Embora ainda em formação no Brasil, a indústria de biossimilares deve se expandir paralelamente às expirações das patentes dos principais produtos biológicos. O mercado mundial de biossimilares deve crescer de US$ 3,4 bilhões em 2016 para US$ 11 bilhões em 2021. Assim, é nítida a evolução da pesquisa e desenvolvimento de biossimilares, mas muitas questões permanecem, principalmente as relacionadas à segurança jurídica para entrada no mercado.
Os medicamentos biossimilares são desenvolvidos com o mesmo princípio ativo do produto biológico já existente – o medicamento de referência. Apresentam estrutura molecular semelhante aos medicamentos de referência e não possuem diferenças significativas em termos de segurança, pureza e potência. Não são idênticos aos biológicos, porém precisam ser altamente similares, com perfil farmacogênico equivalente.
Para serem aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os biossimilares precisam passar por testes rigorosos e seu desenvolvimento deve ser realizado de forma comparativa ao medicamento biológico de referência. São necessários três passos para o desenvolvimento de um biossimilar1:
1. Revisar a literatura científica relacionada ao medicamento de referência e realizar testes para a compreensão do funcionamento e síntese do princípio ativo da molécula.
2. Fazer com que células ou bactérias cultivadas passem a produzir as substâncias desejadas a partir da inserção de material genético previamente modificado em laboratório.
3. Comparar a eficácia entre o biossimilar e o medicamento de referência, para poder submeter à aprovação da Anvisa, de acordo com a legislação – RDC nº 55/2010. Devem-se apresentar estudos comparativos entre o biossimilar e o produto biológico comparador, com informações suficientes para predizer se as diferenças detectadas entre os atributos dos dois resultam em impactos adversos na segurança e eficácia do biossimilar.
Para a aprovação de medicamentos biológicos, a Anvisa exige um dossiê com informações sobre a qualidade e o desenvolvimento clínico, incluindo dados detalhados sobre estudos pré-clínicos, estudos de farmacocinética/farmacodinâmica e estudo de fase III. Já os biossimilares podem ser aprovados por duas vias: comparabilidade, em que testes pré-clínicos e clínicos são realizados comparativamente para detectar biossimilaridade entre o medicamento de referência e o biossimilar, ou desenvolvimento individual, em que a Anvisa exige um dossiê com estudos pré-clínicos e clínicos e de imunogenicidade.
Diferentemente da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Agência Europeia de Medicamentos e da agência americana Food and Drug Administration (FDA), a Anvisa adota as nomenclaturas “medicamentos biológicos novos” e “medicamentos biológicos”. Os “medicamentos biológicos novos” são aqueles inovadores, compostos por uma molécula com atividade biológica até então desconhecida, podendo ou não ter registro no País. Já os “medicamentos biológicos” são compostos por uma molécula com atividade biológica conhecida, já registrada no País, e que tenha passado por todas as etapas de fabricação.
Diversas empresas farmacêuticas brasileiras estão prontas para entrar no mercado nacional de biossimilares. Entre os fatores necessários para se obter retorno destes investimentos incluem-se altos níveis de comprometimento, estratégias bem definidas e espírito para superar os obstáculos que estão por vir.
Os desafios para a indústria de biossimilares no Brasil são diversos. Os fabricantes não têm o mesmo nível de flexibilidade para reduzir despesas de produção, como ocorre com os produtores de genéricos. A variabilidade de moléculas grandes e a apresentação de provas adequadas de segurança clínica são dificuldades comuns no processamento e embalagem. As condições de cultivo celular, por exemplo, podem alterar a estrutura molecular e o comportamento clínico dos biossimilares.
Além disso, como as estruturas moleculares dos biossimilares são muito complexas, há uma forte escassez das ferramentas analíticas certas para identificar com precisão a diferença entre a proteína terapêutica original e a biossimilar. Embora o grau de similaridade na identidade biológica e química de uma molécula possa ser demonstrado, ainda não foi encontrada a capacidade de comprovar explicitamente que cada biossimilar pode agir com precisão com o mesmo nível de eficácia e segurança clínica do produto original. Todos esses fatores poderiam desacelerar consideravelmente o tempo necessário para produção e aprovação do produto.
A natureza complicada das moléculas biológicas precisa de diretrizes específicas para sua nomenclatura. Os biossimilares usam nomes próprios, o que mostra o quão diferentes são quando comparados aos medicamentos genéricos de moléculas pequenas. Em janeiro de 2017, a FDA emitiu orientações sobre a nomenclatura de produtos biológicos e biossimilares, definindo que cada biossimilar deve ter um nome próprio composto por um nome principal separado por hífen de um sufixo de quatro letras, que representa o fabricante. Um exemplo é o Filgrastim produzido pela Sandoz, que foi aprovado em março de 2015 com o nome Filgrastim-sndz. Os sufixos designados pelo FDA devem evitar a substituição inadvertida e imprudente de produtos.
Outro grande entrave para a indústria de biossimilares é a judicialização. Quando ocorrem ações judiciais como as que trazem acusações de infrações de patentes de terceiros, as empresas precisam comprovar a diferença técnica entre as tecnologias existentes – entre os biossimilares e os medicamentos biológicos de referência. No caso dos biossimilares, e até mesmo de um medicamento biológico novo, essa diferenciação deve ser realizada sobre as informações técnicas de processo.
De acordo com dados da Anvisa, 92 medicamentos experimentais tiveram ensaios clínicos conduzidos no Brasil em 2016, sendo 41,3% biológicos e 58,7% sintéticos. Em 2017, foi autorizada a realização de 262 ensaios clínicos no País. Apesar dos números positivos, a maioria desses testes ainda é conduzida nos Estados Unidos e na Europa, onde estão concentradas as matrizes das maiores indústrias farmacêuticas.
Mesmo com todos os entraves, no final de 2017 o biossimilar do Trastuzumabe, codesenvolvido pela Biocon Ltda. e pela Mylan N.V., recebeu aprovação da Anvisa, por meio de sua empresa parceira Libbs, uma das principais farmacêuticas do Brasil. É o primeiro biossimilar de Trastuzumabe aprovado no País, e é indicado para o tratamento de câncer de mama metastático HER2, câncer de mama com estágio inicial HER2-positivo e câncer gástrico avançado com HER2-positivo. A Libbs comercializará o produto sob o nome de Zedora, proporcionando maior acesso a uma terapia biológica de ponta para pacientes no Brasil, que figura entre os três principais mercados emergentes desse anticorpo monoclonal do mundo. Trata-se, portanto, de uma aprovação significativa.
Fica claro e evidente que, para se aproveitar o potencial dos biossimilares, será necessária uma estratégia focada em toda a cadeia de valor, desde a pesquisa e o desenvolvimento clínico até a estratégia de comercialização do medicamento.
A área de Propriedade Intelectual da ABIFINA pode dar apoio às empresas associadas na análise das tecnologias disponíveis no mercado e das patentes da concorrência (estejam elas em exame ou já concedidas), auxiliando na diferenciação dos processos produtivos. O parecer técnico poderá incluir casos de tecnologias judicializadas por empresas estrangeiras detentoras de patentes de produtos de referência, com foco no caso específico do associado, e não tratado de forma genérica.