O que explica o maior desenvolvimento dos países asiáticos em relação ao Brasil?
A resposta deve ser buscada historicamente na crise da dívida que vitimou a América Latina no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando houve o choque financeiro provocado pelas taxas de juros dos Estados Unidos, que subiram a 20% ao ano. A crise agudizou- -se com a moratória mexicana de 1982 e depois se generalizou na região. A América Latina dependia muito de financiamento externo. Isso resultou num ciclo de altíssima inflação que paralisou as economias e, para vencê-la, a América Latina ficou prisioneira de taxas de juros muito altas, especialmente no Brasil. Simultaneamente, os Estados Unidos fizeram durante a Guerra Fria, desde os anos 1960, uma política favorável aos países aliados no entorno da China. Assim, Japão, Coreia e Taiwan disfrutaram de acesso privilegiado ao mercado americano e, através de políticas de exportação, obtiveram décadas de alto crescimento. Depois, houve a conhecida aproximação entre os EUA e a China, cuja economia foi se tornando grande exportadora para o mercado americano e tomou o lugar que era do Japão, apresentando taxas de crescimento de 10% ao ano até a eclosão da grande crise financeira de 2008-2009. Esse é o principal contraste entre a América Latina e a Ásia.
Os asiáticos não precisaram de financiamento externo?
A Ásia sempre teve uma taxa de poupança interna muito alta nos setores público e privado. Na China, essa taxa girava em torno de 40% do PIB [Produto Interno Bruto] e, depois da grande crise financeira de 2008-2009, aumentou para 50%. Nos outros países, estava próxima a 30% do PIB. Nos países latino americanos, oscilava entre 20% e 25%. Claro que a poupança macroeconômica vem de ciclos de lucros altos e de tratamento tributário favorável à retenção do lucro pelo setor produtivo. Então esses países tinham taxa de poupança alta e também bancos centrais que regulavam taxas de juros baixas, além de bancos de desenvolvimento e bancos de exportação muito atuantes. Ou seja, na Ásia, o crédito de longo prazo, com juros reais baixos, complementava e ampliava a capacidade de investimento baseada na poupança doméstica.
A América Latina não soube aproveitar o período de bonança dos anos 2000?
A América Latina só começa a ter ascensão após 2003, quando o rápido crescimento chinês passou a exigir a importação cada vez mais intensa de matérias-primas. Esse período propiciou marcante melhoria nos preços das commodities e viabilizou um ciclo de crescimento na região, com acumulação de reservas. Mas nem o Brasil nem a América Latina conseguiram recobrar o dinamismo industrial que os caracterizou até início dos anos 1980. Em parte porque ocorreu marcante apreciação cambial nesse período – enquanto a China ascendia meteoricamente como concorrente nas exportações manufatureiras. Em resumo, não é o liberalismo que explica o sucesso asiático, porque ele derivou, em grande medida, de uma regulação muito intensa das políticas industriais pelo Estado, em cooperação com o setor privado e, em alguns casos, diria coerção, como ocorreu na Coreia do Sul. A Ásia teve sim uma política macroeconômica benigna, de juros baixos e câmbio competitivo, o que viabilizou um crescimento baseado na exportação de manufaturas, diferentemente da América Latina. Mas isso só explica em parte a questão, posto que na Ásia as políticas de educação primaram pela qualidade, desde os anos 1970. Além disso, as políticas de inclusão social, como reformas agrárias, tiveram papel relevante.
Estimular o consumo interno poderia alavancar o investimento da indústria?
O consumo interno ajuda a recuperação no curto prazo, mas se não for acompanhado de uma recuperação firme dos investimentos, não sustenta o crescimento. A recuperação do investimento tem o lado privado que depende do consumo, do crédito, do câmbio para exportar – e o lado público, com aplicação de recursos orçamentários em infraestrutura, principalmente em projetos cuja taxa de lucro é mais baixa e o prazo de retorno do capital é prolongado no tempo. Ou através de concessões ao setor privado sob regras que imponham compromisso de investimento. Para isso, o governo precisa recuperar a capacidade de planejamento e desenvolver uma carteira suficiente de projetos executivos bem-feitos.
“A Ásia teve uma política macroeconômica benigna, de juros baixos e câmbio competitivo, o que viabilizou um crescimento baseado na exporta ção de manufat uras, diferentemente da América Latina ”
O Plano Real resolveu a inflação, mas quebrou a indústria nacional. Em seguida, o governo estabeleceu o tripé macroeconômico, porém sem conseguir um desenvolvimento econômico sustentado. O que precisa mudar?
O Plano Real instituiu uma moeda nova sem ter reservas – pois as reservas externas eram muito pequenas e emprestadas no mercado internacional. A única maneira de fazer isso foi, então, colocar os juros lá em cima. Nos primeiros cinco anos, os juros nominais ficaram em torno de 40% ao ano e os reais acima de 20%, em parte para manter o câmbio semifixo. Em 1999, esse sistema “pifa” e então é implantado o tripé macroeconômico, que consiste na obrigatoriedade de fazer superávit fiscal, adotar meta de inflação e regime de câmbio flutuante. Nesse período, a dívida externa muda de dívida bancária para emissão de bônus no mercado internacional. Ou seja, é o mercado global de capitais que passa a financiar o Brasil, o que torna a política interna muito dependente das agências de rating e da percepção que o mercado externo tem do País. Essa penúria cambial e de dependência do financiamento externo só se resolve na metade dos anos 2000, com o boom das commodities, puxado principalmente pela China. Fizemos superávits primários e em conta corrente, via exportação. Mas mesmo nesse período, e até hoje, o pecado capital do juro alto persistiu, inclusive durante a recessão severa dos últimos dois anos. A pergunta é: quando o País terá uma taxa de juro adequada ao desenvolvimento? Quando deixaremos de ser campeões do mundo em juros altos?
A contenção de gastos pelo governo aprofunda a recessão?
A tentativa de reduzir o gasto público agravou a recessão, num processo autodestrutivo. Mas estamos saindo da crise, temos uma modesta retomada econômica, ajudada no ano passado pela agricultura e pela indústria de máquinas agrícolas. O grande desafio é, em períodos de crescimento da economia, fazer superávit fiscal e usar essa poupança para evitar o agravamento da situação nos momentos de crise, como acontece na maior parte dos países. Adotamos uma emenda constitucional [nº 95/2016, que impõe limite para o gasto público] que ignora os ciclos econômicos e obriga o crescimento do gasto público a ser inferior ao PIB corrigido pela inflação, faça chuva ou faça sol. Em 2018, o governo tem margem para fechar o ano dentro do teto do gasto. Mas, em 2019, o novo governo vai entrar com margem zero. E como a política fiscal foi, entre aspas, criminalizada, corre-se o risco de ter um governo completamente “amarrado”, que se gastar mais do que a lei permite estará cometendo crime de responsabilidade.
O governo discute a Reforma da Previdência como forma de superar a crise fiscal. Não seria mais efetivo focar a Reforma Tributária?
A Reforma da Previdência é necessária, uma vez que a população está envelhecendo. Mas precisa ser justa e explicada ao povo e não tocada à base do terrorismo. Isso é mais fácil de ser feito com a economia e com o emprego formal crescendo. De qualquer maneira, a reforma é necessária para o equilíbrio fiscal de longo prazo e precisará ser complementada pela Reforma Tributária e por juros perenemente mais baixos.
A Reforma Tributária é um dos componentes de uma política fiscal de longo prazo. O Brasil tem uma estrutura tributária muito regressiva, em que os pobres pagam mais impostos que os ricos. Em grande medida, porque em 1995 o governo isentou de imposto de renda os dividendos distribuídos aos acionistas das empresas. O Brasil é dos poucos países que não taxam os dividendos.
Essa é uma parte da história. A outra é que grande parte da carga tributária é embutida nos preços dos produtos e as classes de rendas mais baixas acabam pagando relativamente mais. O Brasil tem um sistema tributário que se tornou disfuncional e injusto, que agrava a desigualdade de renda e diminui o dinamismo do mercado interno.