REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2017 • ANO XI • ISSN 2623-1177
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//Editorial

PROJETO DE ESTADO DE LONGO PRAZO: ÚNICA SAÍDA DA CRISE

A crise financeira internacional dos anos 2007-2009 resultou da desregulação do sistema financeiro ocorrida nos anos 90 do século passado e se mantém forte e ativa até os dias atuais, especialmente no Brasil, por termos aceitado sem quaisquer restrições os princípios definidos pelo Consenso de Washington em 1989, que impôs poder divino ao “Deus Mercado” – ente que se autorregularia e deveria possuir a mais completa liberdade de ação.

A crise financeira internacional foi aprofundada no Brasil a partir do ano 2010 por gestões administrativas com visões de curto prazo, que privilegiavam ações pontuais – muitas vezes contraditórias e alteradas no curso de sua execução, sem considerar o cenário global e o tempo requerido para sua maturação.

O governo atual pretende instituir um ajuste fiscal, financeiro e institucional visando a reduzir a inflação e a taxa de juros, mantendo livre a taxa de câmbio e pretendendo, nesse contexto, que surjam os investimentos privados para acabar com o sufocante nível de desemprego no Brasil. Em um país que planeja e age visando somente ao curto prazo, alterando regras governamentais da noite para o dia – criando assim uma insegurança institucional permanente –, será possível o retorno dos investimentos privados, sabido que somente se obtém retorno no longo prazo? Não cremos que isso venha a acontecer.

O Brasil já foi proclamado o “País do futuro” devido à diversidade e riqueza de seus recursos naturais: a maior biodiversidade do planeta; grande disponibilidade de minérios como ferro, manganês, bauxita, urânio e terras raras; clima tropical; terras férteis e abundantes para a agricultura e a pecuária; e as maiores reservas de água doce do mundo (12% do total), cobrindo 90% do território nacional. Tudo isso somado à ausência de problemas religiosos ou relacionados a etnias populacionais. E também deve ser destacado que, em comparação com os países que dispõem de extensas áreas territoriais, o Brasil é aquele que apresenta a mais favorável relação homem/área territorial.

Contando com esse patrimônio territorial e populacional, por que o Brasil não aparece na relação das nações mais desenvolvidas do planeta? Essa questão tem sido tema de inúmeras análises divulgadas ao longo do tempo por formadores de opinião, mas em nosso entendimento o ponto focal a ser tratado com urgência e prioridade é apenas um: a carência de um Projeto de Estado a ser definido e mantido ao longo do tempo em sucessivos mandatos governamentais, expressando ações a serem desenvolvidas e contendo metas a serem alcançadas dentro de cronogramas pré-estabelecidos.

É pressuposto fundamental para o sucesso desse Projeto de Estado que ele seja construído por consenso em organizações privadas que não tenham caráter político-partidário e que sejam representativas da base populacional. E depois aprovado por um Congresso Nacional que realmente esteja disposto a criar uma verdadeira Nação Soberana, e não o que se vê até agora – um Parlamento que trata apenas de temas paroquiais ou até mesmo de cunho pessoal, cuja legitimidade vem sendo contestada pelo Ministério Público.

E – mais importante ainda – as ações definidas por esse Projeto de Estado devem ser conduzidas de forma harmoniosa por todas as agências públicas, federais ou regionais (estaduais e municipais), sem a enorme burocracia vigente em nosso País. Apenas para ilustrar, destacamos as “licenças de autorizações” para o setor produtivo operar, partidas de inúmeros órgãos públicos para as mais variadas atividades e que são conduzidas de forma desordenada e extremamente lenta, senão contraditória, além de atrasar investimentos e elevar custos para as empresas nacionais, assim causando-lhes a ineficiência que afeta sua competitividade internacional, obviamente prejudicando o Brasil. Por que não centralizarmos as “distintas” ações dos ministérios ou agências em órgãos específicos interministeriais para o trato de cada tema, coordenando as ações requeridas pelos demais órgãos públicos?

Talvez o fato de termos sidos tão bem aquinhoados com tantos dotes pela natureza, inclusive sem termos tido a necessidade de enfrentar lutas pela nossa independência política e econômica, tenha gerado uma acomodação da população – de origem majoritariamente ibérica –, ao se contentar com o que lhe é concedido pela natureza, sem ter tido a necessidade de lutar contra inclemências decorrentes de terremotos, tsunamis ou invasões por estrangeiros.

Os Estados Unidos construíram sua independência política e econômica da Inglaterra no final do século XVIII, após uma guerra civil contra os colonizadores ingleses das 13 colônias localizadas naquele território. Sob o comando de George Washington, a união das 13 ex-colônias construiu uma nova nação denominada Estados Unidos da América do Norte. Alexander Hamilton, assessor econômico e financeiro de George Washington, definiu e conseguiu implantar um Projeto de Estado de longo prazo naquela Nação, priorizando a industrialização local. Assim começou a surgir a Nação mais desenvolvida do mundo nos dias atuais.

Enquanto no início do século XIX Alexander Hamilton aprovava no Congresso norte-americano seu famoso Relatório sobre Manufaturas – verdadeiro Projeto de Estado baseado na industrialização local –, no Brasil vigia o Alvará de D. Maria I de Portugal, que proibia o desenvolvimento de fábricas e manufaturas no Brasil. Os Estados Unidos e o Brasil não eram economias muito distintas no início do século XIX, mas a partir daí distanciaram-se enormemente.

A independência do Brasil, proclamada em 1822, e posteriormente a instituição da República, em 1889, resultaram apenas na troca do poder monárquico por uma elite republicana regional, situação que foi alterada a partir da revolução de 1930, com a Nova República surgida no período Vargas. A despeito dos males decorrentes da ditadura imposta por Vargas ao País até 1945, pela primeira vez foi realmente implantado um Projeto de Estado expresso em política industrial, inicialmente criando a siderurgia nacional, como preconizava Simonsen – contrariando Gudin, que afirmava que o Brasil deveria ser mantido como um “país essencialmente agrícola”.

Como presidente da República eleito nos anos 1950, contrariando fortes interesses externos, Vargas criou a Petrobras sob o modelo de “empresa pública”, arranjo institucional imaginado por Leopoldo Miguez de Mello no CNP – uma forma jurídica não existente em nosso marco legal naquela época. Dentro dessa concepção de empresa pública, em 3 de outubro de 1953, Vargas criou a Petrobras, na forma de empresa de propriedade e controle totalmente nacionais, com participação majoritária da União, encarregada de explorar em caráter monopolista, diretamente ou por suas subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera.

Nesse cenário, cabe uma referência especial ao general Ernesto Geisel. Na época da ditadura militar – por mais restrições que se possam fazer ao regime então vigente –, como presidente da Petrobras e do Brasil nos anos 70 e como presidente da Norquisa (empresa subsidiária da Petrobras) nos anos 80, Geisel conduziu políticas industriais visando à fabricação local de produtos que eram importados para atender ao mercado nacional, na forma da visão cepalina vigente na época, segundo a qual o desenvolvimento sustentável da região ocorreria quando os países buscassem atender a seus mercados finais fechados com produtos fabricados internamente, a partir das matérias-primas locais, em vez de importar produtos prontos.

A partir dos anos 90, o Brasil aderiu integralmente à tese de que o Estado indutor do desenvolvimento estaria fadado à extinção. A tese do “Deus Mercado” passou a vigorar, enfaticamente definida por um economista brasileiro neoliberal: “a melhor política industrial é não ter política industrial”. Somente a partir de 2004 políticas públicas visando à industrialização do País voltaram a ser implantadas com a aprovação da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior, com quatro setores estratégicos para o desenvolvimento (software, semicondutores, bens de capital e fármacos/ medicamentos) e três atividades portadoras de futuro (biotecnologia, nanotecnologia e energias renováveis).

No entanto, por não termos construído um Projeto de Estado de longo prazo de duração, que expressasse uma verdadeira e permanente vontade nacional, essa política industrial não resistiu ao novo choque decorrente da crise financeira internacional de 2009, passando-se a adotar no País medidas aleatórias para tentar resolver situações distintas, sem um verdadeiro planejamento central, contendo metas e cronogramas de ações.

A construção de um Projeto de Estado visando ao desenvolvimento econômico e social do País não pode coexistir com a fragmentação política resultante da simples disputa partidária do poder pelo poder, como infelizmente se verifica hoje. Desse fato resulta o caos político-econômico-administrativo que não transmite confiança ao empresário, estrangeiro ou nacional. Isso reforça o sucateamento da indústria e a paralisia de segmentos importantes da economia, aprofundando a recessão, não permitindo prever-se quando terminará.

Oxalá que o ajuste fiscal e financeiro em andamento resulte em uma nova visão de Projeto de Estado de longo prazo, com instituições e marcos regulatórios estáveis, permitindo assim que sejam retomados a confiança e o otimismo necessários para o empresariado nacional investir, resultando na redução do desemprego e no aumento da renda nacional.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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