REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
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O BRASIL NA ERA DO CONHECIMENTO
//Editorial

O BRASIL NA ERA DO CONHECIMENTO

Nos últimos anos, vivemos uma revolução tecnológica sem comparação na história da humanidade. A criação da internet, na década de 60, e a popularização da rede, a partir da década de 90, permitiram que passássemos a trocar todo tipo de informação, em velocidade instantânea, de qualquer parte do mundo. Na indústria química e farmacêutica, podemos ir um pouco mais longe. Há exatos 90 anos, em 1928, analisando o poder de alguns fungos sobre determinados tipos de bactérias, o médico escocês Alexandre Fleming descobria a penicilina: o primeiro antibiótico. Já na década de 40, os antibióticos passaram a ser acessíveis à população, salvando milhões de vidas. Graças à tecnologia, vivemos hoje a chamada Era do Conhecimento. Por isso, mais do que nunca precisamos refletir sobre o estágio em que o Brasil está no desenvolvimento de inovações para a saúde de sua população.

O primeiro questionamento que devemos fazer está relacionado à inexistência de uma política industrial para a indústria de química fina capaz de incentivar as empresas a investir em projetos de longo prazo. Estudo publicado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2015, assinado pelo cientista político Ignacio Godinho Delgado, comparou o desenvolvimento da indústria farmacêutica brasileira ao de outros dois países em desenvolvimento e com dimensões continentais como o nosso: China e Índia. O documento traz alguns elementos interessantes para essa discussão, com destaque para o modelo chinês.

De acordo com o documento do IPEA, em menos de 50 anos, a China deixou um modelo estatizado no qual a população tinha pouco acesso a planos de saúde e medicamentos, baseado na produção de cópias, para um modelo voltado para o acesso e a inovação. Desde a década de 80, o país asiático vem criando políticas para a atração de empresas estrangeiras e estímulo de longo prazo à indústria farmacêutica e farmoquímica. O resultado, de acordo com o estudo, é que a indústria farmacêutica hoje aparece entre as três principais atividades que geraram maior número de patentes registradas na China no século corrente. Entre 2000 e 2009, o país passou da sexta posição no registro de patentes farmacêuticas para a segunda posição, atrás apenas dos Estados Unidos.

O estudo destaca também: “as empresas multinacionais têm buscado a China para atividades de P&D, embora priorizando as fases de implementação e testes. Este processo foi favorecido pela presença de vasta infraestrutura de pesquisa e de pessoal capacitado, pelas políticas de preço e compras de medicamentos para os hospitais públicos, que conferem preferência a medicamentos inovadores, além da operação das organizações de pesquisa por contrato chinesas”. Vale frisar também que a China é hoje um importante produtor de princípios ativos, que respondem por mais de 50% das exportações de produtos farmacêuticos do País.

Já o cenário brasileiro é bastante diferente. De acordo com o mesmo estudo, até os anos 1940 e 1950, estávamos à frente da China e nos destacávamos na fabricação de produtos biológicos, como vacinas e soros. No entanto, avançamos pouco na produção de compostos químicos. “Com a criação da Central de Medicamentos (1971), da Companhia de Desenvolvimento Tecnológico – Codetec (1976) e da instituição do Projeto Fármaco para apoio à produção endógena de insumos farmacêuticos – por meio de mecanismos como a reserva de mercado e proteção tarifária e não tarifária, definidas em 1981 e 1984 –, ensaiou-se

uma política de verticalização e capacitação do setor em P&D, mirando a produção de princípios ativos. Todavia, o impacto foi reduzido, dada a pequena receptividade do empresariado e as restrições fiscais que marcaram a trajetória do desenvolvimentismo brasileiro na década de 1980”, resume o documento.

Ao longo das últimas décadas, surgiram diversas iniciativas governamentais de estímulo ao setor farmacêutico, especialmente depois da criação do Sistema Único de Saúde (SUS) que, ao estabelecer o direito de acesso de todo cidadão à saúde, evidenciou o déficit do País na capacidade de produção de medicamentos. Na última década, as políticas governamentais de apoio às PDPs (Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo) e o aumento dos recursos orçamentários dirigidos à saúde ajudaram na recuperação da indústria farmacêutica nacional. No entanto, a produção farmacêutica foi voltada predominantemente para medicamentos genéricos, não para a inovação.

Um dos pontos mais sensíveis é, certamente, a dependência do País em relação à importação de princípios ativos. Enquanto a China se transformou em um grande produtor e exportador mundial de IFAs, no Brasil ainda precisamos importar cerca de 90% dos insumos para a produção de remédios. Em 2017, o saldo comercial (exportações versus importações) da química fina em geral chegou a US$ 7,8 bilhões negativos. A importação de medicamentos responde por US$ 2,4 bilhões negativos e a de farmoquímicos registrou US$ 1,9 bilhões negativos.

Outra evidência da necessidade de criação de uma política industrial que realmente possa estimular o setor de química fina é o agronegócio. Todos sabem que somos considerados o “celeiro” do planeta. Somos o segundo maior exportador de alimentos do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Abastecemos o planeta com commodities como soja, milho, café e cana de açúcar. Mas precisamos importar quase a totalidade dos defensivos agrícolas necessários ao agronegócio. Neste segmento, a saldo comercial ficou negativo em US$ 2,1 bilhão em 2017. Em 2018, com a desvalorização do real, há uma tendência de que este déficit se aprofunde.

A política industrial da saúde deveria voltar-se para trazer soluções urgentes aos desafios que a indústria farmacêutica e farmoquímica enfrentam. Não faltam no País universidades de ponta formando bons cientistas para o mundo. Mas falta segurança jurídica e legislação que dê ao mercado maior previsibilidade.

A criação de inovações na indústria de química fina requer investimento elevado e anos de pesquisa e desenvolvimento. Se a indústria não tiver previsibilidade para a definição de compradores e uma política de preços que não mude a todo momento, simplesmente não investirá aqui e continuará criando inovações lá fora. Embora tenhamos previsibilidade para medicamentos genéricos e similares, para os medicamentos inovadores, como os biológicos, não há política de preços compatível.

Já nas PDPs, que têm como objetivo capacitar laboratórios públicos para produzir medicamentos estratégicos, é necessária garantia de contrapartida. Ao transferir tecnologia para que um laboratório público se capacite para a produção de determinado medicamento, a contrapartida é a exclusividade temporária de fornecer o medicamento ao governo. É necessário, portanto, garantir ao laboratório privado o tempo, quantidade e o preço em que o produto será fornecido.

“Um dos pontos mais sensíveis é, certamente, a dependência do País em relação à importação de princípios ativos. O Brasil importa cerca de 90% dos insumos para a produção de remédios”

Sem esse tipo de previsibilidade e segurança para quem investe no País, o Brasil continuará na etapa em que a China estava há algumas décadas. É hora de decidir se queremos continuar produzindo apenas cópias ou queremos fazer parte realmente da Era do Conhecimento. Para isso, é necessário fazer o que Alexandre Fleming fez 90 anos atrás: criar inovações que realmente mudem o futuro da humanidade.

Ogari Pacheco
Ogari Pacheco
Presidente da ABIFINA.
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