REVISTA FACTO
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Jul-Set 2017 • ANO XI • ISSN 2623-1177
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//Matérias

ABIFINA LANÇA MANUAL DE ACESSO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO BRASILEIRO E AO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO

A ABIFINA celebra mais uma conquista de seus esforços em prol do Marco Legal da Biodiversidade e da disseminação de informações sobre o tema: o lançamento do Manual digital de Acesso ao Patrimônio Genético Brasileiro e ao Conhecimento Tradicional Associado. De autoria de Ana Claudia Oliveira, consultora da entidade e conselheira do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), a publicação traz uma leitura comentada da Lei nº 13.123/2015 e do Decreto nº 8.772/2016, que a regulamenta. A cerimônia de lançamento aconteceu em 30 de agosto, no auditório da Finep, instituição responsável pela chamada pública que contemplou o manual.

Compareceram ao evento cerca de cem pessoas, entre as quais Reinaldo Guimarães, vice-presidente da ABIFINA, Márcio Girão, diretor da Finep, Henry Novion, vice-presidente do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), e Cristina Ropke, diretora para Assuntos da Biodiversidade da ABIFINA, além da autora do manual. O lançamento foi marcado pelo debate a respeito dos avanços da atual legislação e da necessidade de se conhecer e se proteger a biodiversidade brasileira, com vistas a maximizar as oportunidades de inovação e desenvolvimento que podem surgir a partir da correta utilização do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado.

O manual

Escrito em linguagem acessível, o manual sistematiza as informações e os conceitos contidos na legislação, de forma que os diversos atores da cadeia de valor do produto baseado em patrimônio genético brasileiro e conhecimento tradicional associado tenham entendimento claro dos dispositivos do novo marco legal. O texto foi todo revisado por uma equipe do Ministério do Meio Ambiente para garantir uma interpretação alinhada com os objetivos da própria legislação. A publicação está disponível para download no site da Associação de modo a permitir amplo acesso a essa informação. “Fizemos em formato digital e gratuito para disseminar conhecimento e alavancar a legalização e o cadastro das pessoas, para ser ambientalmente correto e para chegar a qualquer lugar do país”, explicou Ana Claudia sobre o formato da publicação.

O material recebeu elogios. “A forma como foi estruturado convida as pessoas a adquirirem esse conhecimento que é tão importante para estabelecer cadeias produtivas que respeitem os preceitos da Convenção da Diversidade Biológica”, declarou Cristina Ropke, que também é diretora executiva da Phytobios. Já Henry Novion, do CGen e do MMA, acredita que essa é uma contribuição importante para facilitar a compreensão do regulamento. “Todo material que possa digerir um pouco o que são as obrigações e deveres e direitos que essa legislação traz vai ser fundamental para o ministério, o governo e a sociedade como um todo, para alcançarmos o objetivo, que é promover o uso sustentável da biodiversidade e a repartição de benefícios para a conservação”, afirmou.

O livro traz ainda imagens do Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen), plataforma do Ministério do Meio Ambiente para cadastro das atividades relacionadas ao acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado. O intuito é explicar o passo a passo necessário para se cadastrar uma pesquisa ou um produto no sistema. Como a versão atualizada do SisGen ainda passa por testes e estará no ar apenas nos próximos meses, o manual poderá vir a ser atualizado no capítulo dedicado à ferramenta.

Com a publicação, Ana Claudia espera esclarecer conceitos que geram dúvidas recorrentes, especialmente entre pesquisadores. Uma delas era a própria ideia do que seria patrimônio genético. “Quando saiu a MP antiga (MP nº 2186-16/01), as pessoas achavam que só quem trabalhava com o DNA, com genética molecular estaria enquadrado na lei. Na verdade, ela se aplica a toda e qualquer biodiversidade brasileira”, relatou. Antes da publicação do material, a consultora da entidade já vinha viajando pelo País dando oficinas sobre o assunto, o que contribuiu para a elaboração do material.

Novo marco legal: desburocratização e segurança jurídica

O lançamento do manual é também uma celebração do esforço da ABIFINA no âmbito da Coalizão pela Biodiversidade na luta para a implementação da Lei da Biodiversidade. Sancionada em maio de 2015 e regulamentada um ano depois, a legislação foi resultado de uma longa construção que envolveu diferentes setores e agentes da cadeia produtiva baseada na biodiversidade.

Os avanços do novo marco legal foram lembrados pelos convidados da cerimônia. Márcio Girão, da Finep, sublinhou a importância da regulamentação do uso da biodiversidade brasileira, com respeito aos princípios éticos e morais. Já Reinaldo Guimarães, da ABIFINA, pontuou seu caráter apaziguador. “O grande mérito do marco legal é abrir caminho para a conciliação dos diversos atores e interesses envolvidos na questão”, ressaltou. Para ele, a expectativa é de que não ocorra uma judicialização a partir da aplicação da nova lei. “Se tivéssemos uma epidemia de ações especiais, isso indicaria uma incapacidade de promover esta conciliação de todos os interesses no âmbito do CGen”, disse ainda.

Também foram destacadas a maior flexibilidade e a desburocratização do processo de pesquisa e desenvolvimento, além da obrigatoriedade de repartição de benefício somente quando houver exploração econômica de um produto. “A grande diferença entre essa legislação e a outra é justamente ser mais flexível. Ela permite que eventuais problemas sejam corrigidos diretamente no sistema ou através de uma nova resolução”, declarou Henry Novion, do MMA. “A gente sai de uma regulação de processos, em que se tinha que ter controle de todas as informações previamente ao acesso, para uma regulação de resultados, em que aquele que obtém de fato uma publicação, uma patente ou um produto é quem tem que cumprir depois todo o marco regulatório”, complementou o vice-presidente do CGen.

Para Ana Claudia Oliveira, a mudança da antiga legislação para a atual é significativa. “Com a MP, havia sobrestamento de processo no CGen, porque muita coisa não estava na legislação, o que impedia o desenvolvimento de pesquisas. As empresas abandonavam projetos por demora do processo”, lembrou a consultora da ABIFINA. E completou: “Agora houve uma mudança de paradigma. Deixamos de ser biopirata para ser investidor em biodiversidade. Os conceitos foram mais bem definidos, deu-se mais segurança jurídica, incentivou-se o uso da biodiversidade e a competitividade internacional”.

Estímulo À inovação e conservação da biodiversidade e do conhecimento tradicional

Com a segurança jurídica promovida pela nova regulamentação, abre-se um leque de oportunidades de acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional brasileiro. A expectativa agora é que seja estimulada a produção de conhecimento sobre biodiversidade e que isso gere mais conservação e mais oportunidade de inovação. O cenário é favorável para o Brasil. O país é o número um do mundo em biodiversidade, tendo a maior concentração de espécies no geral e também a maior de plantas, mamíferos e anfíbios, a terceira maior concentração de aves e a quarta de répteis, segundo dados do Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr, 2017) apresentados por Ana Claudia.

Explorar essa riqueza significa produzir conhecimento e oportunidades para inovação. Para Henry Novion, promover a produção de saberes contribui para conservar as espécies existentes na natureza. “Conservar a biodiversidade é uma forma de proteger um estoque de inovação, novos produtos, novos processos, pesquisa e geração e renda e repartição de benefícios no fim do processo. Se não gerarmos conhecimento, pesquisa e inovação a partir da biodiversidade, ela não será reconhecida pela sociedade como ativo a ser protegido”, acrescentou.

Muito dessa biodiversidade é desconhecido e o que é estudado ainda não está acessível. “Não temos um banco de dados que concentre o que existe sobre biodiversidade e conhecimento tradicional está espalhado pelo país”, lamentou Ana Claudia. “Estamos sentados em cima da maior biodiversidade do planeta, bastante inexplorada ainda do ponto de vista econômico”, alertou Cristina Ropke.

O acesso ao conhecimento tradicional tem grande importância no processo de pesquisa da biodiversidade brasileira, na visão dos debatedores do evento. As comunidades tradicionais não são apenas fontes de saberes, mas podem ajudar a indústria a direcionar com mais precisão seus esforços em pesquisa ao indicar, por exemplo, quais plantas são usadas para diferentes enfermidades, encurtando o tempo dos estudos. Daí a importância da repartição de benefícios com esses povos, conforme garantido pela legislação. Henry Novion é um dos defensores dessa tese. “Quando falamos em repartição de benefícios para conservação de biodiversidade e proteção de comunidades tradicionais, estamos pensando no estoque de oportunidade que esses povos e essa biodiversidade nos oferecem no médio e longo prazo. Um exemplo é o jambu, uma espécie amazônica amplamente conhecida pela medicina popular brasileira por seu efeito anestésico. Recentemente, pesquisadores da Unicamp obtiveram a partir da planta um anestésico mais barato e menos tóxico que o tradicional”, argumentou o representante do governo.

Oportunidades para o Brasil

O potencial econômico do desenvolvimento de produtos e soluções a partir da biodiversidade é grande. Segundo Novion, o mercado de fitoterápicos deve movimentar US$ 107 bilhões em 2017. Além disso, ainda de acordo com o vice-presidente do CGen, entre 1981 e 2006, cerca de 70% das novas moléculas publicadas em estudos científicos eram originárias da natureza. Existe ainda a possibilidade de uma crise de escassez de novas estruturas químicas afetar o setor farmacêutico mundial, como destacou Cristina. “Há uma possível futura crise advinda da escassez de novos esqueletos moleculares para alimentar pesquisas sobre várias doenças para as quais não há solução. Por um bom tempo, o mundo usava química sintética para procurar essas soluções, mas se esgotaram as possibilidades e probabilidades de acharmos novas moléculas”, esclareceu a executiva da Phytobios.

Para a também diretora para Assuntos da Biodiversidade da ABIFINA, se o Brasil for capaz de desenvolver novas substâncias a partir de sua biodiversidade, poderá despontar no setor. “Temos tecnologia e uma biodiversidade gigante que nos permitem entrar nesse mercado, uma vez que se tenha possibilidade de patentear e proteger a biodiversidade dentro das regras da lei de acesso, conseguindo caminhar na lógica do desenvolvimento farmacêutico internacional”, previu. Ao falar em tecnologia, Cristina se refere a iniciativas como a Molecular PowerHouse, apresentada por ela, e que pode reduzir o tempo de pesquisa de novas moléculas. Trata-se de uma plataforma de inovação aberta, que associa a alta tecnologia desenvolvida pelo Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) para análise de substâncias químicas com a experiência da Phytobios na coleta e no preparo de extratos vegetais a partir de espécies da biodiversidade brasileira. “O que muda é a capacidade de se acessar tecnologicamente e poder ler 5 ou 10 mil amostras para um marcador de câncer. É tecnologia extremamente nova, que o Brasil tem o privilégio de ter desenvolvido”, comemora.

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