecer relações comerciais com o mundo abre e nem pode abrir mão da aplicação de medidas de defesa comercial nos casos em que, após investigação altamente técnica, resta claro que importações a preços desleais (por dumping ou subsídios), ou seja, preços inferiores aos que seriam normalmente praticados pelos exportadores, estejam causando dano à indústria doméstica. Caso contrário, o país estará sinalizando ao mercado que não valoriza sua indústria, gerando insegurança jurídica e inibindo investimentos de médio e longo prazo indispensáveis para um crescimento sustentável. Abrir mão desses instrumentos tem impacto muito negativo em novos investimentos produtivos nacionais e estrangeiros. O governo precisa decidir se quer defender um Brasil moderno, com condições de gerar riqueza e emprego para seu povo, ou se quer ser o quintal do mundo para desova de produtos encalhados”.
Mauro Arruda concorda que o governo, na condição de maior comprador de medicamentos do País, deveria “atuar duramente contra os preços praticados por empresas farmacêuticas que quase nada fabricam no País. Passaram a importar até aspirina”. Por outro lado, insiste na tese de que não há espaço para protecionismo e considera que “uma política viável seria a de juntar empresas nacionais do setor farmacêutico em grupos de duas ou mais para investirem em fábricas no Brasil com o fito de fabricar insumos farmacêuticos básicos. Seria uma combinação de política de compras com política de preços. A fabricação de medicamentos no Brasil aumentaria a demanda por insumos, o que incentivaria o aumento da fabricação local de medicamentos. Deve-se acrescentar que, mesmo o País sendo um dos maiores mercados consumidores de produtos farmacêuticos do mundo, qualquer iniciativa deve se basear na perspectiva de produzir para o mundo”.
Reginaldo Arcuri, por sua vez, propõe uma estratégia voltada para segmentos específicos de mercado. “A química fina, como outros setores, ainda apresenta para o Brasil muitas oportunidades, que se referem mais à detecção de nichos onde se pode combinar a competência que o País construiu na produção de insumos de química fina com a possibilidade de verticalizar a produção doméstica. Isso serviria para atender ao mercado interno, evitando importações de altíssimo custo, como também para impulsionar a exportação de IFAs e produtos finais fabricados no Brasil”.
Qualquer política setorial para a indústria deve levar em conta o engajamento competitivo do Brasil na Quarta Revolução Industrial – ou economia 4.0 -, que vem avançando nos países mais desenvolvidos e promete quebrar paradigmas nos processos produtivos dos mais diversos setores industriais. Segundo Renato Baumann, o acoplamento de impressoras 3D às linhas de montagem ilustra bem as mudanças que estão por vir. “Em alguns setores, essas impressoras começam a ganhar espaço e a regionalizar mercados em linhas de grande escala produtiva de corporações globais. Por exemplo, a Adidas tem algumas lojas na Alemanha e nos Estados Unidos em que não se acha mais um tênis pronto. O cliente vai lá e o tênis é desenhado de acordo com seu pé e com suas necessidades. É feito na hora com impressora 3D. Isso muda tudo, toda a lógica de produção”.
Mauro Arruda, igualmente, entende que a discussão de uma política industrial para o Brasil deve não só levar em conta os aspectos tecnológicos da Quarta Revolução Industrial, mas também seus aspectos sociais, pois ela se relaciona também “à melhoria da condição de vida das pessoas em resposta ao determinismo de que o desemprego será algo natural. E todas essas iniciativas deverão estar, por certo, vinculadas à necessidade de o capitalismo voltar a se subordinar à democracia”. Uma coisa é certa, na opinião de Arruda: “a mão de obra barata que serviu para alavancar a China não será mais um fator decisivo na industrialização”.
O VALOR DO EQUILÍBRIO MACROECONÔMICO
O agravamento do processo de desindustrialização do Brasil mostrou que políticas setoriais de desenvolvimento são insuficientes e produzem parcos resultados num ambiente macroeconômico adverso. Renato Baumann salienta que, embora nosso país tenha “uma longa história de promoção do desenvolvimento industrial com incentivos, com proteção contra importações, com crédito subsidiado etc, no passado a institucionalidade que provia esses incentivos era outra. Além disso, o mundo funcionava diferentemente tanto dentro de cada país como no âmbito das regras internacionais. Hoje não são mais permitidos vários incentivos que se concedia antigamente, como, por exemplo, o Crédito Prêmio, que foi muito importante para as exportações brasileiras. Se uma empresa tinha que pagar 100 mil de imposto de renda, ela recebia esses 100 mil ao comprovar sua condição de exportadora. Boa parte do sucesso da Coreia do Sul tem a ver com uma política ativa nesse sentido, mas o mundo mudou. Hoje isso é proibido, assim como subsidiar investimentos voltados para a exportação”.
A indústria tem uma interminável discussão em relação à dicotomia entre as chamadas políticas verticais e as políticas horizontais, esclarece Baumann. “As verticais são voltadas para setores específicos. Concede-se crédito do BNDES, desonera-se a folha de pagamento, aumenta-se a tarifa do imposto de importação dos produtos que competem. E políticas horizontais são, por exemplo, investir em educação, reduzir o custo Brasil e a burocracia, fazer uma reforma fiscal etc. Boa parte dos países hoje industrializados usaram muito as políticas verticais e, de alguma forma, ainda usam de forma dissimulada. A grande diferença está nas políticas horizontais, ou no ambiente associado às políticas horizontais, envolvendo ações que precisamos efetivar aqui: reforma tributária, reforma da previdência, investimento na infraestrutura, redução da dependência de cartórios, de papeladas, simplificação burocrática da própria tributação. Isso tudo é custo. Então, a agenda é mais ambiciosa do que no nível setorial. Hoje o Brasil não tem muitas condições de avançar nesses temas, por razões de ambiente político. O que se espera é que quem venha a ser eleito possa promover isso rapidamente”.
Nelson Marconi se mostra otimista nessa questão. Na qualidade de coordenador do programa de governo do candidato à presidência da República Ciro Gomes, ele declara que a primeira coisa é arrumar a casa do ponto de vista macroeconômico. “É viável. Havendo um projeto de desenvolvimento já se tem clareza sobre o que fazer. Em começo de governo, o apoio para tomar uma série de medidas é muito mais forte. Então, há um período concentrado em que se tem que implementar o máximo possível das mudanças necessárias: avançar na reforma da previdência e empreender a reforma fiscal e tributária, por exemplo. Precisamos mudar a estrutura tributária, desonerando a produção, fazendo a tributação incidir mais sobre a renda e menos sobre a produção. São coisas que dependem de mudança constitucional e devem ser realizadas em começo de governo”.
Para Marconi, boa parte das indústrias brasileiras é eficiente e tem condições de concorrer no mercado internacional. “Elas são bem ajustadinhas da porta para dentro. Nossa política econômica é que tem que mudar. Precisamos de uma taxa de câmbio mais competitiva, taxa de juros mais baixa e equilíbrio fiscal para propiciar competitividade. Mas isso não é suficiente. Tem que ter investimento público, infraestrutura, mecanismo de financiamento para tudo, mas principalmente para exportação. É preciso ter uma estratégia de desenvolvimento que privilegie a indústria e as exportações industriais. Para isso, faz-se indispensável não só o equilíbrio macroeconômico, mas a adoção de uma série de medidas que ajudem a exportar: linha de crédito, logística, facilidade para fazer negócios, desburocratizar. Tudo isso são fatores importantes para estimular os investimentos da indústria”.
Alberto Borges Matias, presidente do Inepad (Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração) e professor de Finanças da USP, da mesma forma ressalta a importância de uma política macroeconômica que favoreça a revitalização da indústria. “É fantasia o dito câmbio flutuante, em um mundo marcado por políticas cambiais desenvolvimentistas e patrimoniais. A redefinição da política de juros é outro ponto importante, pois as taxas ainda estão muito elevadas. Precisamos nos livrar de preconceitos que temos sobre a relação entre a taxa de juros e o processo inflacionário”.
Matias defende maior participação dos agentes econômicos tanto na definição da política cambial quanto no Copom e no Conselho do BNDES. Em sua opinião, o governo e o setor empresarial devem se unir para planejar os rumos econômicos nacionais. “A economia brasileira se ressente, há muito tempo, da falta de um plano de desenvolvimento estratégico para cerca de cinquenta anos, no mínimo. O futuro nós fazemos. A reindustrialização depende desse plano, que deve ser elaborado em conjunto com o governo”.
“Precisamos mudar a estrutura tributária, desonerando a produção, fazendo a tributação incidir mais sobre a renda e menos sobre a produção”
Nelson Marconi
Fernando Figueiredo, por sua vez, chama atenção para o obstáculo representado pelos altos custos de produção. “Os elevados custos da matéria-prima e da energia são problemas que precisam ser resolvidos para permitir o crescimento da indústria química nacional. É importante que as empresas brasileiras tenham acesso à matéria prima a custos competitivos com as empresas estrangeiras”. A descoberta de petróleo e gás no pré-sal oferece ao Brasil, segundo ele, uma oportunidade de se transformar em um dos maiores produtores mundiais de químicos e petroquímicos. “O Brasil deveria seguir o exemplo do que ocorreu no Oriente Médio, com a descoberta do petróleo, e nos Estados Unidos, com o avanço tecnológico que permitiu a exploração do shale gas, gerando empregos de qualidade, tributos e riqueza nessas regiões”.
“Retomar o processo de expansão da nossa indústria não é simplesmente reindustrializar nos mesmos patamares que nós tínhamos. É dar um longo salto à frente para alcançarmos, no mínimo, os patamares dos países de desenvolvimento equiparável ao nosso, que enfrentam também, ou já enfrentaram, dificuldades semelhantes e conseguiram superá-las”
Reginaldo Arcuri
Outro obstáculo a ser superado, destaca Figueiredo, são os elevados custos das operações logísticas. “Em 2017, por exemplo, um levantamento feito pela Abiquim junto às empresas associadas mostra que o deslocamento de um contêiner de Hong Kong, na China, para o porto de Santos, em São Paulo, tem um custo de R$ 10 mil, sendo que a distância marítima percorrida é de 18 mil quilômetros. O sistema brasileiro atual transporta por rodovias interestaduais e federais o mesmo contêiner, entre Camaçari, na Bahia, e o porto de Santos – uma distância de apenas dois mil quilômetros – por R$ 20 mil”. Além de trabalhar pela redução dos custos logísticos o Brasil deve também, afirma Figueiredo, “agir com firmeza para reduzir o custo do financiamento bancário e o custo dos investimentos, por meio da eliminação de impostos que oneram as empresas que desejam investir”.
Reginaldo Arcuri também aponta a questão tributária e a logística como desafios prioritários na esfera macroeconômica. “O processo de desindustrialização é um fenômeno transversal da indústria brasileira. Antes de termos políticas capazes de produzir um resultado setorial de curtíssimo prazo, nós precisamos equacionar as questões mais gerais que drenam a competitividade da indústria brasileira. Enquanto não se fizer uma reforma tributária; enquanto não tivermos uma infraestrutura capaz de suportar o desenvolvimento industrial acelerado; enquanto não empreendermos uma ação firme no sentido de levar as indústrias a um novo patamar de utilização dos meios digitais; enquanto não houver uma interrelação mais profunda entre universidades e empresas, focada no desenvolvimento de produtos, não conseguiremos atingir o patamar estrutural de competitividade dos países com os quais nos enfrentamos no comércio internacional”.
A eliminação da defasagem produtiva e tecnológica da indústria brasileira, nesse contexto geoeconômico, é um objetivo ambicioso, no entender de Arcuri. “Retomar o processo de expansão da nossa indústria não é simplesmente reindustrializar nos mesmos patamares que nós tínhamos. É dar um longo salto à frente para alcançarmos, no mínimo, os patamares dos países de desenvolvimento equiparável ao nosso, que enfrentam também, ou já enfrentaram, dificuldades semelhantes e conseguiram superá-las. Precisamos fazer uma ponte do ponto em que estamos hoje para o ponto onde esses países estão, e chegar lá rapidamente”.
A magnitude do desafio não deve nos desanimar. “É uma questão de ter capacidade de articular, em direção aos mesmos objetivos, as enormes potencialidades que o País tem. O Brasil já fez isso em outras épocas. Nós realmente tivemos uma redução da participação da indústria no conjunto da economia brasileira muito além do que seria desejável. Mas é perfeitamente possível reverter isso. Não apenas recuperar o que foi perdido, mas partir do ponto onde estamos e das lições aprendidas para alcançar, em uma velocidade que só pode ser conseguida com um esforço nacional de coordenação e de ação conjunta, o nível de desenvolvimento, por exemplo, da Coreia do Sul”.
Mas, será possível empreender tal reviravolta por meio somente de uma adequada política econômica? Na opinião de Mauro Arruda, isto não basta. “É necessário promover o reencontro entre capitalismo e democracia. No Ocidente, a insatisfação com a democracia é crescente, porque as sociedades estão perdendo participação e influência sobre um modelo de capitalismo altamente concentrador de renda e que leva à precarização do trabalho, marcada por empregos de baixa qualidade. A solução para esse reencontro vai requerer a revisão de regras estabelecidas para a globalização no contexto da segunda revolução industrial. O mundo já está vivenciando a quarta revolução industrial, que demandará ainda menos mão de obra. A discussão sobre as novas regras deve, além da globalização da produção, contemplar também a globalização financeira, que não tem nenhum controle”.