Inovação tecnológica é um fator estratégico para a competitividade na indústria química, farmoquímica e farmacêutica brasileira e é preciso discutir como o setor pode dar os primeiros passos rumo à independência indispensável a ela. Poucos anos atrás, os segmentos de medicamentos genéricos e similares foram fundamentais para o crescimento da indústria farmacêutica nacional. Hoje é notória a necessidade crescente de ofertar ao mercado e aos consumidores produtos derivados de inovação. Seguindo a tendência, o Aché Laboratórios, uma das maiores indústrias 100% brasileiras, tem empenhado esforços e investimentos nas linhas de pesquisa incremental e radical com a construção de laboratórios, parcerias estratégicas e geração de empregos por meio da contratação e repatriação de cientistas.
Acreditamos que o melhor caminho para trazer inovação ao País seja por meio da criação de centros de pesquisa próprios. Por isso, recentemente inauguramos o Laboratório de Design e Síntese Molecular, na linha da inovação radical, que concentra a pesquisa de novas entidades moleculares. Além disso, estamos finalizando a construção de outro laboratório dedicado à pesquisa de novas tecnologias, especialmente a nanotecnologia, em parceria com a empresa global Ferring Pharmaceuticals.
Formada pelos aspectos econômico, social e ambiental, a sustentabilidade precisa beneficiar toda a cadeia para ser efetivamente sustentável. Para isso, é urgente que tenhamos insumos de qualidade produzidos em território nacional, o que aumentaria a competitividade da nossa indústria e valorizaria o produto final brasileiro, complementando, assim, a inovação. Somado a essa necessidade, o delicado momento pelo qual a economia brasileira passa demanda estratégias bem elaboradas de fomento à indústria de química fina.
Países que cresceram e se destacaram economicamente como Alemanha, Estados Unidos, Itália e Japão contam com uma indústria química robusta. Considerando- se toda a cadeia química, especialmente os fármacos e o setor de química fina, a balança comercial brasileira apresenta déficit e é fortemente dependente da exportação de commodities de baixo valor agregado e da importação de insumos. Para inverter esse sinal, é preciso agregar tecnologia ao produto químico nacional por meio de políticas públicas estratégicas. Com isso, em poucas décadas o Brasil poderá exportar produtos de cada elo da cadeia de medicamentos, incluindo os acabados, contando com processos completos desenvolvidos em território nacional.
A retrospectiva histórica aponta que há muito espaço para que o setor de síntese química se desenvolva mais fortemente.
Alguns estímulos à indústria nacional foram conquistados com a Lei de Genéricos, de 1999, e a instrumentalização de fomentos para a inovação, como a Lei do Bem, de 2005, que criou incentivos fiscais para empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento, além de linhas de financiamento específicas.
Nos últimos anos, tivemos também um significativo avanço nas Parcerias Público-Privadas (PPP) entre o Ministério da Saúde e empresas para viabilizar a fabricação de princípios ativos e produtos acabados para os medicamentos utilizados no Sistema Único de Saúde (SUS), diminuindo os gastos com importação. Por ser um processo de longo prazo que demanda investimentos altos, as políticas para a inovação necessitam que governo, agência reguladora, empresas e centros de pesquisa unam esforços e atuem de forma sinérgica no desenvolvimento tecnológico da indústria de química fina e farmacêutica brasileira.
Estruturação e responsabilidades do poder público
Estima-se que apenas 5% dos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) consumidos pela indústria farmacêutica nacional e multinacional atuante no Brasil sejam efetivamente produzidos no País. Somente esta pequena parcela é fabricada por empresas farmacêuticas brasileiras que possuem suas próprias farmoquímicas ou por indústrias genuinamente farmoquímicas que produzem IFAs com competência e qualidade suficientes para atender ao restante do mercado nacional. O volume pequeno é um entrave. O fomento à inovação deve passar também pelo aumento de escala e disponibilidade de matérias-primas.
Expressivos exportadores atuais de farmoquímicos para o Brasil, Índia e China contribuem para o déficit da balança comercial. É preciso construir uma saída para esse impasse, pois o Brasil está bastante atrasado em relação a estes países no que tange às commodities farmacêuticas. De toda a cadeia produtiva, apenas excipientes e embalagens não exigem longos e custosos processos de importação, já que contamos com diversos fabricantes destes itens em território nacional. Para os IFAs, especialmente os controlados, o processo de importação pode levar de seis a oito meses para se concretizar, o que onera a produção, exige minucioso planejamento de longo prazo e atrasa a concretização da inovação.
Outro ponto delicado é a ausência do controle da agência reguladora sobre os fabricantes internacionais. Nos Estados Unidos e Europa, fornecedores de insumos ativos obtêm os registros ou certificações diretamente das respectivas agências reguladoras, o que facilita a consulta das empresas pela lista de IFAs aprovados para comercialização. Diferentemente desse cenário, no Brasil o fabricante do medicamento é o maior responsável pela identificação, avaliação e registro do fornecedor junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O fabricante do IFA torna-se responsável por todo o ciclo de vida de comercialização do medicamento.
Além disso, a documentação chamada de DMF (Drug Master File), que é aceita e registrada nos EUA e Europa, costuma sofrer questionamentos por parte da agência brasileira. O fabricante do medicamento precisa intermediar os esclarecimentos com muita dificuldade. Em alguns casos, o fabricante do IFA é até mesmo descartado por não haver interesse em produzir a documentação ou fazer testes adicionais exclusivos para comercialização no Brasil, no caso de fabricantes que já atendem outros mercados maiores. Assim, há uma real necessidade de harmonização, na qual a Anvisa deve assumir a responsabilidade de qualificar e regular os fabricantes de IFAs para que tenham seus registros sob controle da agência em território nacional. Para que isso aconteça, é necessária grande sensibilização sobre o tema, seguida de uma forte estruturação e investimentos para que o órgão possa absorver esta importante e estratégica demanda.
O que propomos, como uma empresa nacional que tem a inovação como estratégia para o crescimento, é que sejam reunidos esforços em uma coalizão para buscar recursos com governo e empresas em busca da superação deste gap. A exemplo das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), do Ministério da Saúde, devem ser criadas iniciativas parecidas no Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Esses acordos promoveriam a cooperação entre instituições públicas, centros de pesquisa e entidades privadas visando a transferência de tecnologia, produção e capacitação produtiva e tecnológica brasileira no setor de química fina e para produtos de interesse estratégico para a saúde da população, como são os medicamentos de origem sintética ou biológica.
Vencer o abismo tecnológico que afasta o Brasil dos países desenvolvidos somente será possível com o desenvolvimento e a implantação de uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior efetiva, que tenha o objetivo de resgatar em nosso território uma indústria moderna, autônoma e competitiva internacionalmente. Um esforço direcionado, com abrangência nacional e bem planejado, poderá contribuir para que tenhamos fornecedores nacionais de IFAs, com mais opções de moléculas, com melhor lead time de fornecimento, que descomplique a logística, amplie o know how técnico, proporcione a competitividade da cadeia produtiva e, finalmente, contribua para melhorar ou até mesmo inverter o sinal da balança químico-farmacêutica no Brasil.