Para solucionar a grave crise político-institucional que o País atravessa e que se aprofunda cada vez mais, cabe reiterarmos considerações que já apresentamos em passado não muito distante. No entanto, se as características e dimensões dessa crise não forem superadas, o Brasil continuará totalmente à margem do desenvolvimento econômico e social e também não reverterá o processo desindustrializante que não cessa de aumentar.
Lembramos novamente que, em extensão territorial, o Brasil é o quarto maior país do mundo e, entre as grandes nações emergentes, possui a mais favorável relação entre população e área territorial. Nosso País não apresenta conflitos religiosos, étnicos ou castas sociais, possui a maior reserva de biodiversidade do planeta, água doce em abundância, amplos recursos de minerais estratégicos e é autossuficiente em petróleo, com destaque para as suas fabulosas reservas do pré-sal.
Apesar dessas condicionantes tão marcantes, o Brasil apresenta um pífio crescimento anual do PIB, muito inferior ao da China e bem menor que o dos demais países emergentes, especialmente a partir da crise financeira internacional dos anos 2009 e 2010, conforme é demonstrado na figura abaixo.
Esse fato é explicado pela leitura do Ranking Competitividade 2016-2017, documento divulgado pelo Fórum Econômico Mundial em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC), como se vê no gráfico. O ranking avaliou 138 nações e constitui um “termômetro do nível de produtividade e das condições oferecidas pelos países para gerar oportunidades para que as empresas possam obter sucesso”. Ele é calculado a partir de dados estatísticos e de pesquisa de opinião realizada com executivos dos países participantes. Segundo o Fórum Econômico Mundial, 118 variáveis foram analisadas e agrupadas em 12 categorias: instituições, infraestrutura, ambiente macroeconômico, saúde e educação primária, educação superior e treinamento, eficiência do mercado de bens e do mercado de trabalho, desenvolvimento do mercado financeiro, atualização tecnológica, tamanho de mercado e sofisticação empresarial.
Como se verifica, em matéria de competitividade internacional, o Brasil está situado abaixo de países como México, África do Sul, Rússia, Uruguai, Peru e Hungria. O gráfico apresentado reflete a enorme falta de competividade brasileira no mercado internacional, que evidentemente é fruto da ineficiência demonstrada pelo setor produtivo nacional. Temos, então, que buscar internamente, e com vigor, quais são as causas dessa ineficiência. Não devemos simploriamente atribuí-la a fatores exógenos ao nosso País.
Como causas deste triste cenário, destacamos inicialmente o excessivo número de leis, decretos e regulamentos extremamente detalhados e, muitas vezes, até mesmo conflitantes. Eles formam um arcabouço legal burocrático que atrapalha e até chega a impedir o desenvolvimento de relevantes projetos de investimentos produtivos.
Empresários reclamam da enorme burocracia requerida para o simples pedido de licença para abertura de uma empresa, com suas inscrições nas diversas agências públicas sem nenhuma interação entre elas, como Receita Estadual e Federal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgãos controladores como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e as polícias Federal, Estadual e do Exército. Sem nenhuma coordenação entre esses órgãos administrativos – ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos –, tais licenças demoram meses para serem alcançadas. Muitas ainda precisam ser renovadas anualmente. Esse simples fato serve para ilustrar a existência da famigerada burocracia brasileira, geradora de elevados e desnecessários custos que afetam gravemente a competitividade internacional das empresas nacionais, conforme é demonstrado claramente no ranking de competitividade elaborado pelo Fórum Econômico Mundial.
Fora isso, agências reguladoras muitas vezes embaraçam a ação de agentes públicos corretos que, a bem da verdade, formam uma expressiva maioria dos quadros públicos de carreira. Por poderem ser questionados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Ministério Público, bons servidores públicos tendem a não se expor, mesmo que atuem com correção e isenção. Esta situação pode ser considerada também uma das causas da baixa produtividade e da qualidade dos serviços verificados no setor público.
Para piorar o quadro, registramos que os maus administradores conseguem com relativa facilidade fraudar sistemática e descaradamente o sistema de monitoramento administrativo estabelecido, como se vê nas ações conduzidas pela Polícia Federal e pelo próprio Ministério Público na Operação Lava Jato.
Além disso, a Constituição Nacional, elaborada em pleno período da redemocratização do País em 1988 e conhecida como “Constituição Cidadã” por fazer contraponto ao arbítrio nocivo característico do regime ditatorial, entendeu que os abusos daquele regime resultavam da centralização administrativa existente no período militar. Partindo desse pressuposto, a nova Constituição exagerou em seu detalhamento e descentralização. Em decorrência disso, no Brasil de hoje não existe mais um Estado Nacional, com objetivos permanentes e de longo prazo, mas sim um conjunto desarticulado de ações desenvolvidas nos estados e municípios. Nesse cenário, a Federação é gerida através de negociações políticas pontuais entre a Presidência da República e membros do Congresso Nacional, ficando o Estado refém de interesses paroquiais, muitas vezes ilegítimos. A essas ações muitas vezes impuras, os Poderes Executivo e Legislativo denominam “democracia de coalizão”.
Políticas públicas que visem o desenvolvimento econômico e social do País, embora concebidas inicialmente com objetivos louváveis, como foi o caso da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) implantada em 2005, perdem substância em sua fase de implantação devido à desarticulação entre os órgãos administrativos e à descontinuidade administrativa verificada em sucessivos mandatos. Frustra-se assim seu maior objetivo, que seria a atração de empresas privadas para investir no Brasil.
É impossível atrair investidores para atuarem em áreas estratégicas para o nosso desenvolvimento econômico e social quando a única garantia real recebida do governo é, no máximo, assegurar a manutenção da política econômica durante seu mandato. E é sabido que, a cada novo mandato eleitoral, os eleitos querem marcar sua atuação com novas políticas, às vezes introduzindo processos ilegítimos, e abandonando o que fora estabelecido por gestores anteriores.
Ainda deve ser ressaltado que o Congresso Nacional, em nossa pobre democracia, se constitui no segundo Parlamento mais caro do mundo, perde apenas para o dos Estados Unidos. A Casa entende que cada um dos 594 parlamentares tem direito a fatiar o orçamento público com “emendas parlamentares” para seus redutos eleitorais que visam atender interesses pessoais. Além disso, nosso País cobra mais de uma dezena de tributos regionais e federais por meio de diferentes agências e com prazos diversos. E ainda há como os benefícios incidentes sobre a folha salarial, que demandam um pesado controle administrativo pelas empresas e geram elevados custos administrativos, que contribuem para reduzir a competitividade brasileira no mercado internacional.
O sistema democrático reinstalado no Brasil em 1988 é, certamente, uma conquista democrática a ser preservada, mas ainda não conseguiu transmitir ao eleitor a fundamental importância de seu voto para consolidar uma verdadeira democracia. Além disso, a ampla maioria dos partidos políticos não passa de agregados de pessoas que visam exclusivamente atender interesses pessoais ou regionais, valendo-se de cargos públicos em todos os níveis hierárquicos para o exercício de projetos paroquiais. Efetivamente, nunca visam atender aos reais interesses da Nação.
Por fim, cabe destacar que não é possível a um País ter uma economia forte, com renda per capita elevada e boa distribuição de renda, mantendo-se apenas como um grande produtor e exportador de commodities agrícolas. Todos os países avançados no mundo que apresentam altas taxas de crescimento dispõem de uma moderna e diversificada indústria, com forte presença em segmentos de maior intensidade tecnológica. Deve-se destacar também que as economias orientais que se encontravam no mesmo patamar econômico brasileiro nos anos 80 somente alcançaram seu status atual através da observância de um Planejamento Estratégico de Estado de longo prazo, mantido em sucessivos mandatos administrativos.
Falta ao Brasil construir um Planejamento Estratégico de Estado de longo prazo, aprovado por um Congresso Nacional verdadeiramente democrático, que substitua a forma de legislar por meio de um conjunto errático de leis e decretos implantados ao sabor de interesses paroquiais ou pessoais, frutos de negociações diversas entre a Presidência da República e grupos de parlamentares. Somente atuando dessa forma conseguiremos abandonar a situação de mediocridade reinante.