REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
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//Matéria Política

Crescimento com inclusão social: Receita para um Brasil sustentável

Quatro décadas de globalização, e mais uma crise sistêmica mundial ainda por vencer, o momento é propício para refletir sobre as políticas adotadas pelos países que demonstraram resiliência frente às adversidades e conseguiram se manter na rota do desenvolvimento. Não por coincidência, todos eles se distinguem por uma forte atuação do Estado no direcionamento estratégico da economia e na redução das desigualdades sociais. Ao contrário do que alardeia a propaganda neoliberal, isso não implica necessariamente intervenção governamental direta nas atividades produtivas nem pesadas estruturas burocráticas. Estado forte é, acima de tudo, aquele que demonstra capacidade de planejar e agir no nível macroeconômico.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, economista e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entende que o desenvolvimento econômico sustentável depende de um Estado forte, capaz, empenhado na construção de uma nação coesa e razoavelmente solidária. “Entretanto, desde 1990 um regime de política econômica liberal vem procurando enfraquecer nossa nação e o Estado brasileiro. Isso explica o mau desempenho da economia, pois um regime liberal às vezes acerta em fazer ajustes, mas é incapaz de levar um país em desenvolvimento a realmente crescer”.

Se o receituário liberal é ineficaz, o desenvolvimentista requer competência, adverte Bresser-Pereira. “Em 2011 a presidente Dilma Rousseff tentou voltar ao regime de política econômica desenvolvimentista que prevalecera entre 1930 e 1980, mas agiu de forma incompetente e apressada, não fez o ajuste fiscal que era necessário, nem buscou o devido apoio na sociedade. Voltou para trás e, ‘para compensar’, aumentou as despesas públicas e promoveu uma desoneração brutal das folhas de pagamento. Em consequência, quando surgiu a recessão, que teve outras causas – essencialmente o endividamento excessivo das empresas industriais prejudicada pelo câmbio altamente sobrevalorizado -, o Estado brasileiro estava sem recursos para promover a expansão cíclica que reduziria a profundidade e a extensão da recessão”.

O papel do Estado: Tamanho não é documento

O empresário Dante Alario, presidente técnico-científico da Biolab Farmacêutica, considera que a promoção do desenvolvimento econômico associada à redução das desigualdades sociais demanda um Estado “pequeno mas forte, que saiba fiscalizar para garantir, além de liberdade, outros valores igualmente importantes: estabilidade, solidariedade, e a oferta de bens públicos como defesa, segurança e polícia, educação de alto nível, saúde e relacionamento internacional, entre outros. Acreditamos na liberdade econômica, que se baseia em um alto nível de concorrência com transparência e na qual os consumidores (população) reinam nos mercados econômicos. Por outro lado, defender a concorrência e a democracia econômica não é o mesmo que defender ausência de Estado ou zero regulação. Um certo grau de regulamentação é necessário para a concorrência prevalecer”.

Para Nelson Marconi, economista e professor da FGV/EESP, o essencial é que o Estado seja forte o bastante para ajudar a iniciativa privada a se posicionar de forma competitiva no mercado internacional. “A política macroeconômica ajuda nisso, conjugada a uma política industrial e de inovação”. Numa perspectiva mais abrangente, Amado Luiz Cervo, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), entende que a força do Estado deve servir, principalmente, para equilibrar os interesses em jogo. “Todos os segmentos sociais, dos mais altos aos mais baixos em termos de renda e bem estar, são comandados pela introspecção, ou seja, a defesa e a promoção dos próprios interesses. Daí a imprescindível necessidade de um Estado caracterizado por gestão eficiente, que dialogue com todos os segmentos para convencê-los de que os interesses de toda a sociedade devem comandar as políticas públicas, impondo-se aos interesses egoístas de qualquer segmento específico”.

Igualmente preocupado com as assimetrias acentuadas pela crise, o economista e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Luiz Gonzaga Belluzzo afirma que, sem dúvida, o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e estabilidade social “depende de um Estado forte no sentido de incluir a representação daqueles que são mais frágeis. A construção do Estado de bem-estar, por exemplo, nasceu da compreensão de que é inviável deixar a sociedade ao sabor das oscilações, das instabilidades do mercado. Foram os conservadores europeus que montaram o Estado de bem-estar, caracterizado pelo empenho na articulação entre crescimento e redução da desigualdade. O mercado tinha que se inscrever em um arranjo institucional que protegesse os mais fracos, os trabalhadores, das costumeiras oscilações do mercado”.

Para Belluzzo, é preocupante o Brasil estar hoje aderindo à desconstrução desse conceito. “Acho insustentável tentar fazer a sociedade e a economia regredirem a uma situação em que todas as reações são reduzidas às reações de mercado. Isso não vai funcionar, não está funcionando. Estamos caminhando para uma situação muito difícil, além de uma onda de instabilidade financeira que provavelmente irá afetar o crescimento. Se nada for feito, a situação das pessoas mais fragilizadas vai piorar. É preciso sublinhar que, apesar desse recrudescimento da ideologia do ‘deus mercado’, dessa oposição entre Estado e mercado, os dois nasceram juntos e o mercado não nasceu estável”.

“Defender a concorrência e a democracia econômica não é o mesmo que defender ausência de Estad o ou zero regulação. Certo grau de regulamenta ção é necessário pa ra a concorrência preva lecer”

Dante Alario

O economista Renato Baumann, professor da UnB e secretário adjunto de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, enxerga na sociedade um comportamento ambivalente em relação ao papel do Estado. “O percentual da população que se identifica como ‘classe média’ é expressivo no Brasil, assim como em diversas outras economias de porte médio. Isso traz desafios significativos, uma vez que é característico da classe média em qualquer lugar reagir a todo movimento que possa vir a ameaçar o patrimônio adquirido com esforço, e ao mesmo tempo exigir a satisfação de necessidades crescentemente diversificadas. O tema do papel do Estado assume, nesse cenário, maior relevância. O referencial de sucesso em experiências radicais estimula a defesa de um Estado forte, provedor das necessidades da população. Simultaneamente, contudo, a ascensão da classe média traz consigo a demanda por maior participação na escolha dos rumos a serem seguidos, o que é, quase por definição, incompatível com a ação centralizadora dos agentes públicos”.

No contexto brasileiro, acrescenta Baumann, a essas questões somam-se “os desafios de reduzir a elevada concentração de renda e de oportunidades entre indivíduos, e da relação entre governo central, estados e municípios, todos com direitos e deveres estabelecidos a nível constitucional, e nem sempre de maneira equilibrada. É quase inevitável que o debate gradualmente se caracterize pela contraposição entre a demanda por um Estado maior, mais atuante, que possa determinar a via de saída para esses problemas, e a alternativa de cunho mais liberal, de um Estado minimalista, que não interfira no processo decisório dos agentes econômicos, essencialmente determinado por sinais de mercado”.

A questão do papel do Estado no desenvolvimento de um país se torna mais complexa em tempos de globalização, salienta Baumann. “Dado que uma economia tem relações com o resto do mundo, decisões de política que os agentes em outros países considerem excessivas podem ter implicações daninhas sobre o fluxo de investimento externo e sobre o dinamismo das transações comerciais. Os graus de liberdade para o desenho de políticas são, hoje, menores do que há algumas décadas. A reação externa não pode ser desconsiderada”.

“Estamos caminhando para uma situação muito difícil, além de uma onda de instabilidade financeira que provavelmente irá afetar o crescimento. Se nada for feito, a situação das pessoas mais fragilizadas vai piorar”

Luiz Gonzaga Belluzzo

De qualquer forma, Baumann reconhece que o exemplo das economias mais exitosas, em termos de desempenho econômico e de desenvolvimento tecnológico, “é muito claro no sentido da importância do papel do governo central. Se o objetivo é promover maior ritmo da atividade econômica, com inclusão social, desenvolvimento tecnológico e preservação das boas relações com os agentes econômicos em outros países, não há como evitar a participação do governo central. A clareza de objetivos e a ação pró-ativa do agente público parecem ser fundamentais nesse sentido”. Por outro lado, isto não significa que o tamanho do Estado deva ser maximizado. “Eficiência não é necessariamente sinônimo de tamanho. O objetivo deveria ser reservar ao Estado as funções que lhe são características, e que não podem ser cumpridas por interesses privados. Essa identificação do papel do Estado não é nada trivial. De fato, a definição dessa divisão de tarefas entre o público e o privado é conflitiva, e só se resolverá, a cada momento, por via das manifestações de parte do conjunto da sociedade. O desafio é proporcionar os canais mais eficientes para que isso ocorra, com eleições não viciadas e controle transparente e eficiente, pela sociedade, do uso dos recursos”.

Desenvolvimento com distribuição de renda: um desafio constante

O estágio inicial de um ciclo de crescimento geralmente acirra desigualdades sociais, na opinião da maioria dos entrevistados. Daí a importância da intervenção do Estado para evitar excessiva concentração de renda. Gonzaga Belluzzo cita os exemplos de Cingapura e China, que a partir do final dos anos 1970 experimentaram um impulso de crescimento ativo até hoje. “A escalada chinesa se fez com aumento da desigualdade, pois a estratégia de crescimento foi pautada pela competitividade dos salários que eram pagos no início do processo.

Isso eles estão mudando agora, mas cresceram tão rapidamente que a desigualdade aumentou muito”.

Mas a questão da concentração de renda extrapola o fenômeno dos emergentes asiáticos. Hoje, afirma Belluzzo, “o aumento da desigualdade é tido como um problema inclusive para o prosseguimento do crescimento. Os Estados Unidos, muito antes da Europa, estão se recuperando, mas com uma desigualdade crescente. Os relatórios recentes da Oxfam, e mesmo da Organização Internacional do Trabalho, demonstram que a desigualdade está aumentando. Uma coisa tem a ver com a outra, porque a globalização se processou de uma maneira muito assimétrica”. Mas, de acordo com o professor, isso não é inevitável. “Depende da capacidade do Estado de resistir às pressões do mercado, que quer funcionar sem restrições. É comum se estabelecer uma oposição entre livre comércio e protecionismo, mas na verdade o que existe sempre são regimes intermediários”.

Renato Baumann também chama atenção para a correlação entre crescimento econômico e concentração da renda. “Tem sido assim na China e na Índia, como foi nos Estados Unidos na administração Reagan, no Brasil do final dos anos 1960 e no Chile dos anos 1990. Caberia adotar modelos de crescimento que maximizassem o ritmo de aumento da produção proporcionando, ao mesmo tempo, maior inclusão. Até porque ao final de um ciclo de crescimento expressivo é frequentemente necessário haver corte de recursos, com o que aumenta a probabilidade de ocorrer o que se convencionou chamar de políticas pró-cíclicas: maiores gastos públicos nos anos de ‘vacas gordas’ e cortes nas ‘vacas magras’. O ideal seria precisamente o oposto: provisionamento de recursos para as épocas de baixo desempenho, quando são mais necessários”.

Para Nelson Marconi, a intervenção do Estado é indispensável para corrigir disfunções do crescimento. “Quando o país tem aumento da renda, normalmente o que ele faz é política fiscal, tributa os mais ricos, direciona algo para os mais pobres. Com isso, ele consegue acelerar o processo de distribuição de renda. De outra forma, se fosse via mercado, demoraria muito tempo para isso acontecer”. É um processo em que ao mesmo tempo o Estado deve “direcionar sua ação para setores econômicos mais sofisticados, tendo em vista sustentar o crescimento, e intervir no campo social, gastando para melhorar a renda da população mais pobre e investindo em educação para qualificar a mão de obra”.

Na opinião de Dante Alario, igualmente, não há futuro promissor para o desenvolvimento econômico se não houver, em paralelo, uma diminuição das desigualdades. “Quando há fortes desequilíbrios, ou seja, o desenvolvimento econômico está levando a uma crescente concentração de renda, cabe ao governo promover ações para corrigir esse desbalanço. Há sim que fazer ‘crescer o bolo’, mas ao mesmo tempo implementar programas sociais para uma adequada distribuição de renda. E não adianta pensar só em aumentar a arrecadação através da cobrança de mais impostos, taxas etc. Há que se ter enorme cuidado e responsabilidade com o dinheiro público, melhor gestão e, principalmente, punição para os que saírem das regras”.

Volta ao liberalismo econômico: um tiro no pé

Economias que anteriormente à globalização eram excessivamente estatizadas colheram resultados positivos adotando algumas políticas liberalizantes. Porém, de forma geral, o liberalismo só é vantajoso para nações economicamente poderosas, que o utilizam como instrumento para favorecer seus próprios interesses no comércio internacional e os negócios sob seu controle nos países menos desenvolvidos.

“Para os países ricos, ter um Estado menos presente na economia é um problema menor”, explica Nelson Marconi, “porque já alcançaram uma situação econômica e social mais estável. No entanto, são esses mesmos países que, em geral, impõem ou defendem a aplicação do receituário liberal em países periféricos. Isso porque suas oportunidades de negócios se ampliam nos países que seguem o modelo liberal. Então, para os países ricos, quanto menos regulação houver nos países periféricos, melhor. Já nos países pobres a participação do Estado é muito mais importante, justamente por terem nível de renda baixo, distribuição ruim e incipiente desenvolvimento nos setores intensivos em tecnologia, que são os mais agregadores de valor. Quando se aplica o modelo liberal num país pobre, uma série de ações que o Estado deveria estar empreendendo serão negligenciadas e o processo de desenvolvimento ficará prejudicado”.

A ideia apregoada pelo discurso liberal de que os mercados, pela via da competição, tornam-se mais eficientes do que o Estado na distribuição e alocação de recursos, não se sustenta na prática. Segundo Belluzzo, “na verdade se tem uma enorme concentração do poder econômico hoje em dia, em todos os mercados. A concentração da produção associada a uma centralização do controle faz com que não se tenha concorrência, mas sim um jogo de poder entre grandes corporações. Essa concentração impôs uma distância muito grande entre os que controlam as empresas e os bancos e aqueles que são obrigados a vender o seu trabalho para viver. Ao mesmo tempo, a combinação entre essa concentração e a natureza do progresso tecnológico enfraqueceu os sindicatos de trabalhadores, mudou o funcionamento do mercado de capitais e afetou a correlação de forças”.

Belluzzo assinala que a China se ajustou à globalização a partir de um projeto nacional genuíno, que nada teve de liberal em suas diretrizes básicas. “Esse movimento de incorporação da China, que veio de 1968, com o reconhecimento do país pelos Estados Unidos, abriu um espaço maior de tensão na economia capitalista, sobretudo por parte dos EUA, mas também da Europa. O Brasil, que naquela época era o país mais industrializado entre os chamados emergentes, perdeu posição relativa muito facilmente, se desindustrializou, aumentou a concentração de renda, que já era muito grande, e provocou a marginalização de uma boa parte da população”.

A defasagem não parou de crescer. Com a adoção continuada de políticas liberais a economia brasileira deixou de ter um fundamento importante na área tecnológica, lamenta Belluzzo. “O Brasil tinha projetos e programas de tecnologia importantes para determinados setores, mas vem se afastando muito das tendências globais. Não foi capaz de fazer esse ajustamento ao avanço da globalização. Colocamo-nos no mercado mundial como um grande produtor de commodities, por causa da nossa dotação de recursos naturais, mas isso é insuficiente para manter e aumentar o bem-estar de uma população que, hoje, é fundamentalmente urbana. Claro que a agricultura é muito importante, mas em outros países ela tem um peso relativamente baixo na economia como um todo. Além disso, as virtudes desse setor têm muito pouco impacto sobre outros setores da economia”.

Bresser-Pereira lembra que já vivemos essa experiência e que o receituário liberal adotado no Brasil nos anos 1990 se mostrou ineficaz para promover desenvolvimento no sentido de um catching up da economia. “O liberalismo econômico, ao defender os déficits em conta corrente e ao assumir como premissa que a poupança externa se soma à interna, acaba quase sempre apreciando a moeda nacional, tornando as boas empresas industriais não competitivas, desestimulando o investimento e estimulando o consumo. É o populismo cambial”.

É fato que a propaganda do liberalismo econômico surte efeito e, de acordo com Cervo, isso ocorre em escala global. “Embora o receituário liberal seja uma aberração política, visto que pende para os mais fortes, no contexto atual a livre iniciativa é tomada como o bem supremo de qualquer sociedade, pois que promove a criatividade e a responsabilidade de todos. O que se passa em cada sociedade, no mundo liberal da globalização, também ocorre nas relações entre as nações: o comando da introspecção e do egoísmo prevalece, caso as nações não defendam a igualdade recíproca, como postula o multilateralismo por meio de suas instituições”.

Política recessiva : remédio amargo e ineficaz

Nenhum governo pode fugir da responsabilidade fiscal, sob pena de comprometer a sustentabilidade do desenvolvimento no longo prazo. No entanto, a decisão do atual governo brasileiro de recorrer a políticas recessivas para fazer frente à dívida pública pode trazer mais danos do que benefícios à economia.

Para Bresser-Pereira, o ajuste fiscal é necessário, pois “um país não vai a lugar nenhum quando pratica a irresponsabilidade fiscal. Mas é preciso também responsabilidade cambial, mais do que o simples equilíbrio da conta corrente”. Segundo ele, existe nos países em desenvolvimento uma tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de câmbio que precisa ser neutralizada. Um dos fatores que desencadeiam esse quadro é um nível alto de taxa de juros, que atrai capitais e em torno do qual o banco central pratica sua política monetária. “Colocar a taxa de juros e a taxa de câmbio no lugar certo deve ser a prioridade de qualquer política de desenvolvimento no Brasil. Os rentistas, os financistas e os economistas liberais que os representam são contra a redução dos juros. São também contra a depreciação cambial, que reduz o poder aquisitivo dos juros, aluguéis, dividendos, e o valor de sua riqueza em dólares”.

Belluzzo é mais radical em sua crítica. “Acho que se pode descartar a adoção de políticas recessivas para o ajustamento fiscal brasileiro. Ficou demonstrado que o déficit depois de 2015 aumentou e está muito difícil para o governo atingir um equilíbrio fiscal. Estamos caminhando numa direção equivocada. Primeiro, a recessão, além de não ter ajudado a melhorar o quadro fiscal, ao contrário, só fez piorá-lo. Depois, as reformas que estão sendo propostas também não vão ajudar. Combinar esta Reforma Trabalhista com esta Reforma da Previdência é cavar a própria sepultura. Está se fazendo uma Reforma da Previdência para trás, e não para frente. A mesma coisa eu diria em relação ao déficit público. Se a economia não recuperar o investimento de uma maneira mais intensa, não se vai conseguir resolver a situação fiscal”.

“A definição da divisão de tarefas entre o público e o privado é conflitiva, e só se resolverá por via das manifestações de parte do conjunto da sociedade. O desafio é proporcionar os canais mais eficientes para que isso ocorra, com eleições não viciadas e controle transparente e eficiente, pela sociedade, do uso dos recursos”

Renato Baumann

Na opinião de Belluzzo, outra questão complicada, que voltou à baila com a crise desencadeada em 2008, é a abertura financeira promovida pelo Brasil. “Ela foi feita de forma insensata. Não se pode deixar inteiramente livres os fluxos de capital com a instabilidade que se tem hoje nos mercados financeiros globais. Isso afeta a política monetária. Daqui a pouco o Banco Central dirá que, diante da disparada do dólar, vai precisar aumentar a taxa de juros. Não é muito diferente da cena do rabo perseguindo o cachorro. E nos tornamos dependentes desses movimentos erráticos dos investidores internacionais que afetam diretamente as taxas de juros e de câmbio com suas operações de derivativos”. Para Belluzzo, com a abertura financeira “nós desaprendemos as lições do que vivemos no passado com a crise da dívida externa. Isso é uma coisa difícil de resolver porque envolve interesses muito pesados, inclusive de uma parte da classe média que quer viajar, quer o preço do dólar baixo. Mas quando um país faz isso ele machuca a sua indústria”.

Quanto à política fiscal, Belluzzo aponta a necessidade de uma reestruturação de longo prazo, “e a proposta mais sensata é que se tenha um orçamento de capital, em que o investimento do Estado seja protegido e funcione como um instrumento de estabilização da economia, para evitar esses altos e baixos. Esta é uma recomendação antiga, desde a metade do século 20: não se deve deixar o investimento privado sem orientação do investimento público. Na falta de uma perspectiva de investimento público estável, o setor privado vai se sentir inseguro para fazer a sua parte”.

Marconi inverte os termos da questão e afirma que “a própria política recessiva é que gera a crise. Na verdade, há outros fatores de ordem política, mas a política recessiva é um dos principais. Quando se tem um cenário de recessão, o estímulo que o setor privado tem para investir é muito baixo”. Segundo ele, há duas saídas para a recessão. “Uma é buscar o mercado externo e outra é o investimento público em infraestrutura social. Isso gera maior demanda por bens e serviços do setor privado e ajuda a recuperar a economia”.

Na mesma linha de argumentação de Bresser-Pereira, Marconi entende que a melhor solução no momento “é conseguir reduzir a taxa de juros, ajustar a taxa de câmbio e buscar um equilíbrio das contas públicas para que o governo recupere a sua capacidade de investimento. Não é simples, mas é o que precisa ser feito. Isso contribuiria, no longo prazo, para a redução da concentração de renda. No curto prazo, além de investimentos públicos é preciso também uma política de gastos sociais que possibilite essa redução. Primeiro taxar os mais ricos, e depois adotar políticas para a redução da pobreza”.

China e Cingapura: onde a força do Estad o fez diferença

Países asiáticos que, no início do processo de globalização, estavam em nível próximo – ou mesmo inferior – ao do Brasil em termos de desenvolvimento econômico, como China e Cingapura, tiveram maturidade para enfrentar a crise e hoje colhem os frutos de suas decisões acertadas. De acordo com Cervo, as estratégias de desenvolvimento desses países servem de modelo para todas as nações, na medida em que “promovem a distribuição de renda junto com o crescimento; extraem do receituário liberal apenas o que ele tem de melhor, ou seja, a vinculação do bem-estar do indivíduo à sua contribuição para o crescimento nacional; alcançam produtividade e competitividade econômica em nível global e, coerentemente, defendem estratégias e instrumentos de política internacional em conformidade com a promoção do crescimento e da igualdade entre as nações. Dessa forma, passam somente de raspão pelas crises, cujas causas se encontram no exterior”.

Bresser-Pereira chama atenção para o controle estatal dos parâmetros macroeconômicos, decisivo, em sua opinião, para o sucesso dos países do leste asiático que realizaram o catching up e se tornaram ou estão se tornando ricos desde o século 20: China, Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura. “Acertar os cinco preços macroeconômicos e equilibrar as duas contas macroeconômicas foi o que todos eles fizeram. De outro lado mantêm os juros baixos, o câmbio competitivo, os salários crescendo com a produtividade, e assim a indústria tem uma taxa de lucro satisfatória para continuar investindo. Esses países são o modelo do novo desenvolvimentismo”.

A China tem uma estratégia de ajustamento que se relaciona com a arquitetura do crescimento, observa Belluzzo. “Sua combinação entre empresas públicas e empresas privadas é muito peculiar. Por exemplo, o programa de energia solar da China é executado por uma empresa que produz painéis solares e depende da demanda da empresa pública chinesa que faz o programa de energia solar. É o maior do mundo, e hoje os chineses são também os maiores produtores mundiais de painéis solares. Isso é válido para uma série de setores. Por exemplo, no caso dos investimentos em ferrovias de alta velocidade quem faz o investimento é uma empresa estatal chinesa. Ela contrata a capacidade produtiva do setor privado e a estimula com programas de inovação tecnológica e financiamento público. Oitenta por cento do crédito na China vêm dos bancos públicos”. Belluzzo destaca que a estratégia chinesa de superação da crise desdobra-se, agora, num processo acelerado de internacionalização. “As usinas e redes de transmissão de energia que a China está comprando aqui no Brasil, por exemplo, irão gerar demanda para as empresas de lá, e não para as nossas empresas. Como a taxa de investimento caiu, os chineses precisam ocupar a capacidade produtiva de suas indústrias. Eles são muito pragmáticos, sabem que precisam se integrar corretamente na economia mundial e não deixam que esse movimento do capitalismo afete sua política monetária”.

No entender de Marconi, se os resultados econômicos chineses são inegavelmente muito bons, por outro lado o preço político é alto. “A China adotou a estratégia de buscar uma taxa de câmbio que estimule importação e, ao mesmo tempo, uma série de medidas para proteger a infraestrutura do país, com participação muito forte do Estado. Com certeza, num regime político totalitário fica mais fácil o governo tomar as medidas que quiser. Numa democracia é muito mais difícil conseguir fazer uma série de mudanças impopulares, que demandam discussão com a sociedade. Por outro lado, é óbvio que um regime totalitário tem uma série de problemas relacionados à perda de liberdades individuais. Não há motivo para defender um regime desses”.

A internacionalização da economia e o controle dos fluxos de capital especulativo, no entender de Marconi, são elementos estratégicos importantes. “China e Cingapura buscaram mercados externos. Procuraram expandir a demanda pelos seus produtos, não se fiando só no mercado interno. Além disso, principalmente na China mas também em Cingapura, há uma proteção contra os fluxos financeiros internacionais mais voláteis, que são recursos de curto prazo. Eles não têm uma exposição tão forte a capitais especulativos, e isso ajuda muito”.

O estado de vulnerabilidade em que se encontra hoje a economia brasileira leva, naturalmente, à busca de modelos que possam nos servir de referência, especialmente na questão de como articular crescimento econômico com inclusão social. Mas não é tão simples, adverte Renato Baumann. “As tentativas de emular exemplos bem-sucedidos não pode desconsiderar o fato básico de que nem sempre é possível reproduzir um modelo e obter os mesmos resultados. A década de 1990 foi pródiga em exemplos de adoção de modelos de cunho mais liberal, com resultados decepcionantes. Não se pode deixar de levar em conta trajetórias históricas, traços culturais e peculiaridades institucionais de um povo. Esses elementos determinam não apenas os resultados que podem ser obtidos, mas também a própria capacidade de implementação das medidas desejadas”.

“O liberalismo econômico, ao defender os déficits em conta corrente e ao assumir como premissa que a poupança externa se soma à interna, acaba quase sempre apreciando a moeda nacional, tornando as boas empresas industriais não competitivas, desestimulando o investimento e estimulando o consumo. É o populismo cambial”

Luiz Carlos Bresser-Pereira

O exercício pleno da democracia é muitas vezes árduo, e nem sempre produtivo do ponto de vista econômico. Mas, segundo Baumann, é indispensável. “Pensar em reproduzir internamente modelos de desenvolvimento bem-sucedidos em outros países implica necessariamente ajustes correspondentes às características nacionais. Daí a importância de convergência, majoritária entre os diversos setores da sociedade, quanto ao diagnóstico e aos rumos a serem seguidos”.

Por outro lado, aprender com a história e com a experiência mundiais para ganhar maturidade no jogo geopolítico é fundamental no processo de resgate da soberania de uma nação. E isso, na opinião de Belluzzo, ainda nos falta. “O capitalismo funciona assim. A Inglaterra não era a matriz da revolução industrial? Era, e foi superada depois, basicamente por conta da sua própria política de expansão comercial. O Brasil foi seguir os conselhos do Consenso de Washington e acabou sendo atropelado pela China. Os chineses aprenderam com os erros dos outros, com os do Brasil inclusive”.

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