REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2017 • ANO XI • ISSN 2623-1177
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//Editorial

SEM INDÚSTRIA NÃO HÁ DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

O Brasil atravessa uma crise política e econômica sem precedentes na sua história. Elevada taxa de juros ao consumidor, nível de desemprego extremamente alto, taxa de câmbio supervalorizada, recomposição moral das instituições e, especialmente, ausência de planejamento de Estado resultam em instabilidade jurídica que impede investimentos privados.

Empresas com faturamentos extremamente reduzidos, pela queda na demanda de consumidores endividados devido às elevadas taxas de juros praticadas pelo sistema bancário, demitem empregados e cortam investimentos, no que resulta um sistema de retroalimentação desse perverso processo, que deve ser estancado de pronto, simultaneamente à implantação das reformas fiscais, econômicas e éticas previstas.

Nesse cenário, evidencia-se um elevado aumento do processo desindustrializante do País, que vem desde os anos 90 e deve ser revertido de imediato através de medidas no curto, médio e longo prazo. 

Realizar primeiramente as reformas de base institucional, de caráter fiscal, trabalhista e previdenciário, tendo em vista somente o longo prazo, sem implantar desde logo um Projeto de Desenvolvimento Econômico e Social do País com ênfase na industrialização, constitui uma visão equivocada das reais necessidades da nação.

A estabilidade macroeconômica, expressa pelo alcance e  manutenção de um índice inflacionário dentro das metas fixadas pelo Banco Central, de fato é uma condição fundamental para a retomada do desenvolvimento econômico e social do Brasil, mas está longe de ser suficiente para a retomada do crescimento do PIB, com seus reflexos na redução da elevada taxa de desemprego no País.

O Poder Executivo no Brasil realmente não possui um Ministério de Planejamento e Gestão, pois o que se vê nessa área é apenas um arremedo da gestão orçamentária, que se desenvolve ao sabor de negociações pontuais do Poder Executivo com membros do Congresso Nacional, marcantemente visando à aprovação de medidas legislativas em troca de cargos públicos, liberação de verbas ou atendimento a interesses pessoais, muitas vezes ilegítimos.

A falta de um projeto de Estado, com controle centralizado, leva à lamentável situação atual, em que os ministérios não se comunicam, duplicando ou até mesmo contrariando ações entre eles, no que resulta a ineficiência estatal que eleva os custos das empresas operando no País.

O Brasil carece de um indispensável espírito público, privilegiando a ética nos altos escalões governamentais, absolutamente necessário para se desenvolver um projeto de nação soberana, que seja expresso em um programa administrativo de longo prazo, contendo metas e cronogramas, com seu devido acompanhamento em todos os níveis governamentais, como ocorreu durante os governos de Vargas, Juscelino e Geisel.

A reforma do sistema político partidário no País é indispensável, mas isso constitui tarefa que deve ter parâmetros definidos pelo Poder Judiciário, pois que, por iniciativa própria, jamais esse Congresso Nacional fará uma profunda reforma que atinja fortemente interesses paroquiais ou pessoais da imensa maioria dos parlamentares.

Paralelamente à implantação da reforma do sistema político partidário visando conferir uma efetiva representatividade ao Congresso Nacional, a iniciativa para construir esse projeto de nação deve caber às entidades que representam o setor produtivo e a população em geral, para que, da interação entre tais agentes, efetivamente seja atingido tal desiderato.

No contexto desse projeto de Estado, cabe destacar a relevância da definição de uma política industrial objetiva, priorizando setores como fazem os países avançados, do que resultarão elevados volumes de investimentos privados, criando empregos em cadeias, no próprio setor industrial e também nos prestadores de serviços e no comércio. 

Conforme divulgado pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – entidade internacional composta por 34 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de livre mercado -, foram implantadas recentemente políticas industriais associadas a programas para ampliar a capacidade das indústrias locais em atividades de P&D e inovação. Da leitura desse documento ressaltamos os fatos comentados a seguir.

Muitos países, como Inglaterra, Itália, Estados Unidos, França e Holanda, adotaram enfoques setoriais em suas estratégias para desenvolver ciência e tecnologia, combinando subsídios e financiamento de capital próprio, como também incentivos fiscais às empresas privadas locais.

Muitos países, como Inglaterra, Itália, Estados Unidos, França e Holanda, adotaram enfoques setoriais em suas estratégias para desenvolver ciência e tecnologia, combinando subsídios e financiamento de capital próprio, como também incentivos fiscais às empresas privadas locais.

Na Inglaterra, desde 2012 vem sendo desenvolvida uma política industrial focada em tecnologia, financiamento e parcerias de caráter público/privada em onze setores industriais priorizados. Tais ações vêm sendo realizadas nas referidas parcerias do governo com a indústria e financiadas por ambos, para gerar confiança e garantir investimentos no longo prazo. São exemplos o Instituto de Tecnologia Aeroespacial, o Centro de Propulsão Automotiva Avançada e o Centro para Inovação Agrícola.

Na Itália foi criado em 2012 o programa “Fábrica Inteligente”, para desenvolver e executar uma estratégia baseada em P&D com vistas a: (1) transformar a indústria italiana com foco em novos produtos, processos, serviços e tecnologias, (2) criar uma comunidade industrial competitiva no desenho, aplicação e exploração dos resultados das pesquisas; (3) conectar políticas nacionais de P&D com políticas internacionais.

Nos Estados Unidos, o orçamento de 2016 previa US$ 2,4 bilhões para o financiamento de atividades de P&D na indústria de transformação avançada, em suporte ao esforço nacional, buscando reunir indústria, universidades e governo federal no investimento em tecnologias emergentes. Além de criar empregos industriais de alta qualidade, tais investimentos irão expandir as atividades de P&D em processos inovadores de produção, materiais industriais avançados e robótica.

Não custa lembrar que nesse país, ainda em construção no final de 1791, Alexander Hamilton apresentou um projeto de nação industrializada, descrito em seu famoso Relatório sobre Manufaturas, no qual, entre outras coisas, eram propostas tarifas de importação para produtos importados, sob o argumento de que “a simples importação de bens manufaturados, invariavelmente, priva de sua riqueza os povos meramente agrícolas”. A forte e efetiva política industrializante criada no país por Hamilton, incluindo a criação de um Banco Central e um único orçamento público a ser aplicado nos treze estados que vieram a formar os Estados Unidos da América do Norte, resultaram na grandeza econômica dessa nova nação.

Também é sabido que a China lançou em 2015 o plano “Fabricado na China 2025”, visando reforçar o poder industrial local em inovação, na qualidade de produtos, sustentabilidade ambiental e desenvolvimento de recursos humanos para a indústria, sendo selecionados alguns setores industriais, como tecnologia de informação, robótica, equipamento aeroespacial, equipamentos para a engenharia oceânica, ferroviária, agrícola, veículos com eficiência energética e medicina biológica.

Como se verifica pelos fatos acima relatados, os países avançados, através de políticas industriais, escolhem seus “setores industriais vencedores” – expressão jocosamente usada no Brasil por economistas neoliberais rentistas, portadores de uma visão exclusivamente financeira, mas que nos países desenvolvidos vem apresentando excelentes resultados econômicos.

Essa estreita visão financeira de nossos economistas neoliberais levou à reorientação anteriormente seguida pelo BNDES através de linhas de financiamento a juros bem inferiores aos de mercado para atender a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) lançada em 2004, com o objetivo de fortalecer e expandir a base industrial brasileira por meio da melhoria da capacidade inovadora das empresas.

Hoje são selecionados projetos de investimentos com retorno econômico ao Banco, como em um banco privado, sem priorizar setores industriais estratégicos para o desenvolvimento do País. 

A PITCE definiu quatro setores industriais como estratégicos para o desenvolvimento nacional: software, semicondutores, bens de capital, fármacos e medicamentos. Essa política pública gerou expressivos resultados até 2010, como a criação de mais de cem Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) na área do Complexo Industrial da Saúde, envolvendo alguns bilhões de dólares em compras públicas que foram nacionalizadas.

Mudanças ocorridas no Poder Executivo a partir de 2010 resultaram praticamente no abandono dessa relevante política pública. Infelizmente no Brasil sempre ocorre que, mudando os governantes, são abandonadas políticas anteriores, mesmo exitosas, simplesmente para marcar a nova gestão governamental.

O Brasil necessita ser reconstruído não somente em suas vertentes morais e em suas práticas administrativas, mas também pela implantação de projeto de nação soberana, expresso em um programa de governo de longo prazo, contendo metas e cronogramas, com controle centralizado por um efetivo Ministério de Planejamento e Gestão, acompanhado pela Presidência da República.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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