Por um longo período, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não recebeu o olhar atento e as condições estruturantes adequadas para cumprir com sua função. Isso resultou na incapacidade de a autarquia decidir na mesma proporção da demanda corrente dos pedidos de patentes, e gerou ano após ano um acúmulo, ao qual chamamos de backlog. Presente tanto no âmbito dos pedidos de registro de marca e desenho industrial como de patente, esse acúmulo tem perspectivas de soluções diferentes.
A série histórica de pedidos de patentes com backlog nos últimos dez anos mostra que o número aumentou a cada ano, com exceção de 2017, quando houve um decréscimo significativo.
A capacidade atual do INPI não se mostra suficiente para promover o enfrentamento e a eliminação do backlog, apesar de o total de decisões ter atingido nível recorde em 2017. Sua evolução ao longo dos últimos cinco anos dá destaque para o salto ocorrido no ano passado.
Atualmente, o INPI mantém 326 servidores dedicados ao exame de pedidos de patentes. Trata-se do maior quantitativo de pessoal que a autarquia já dispôs com essa atribuição. As medidas de melhorias de processos e o engajamento dos servidores levaram a um salto na produtividade, que passou de 35 para 55 decisões por ano no último triênio. No entanto, o aumento do quadro de examinadores e da produtividade não é suficiente para dar solução ao passivo de patentes existente.
A busca pela estratégia de solução para o backlog adotando medidas orientadas pelas regras atuais ensejou diversas projeções de cenários futuros. Em nenhuma delas, porém, foi possível obter um resultado que levasse à extinção desse passivo.
O quadro a seguir retrata alguns desses cenários, sem ingresso de novos servidores, a saber: 1) linha azul: produtividade de 55 decisões/ano; 2) linha vermelha: 83 decisões/ano.
Outros cenários:
• Produtividade atual sem entrada de novos examinadores de patentes;
• Produtividade atual (55 decisões técnicas/examinador/ ano) com entrada de 150 novos examinadores de patentes em janeiro de 2019.
Portanto, em nenhum dos cenários projetados, seja com o quadro atual de examinadores, seja com o ingresso de 150 novos servidores, a capacidade de produção de exames mostra-se suficiente para promover a redução e eliminação do backlog. Nem mesmo projeções que consideram a duplicação da produtividade atual resultaram em produção suficiente para acabar com o passivo de pedidos de patentes.
A pergunta que resta é: qual conjunto de soluções resultaria na eliminação do backlog em tempo razoável?
Num cenário em que se mantenha a produtividade atual de 55 decisões/ano, e prevendo uma solução para o backlog ao fim de três anos, somente com o ingresso de 970 novos examinadores seria possível atingir tal objetivo.
Mas essa solução implicaria uma capacidade de decisão dos examinadores muito superior à demanda corrente já no ano seguinte à extinção do backlog. Isso acarretaria, consequentemente, a ociosidade dos servidores entrantes a um custo bilionário na manutenção desse quadro por toda a vida funcional.
Diante disso, podemos concluir que o problema do backlog de patentes não reside apenas no seu quantitativo, e sim na escala de exame, uma vez que a capacidade de processamento anual não supera a demanda no mesmo período. O backlog faz esvair todo o esforço empregado pelos examinadores do INPI, que veem a cada ano a seta da linha crescer continuamente, podendo alcançar os 350 mil pedidos em 2029.
Esses cenários revelam que a eliminação do backlog em curto prazo somente será alcançada mediante a adoção de medida de impacto proporcional à gravidade do enorme passivo de pedidos de patentes pendentes de exame.
Acumulado ao longo de décadas, de tão numeroso, o passivo não pode ser tido como um quadro regular. É um cenário excepcional, singular, onde o combate deve se dar por meios igualmente extraordinários.
Não precisamos de muitas elaborações analíticas para chegarmos à conclusão de que o backlog gera um custo altíssimo ao sistema de propriedade industrial, ao processo de inovação, bem como à sociedade.
Hoje, mais de 65% das patentes concedidas são enquadradas na regra do parágrafo único do artigo 40 da Lei nº 9.279, de 1996. O tempo médio de espera para o requerente de uma patente obter um ato decisório do INPI está em 10,23 anos. Para alguns segmentos tecnológicos, como o das telecomunicações, a espera dura atualmente cerca de 13,69 anos. Para fármacos, são mais de 13 anos.
Para entendermos o que isso representa, basta pesquisar quais modelos de aparelhos celulares eram comercializados em 2004. Por certo, o espanto será grande. Essa é a tecnologia que está sendo examinada pelo INPI na área de telecomunicações.
Um parêntese deve ser aberto para destacar o grande paradoxo contido nesse contexto: apesar do volume de pedidos de patentes em atraso, a produtividade dos examinadores de patentes do INPI é uma das mais altas no mundo.
As sentenças judiciais que vêm concedendo segurança para determinar o imediato exame e decisão de pedidos que se encontram no backlog, fundamentadas no descumprimento do princípio da eficiência pelo INPI, privilegiam e criam uma fila para aqueles que podem se socorrer do Poder Judiciário. Além disso, soam como uma grande injustiça aos diligentes servidores que, a cada ano, superam seus níveis de produtividade, já acima dos grandes escritórios de propriedade industrial no mundo.
Dito isso, temos que concluir que não há como mantermos esse quadro de atraso e descompasso existente.
O enfrentamento do backlog exige de todos os segmentos envolvidos, em especial do INPI, uma visão ampliada do problema, além de equilíbrio na formulação e preparo de um remédio proporcional à gravidade do quadro.
Nesse contexto é que o INPI e o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) construíram conjuntamente um plano de ação, com vistas a conferir à autarquia as condições operacionais adequadas que permitam o cumprimento eficiente das suas competências legais.
Entre as medidas estruturantes, está a formulação de proposta de uma medida legal que estabeleça uma regra excepcional com o objetivo de reduzir o backlog de patentes inserindo temporariamente um processo de tramitação dos pedidos, o chamado “procedimento simplificado de deferimento de pedidos de patentes”.
Essa proposta extraordinária é parte do Plano de Ação Estruturado elaborado pelo Mdic que pretende retirar um número significativo de pedidos de patentes da fila do backlog.
Para isso, o INPI, com apoio do Mdic, elaborou uma proposta de medida legal que pretende instituir, temporariamente, procedimento extraordinário de deferimento dos pedidos de patentes ainda sem exame e depositados até 30/12/2016.
O núcleo da inteligência da norma pretendida recai na preterição do prévio exame técnico, sem prejuízo da previsão das salvaguardas necessárias para evitar abusos no sistema de propriedade industrial. É o que podemos chamar de transferência temporária do ônus primário da verificação da adequação de um pedido de patente.
O procedimento estabeleceria a inversão do ônus da prova, que passaria a ser exercido pelos interessados de mercado, responsáveis por indicar quais pedidos de patentes mereceriam o exame substantivo pleno.
Espera-se, com isso, que os interessados, à vista do ambiente concorrencial, se manifestem sobre os pedidos de patentes que guardam relevância e que mereçam ser retirados da fila do procedimento simplificado, bastando para tanto apresentar subsídios técnicos na forma do artigo 31 da Lei nº 9.279, de 1996, motivando o INPI a promover o exame regular e substantivo.
O não exercício dessa salvaguarda seria entendido como um indício de que o pedido de patente não repercutirá no ambiente concorrencial. Ainda que tal percepção dos interessados ocorra após o deferimento e concessão da patente, remanescerá a possibilidade de revisão do ato concessório no âmbito administrativo ou pela via judicial, em menor escala.
Não podemos olvidar que a proposta decorre do quadro danoso que o estoque de pedidos de patentes sem exame e decisão do INPI vem acarretando ao sistema brasileiro de propriedade industrial, ao processo de inovação e ao interesse social. Portanto, trata-se, sim, de medida de exceção, à vista da incapacidade de solução do INPI pelas vias ordinárias e convencionais em curto prazo.
O juízo de ponderação feito pelo INPI e Mdic considerou que, entre as vantagens e desvantagens na adoção da pretendida medida legal, o custo gerado pela demora nas decisões dos pedidos de patentes é superior a qualquer outro questionamento que possa surgir a partir da sua adoção, inclusive no que se refere à segurança jurídica.
Vale destacar que a proposta de normativa legal não contempla a aplicação do procedimento simplificado aos pedidos de patentes que envolvam produto ou processo farmacêutico. Pretende-se, com tal decisão, retirar segmento sensível, cuja concessão está condicionada à prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por força do artigo 229-C da Lei nº 9.279, de 1996.
O INPI e o Mdic jamais cogitaram incluir esses produtos e processos devido a peculiaridades do ambiente concorrencial nesse segmento de mercado, entre outras razões. A versão do texto da medida legal hoje em discussão na Casa Civil permanece com a exclusão expressa dos pedidos de patente envolvendo o setor.
A proposta não foi elaborada ou sugerida por qualquer segmento industrial. Ela é nascida dentro da Administração Pública a partir da constatação de que o backlog terá uma curva ascendente nos próximos anos, não obstante o recorde de produtividade alcançado em 2017.
A pretendida norma foi posta em Consulta Pública, que constatou a preocupação com relação à segurança jurídica, entre outras. Mas, sob o olhar do INPI e Mdic, existe uma convicção plena de que os termos postos na proposta estão devidamente compatíveis com os princípios e preceitos que regem a matéria.
A decisão de não aplicar o procedimento simplificado ao segmento farmacêutico tem ensejado algumas anotações críticas de violação ao princípio da não discriminação do setor tecnológico fixado no artigo 27.1 do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs, na sigla em inglês).
A não inserção do segmento farmacêutico na norma traduz-se em opção estratégica do INPI de retirar segmento sensível e respeita a vinculação da autarquia à regra estabelecida no referido artigo 229-C da Lei nº 9.279, de 1996.
O art. 27.1 de TRIPs não veda a criação de procedimentos de deferimento diferentes de acordo com o setor tecnológico, mas sim a discriminação em termos de matéria patenteável. Ele não permite criar um novo requisito patentário para os pedidos de patente de um setor tecnológico, o que não é o caso da presente medida.
Um olhar sobre as disposições transitórias e finais da Lei nº 9.279, de 1996, mostra que já existiram diferenças de procedimento no tocante ao deferimento de pedidos de patente envolvendo produtos e processos farmacêuticos. Essas alterações jamais foram vistas como violação do art. 27.1 de TRIPs.
Esse parágrafo não se refere somente às patentes pipeline. Há outras diferenças procedimentais entre os pedidos de patente envolvendo produtos e processos farmacêuticos e outros setores tecnológicos nas disposições transitórias e finais da Lei nº 9.279, de 1996. Uma dessas diferenças, por exemplo, beneficia as empresas associadas à ABIFINA, como, por exemplo, o cálculo de vigência diferenciado para as patentes mailbox.
Os que entendem a proposta ora em discussão como violação do art. 27.1 de TRIPs, terão que admitir, por congruência de argumentos, que os arts. 229, parágrafo único, e 229-C, ambos da Lei nº 9.279, de 1996, incorrem em igual inobservância. Criticar a proposta de medida legal invocando esse artigo do acordo abre uma caixa de pandora com potenciais impactos negativos aos interesses da indústria nacional, mormente à farmacêutica.
O atual quadro de 225.115 pedidos de patentes aguardando exame ao final de 2017 é absurdo e não pode permanecer.
Os segmentos envolvidos que ainda não o fizeram precisam elaborar seus juízos de sopesamentos de forma isenta, sem viés ideológico ou de particular interesse econômico.
Precisamos entender que a medida de exceção é necessária para a criação de um ambiente saudável e favorável aos negócios e à inovação num curto prazo de tempo e com as necessárias salvaguardas e segurança jurídica.
É animador o fato de os maiores usuários do sistema brasileiro de propriedade industrial terem sinalizado a disposição de arcar com os custos de monitoramento dos pedidos de patentes que o instrumento legal proposto vai impor.
Consultados presencialmente pelo Mdic, esses atores convergiram em sua totalidade no apoio à alteração excepcional no procedimento de deferimento dos pedidos de patentes em backlog, desde que condicionado à implementação de condições estruturantes que permitam ao INPI atuar eficientemente e à não reincidência do acúmulo de processos.
De fato, a medida legislativa que se propõe não é uma “solução mágica”. Tampouco é única, porquanto integra um pacote de soluções estruturantes que vão permitir ao INPI enfrentar diretamente o backlog e se preparar para dar resposta eficiente e em número adequado à demanda corrente. Entre as medidas, inclui-se a contratação de novos servidores, a melhoria nos processos finalísticos e na infraestrutura da área de tecnologia da informação, bem como uma revisão do Plano de Cargos em futuro próximo.
A edição dessa medida mostra-se capaz de promover a redução do backlog de patentes com menor custo e prazo. Outras soluções existem. Elas são igualmente polêmicas e têm custo e prazo superiores aos da presente proposta.
A proposta de medida legal está fundada em importantes pressupostos, a saber:
1) Incapacidade estrutural do INPI de enfrentar e eliminar o backlog em curto prazo e com custos adequados;
2) Disposição do setor privado de aceitar a inversão do ônus do monitoramento dos pedidos relevantes de seu interesse e de suportar os custos de interposição dos subsídios técnicos de que trata o artigo 31 da Lei nº 9.279, de 1996;
3) Boa estrutura e funcionamento da segunda instância administrativa do INPI;
4) Possibilidade de o depositante solicitar o exame pleno dos seus pedidos ou de terceiros, caso verifique a necessidade de análise de mérito;
5) Não aplicação da regra excepcional aos pedidos de produtos ou processos farmacêuticos;
6) Os certificados de patentes serão expedidos com ressalvas das proibições dos artigos 10 e 18 da Lei nº 9.279, de 1996; artigo 6º da Lei nº 11.105, de 2005 (que trata dos organismos geneticamente modificados), e artigo 47 da Lei nº 13.123, de 2015 (que estabelece as regras para concessão de patentes de produtos obtidos a partir de acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional).