O Brasil atravessa hoje a recessão mais profunda de sua história. Pela primeira vez, a dívida pública ultrapassa a casa dos R$ 3 trilhões e o governo federal prepara uma contenção drástica de gastos e investimentos públicos. Mais de 10% dos 120 milhões de trabalhadores brasileiros perderam o emprego, e um considerável contingente está no subemprego. Esse cenário sombrio configura, segundo o presidente da ABIFINA, Ogari Pacheco, “uma tragédia social que vai marcar as próximas gerações”.
Ainda assim, na condição de empresário (presidente do Conselho do Laboratório Cristália), Pacheco acredita na possibilidade de uma reviravolta. Ele está convencido de que há saída para a crise e aponta como um sinal positivo o fato de o Brasil continuar “no radar dos investidores estrangeiros, o que pode ser comprovado não apenas pela volta do capital à nossa bolsa de valores, mas especialmente pelo grande número de fusões e aquisições anunciado neste ano, muitas com a participação de capital estrangeiro”.
Ele entende que os estrangeiros continuam apostando no Brasil, mesmo num cenário tão adverso, “não apenas porque o País ficou ‘barato’, mas também porque, a despeito da crise, continuamos sendo um dos maiores mercados do mundo, com mais de 200 milhões de consumidores. Se os investidores de fora ainda acreditam no futuro do Brasil, por que nós não acreditaríamos?”
Os números da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) mostram, segundo Pacheco, que o Brasil é um exemplo de desindustrialização precoce. “A indústria chegou a representar 34% do valor agregado total no fim dos anos 1970, e essa taxa caiu para 17% entre 2010 e 2014. A UNCTAD aponta como alguns dos principais motivos desse declínio o abandono ou as mudanças em políticas estatais estratégicas para o desenvolvimento industrial, além de abertura comercial unilateral, desregulamentação financeira e redistribuição regressiva da renda. Não podemos cruzar os braços, pois sabemos que, sem uma indústria forte, país algum é forte. Não podemos sobreviver apenas exportando commodities agrícolas.”
Os países que mais se desenvolvem são os que voltaram os olhos para produtos de alto valor agregado, com destaque para a biotecnologia e outras tecnologias de ponta, lembra Pacheco. “Isso tem tudo a ver com o segmento em que atuamos. O desenvolvimento da química fina depende não apenas de boa vontade, mas de investimento de longo prazo em inovação”.
Para não enfrentarmos mais uma década perdida, o presidente da ABIFINA aconselha “exatamente o dever de casa que está sendo recomendado pela UNCTAD: criar e manter no Brasil uma política industrial pública integrada às políticas macroeconômicas, financeiras, industriais e de comércio exterior. Neste cenário, ganham importância as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), fundamentais para o desenvolvimento da biotecnologia brasileira”.
Dada a importância do nosso mercado interno e a existência de um complexo industrial de química fina no Brasil, a retomada ou renovação de políticas públicas nessa área visando ao desenvolvimento econômico e social do País não chega a ser uma quimera. Na 11ª reunião do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Gecis), por exemplo, como parte da nova Política de Plataformas Inteligentes de Tecnologia em Saúde, foram anunciados investimentos de R$ 6,4 bilhões, evidenciando a disposição do Ministério da Saúde de incentivar a produção nacional de medicamentos, insumos e tecnologias em saúde. Para atender à demanda de biológicos no País, está programada a construção de três novas fábricas na Fiocruz, Butantan e Tecpar, que permitirão a produção de medicamentos para o tratamento de pessoas com câncer; soros contra raiva e picadas de animais venenosos; e vacinas para gripe, hepatite A e HPV, entre outros. Atualmente, mais da metade (51%) das despesas com aquisição de medicamentos do Ministério da Saúde refere-se a produtos biológicos.
“Sabemos que o ajuste fiscal necessário para que o País volte aos trilhos do desenvolvimento vai afetar o volume de recursos oficiais”, admite Pacheco. “Por isso, como presidente da ABIFINA, recomendo à indústria não reduzir seus próprios investimentos em pesquisa e inovação, sempre mirando o longo prazo. Ao contrário: esta é a hora em que temos que aumentar nossos investimentos pelo bem do País. É um esforço que só nos será recompensado, se tudo der certo, na próxima década. Temos que lembrar que crises são cíclicas, assim como eras de prosperidade. Temos que acreditar que crises também abrem oportunidades. Quem investir em inovação hoje será o líder de amanhã”.
Produtos farmoquímicos, farmacêuticos e excipientes
Embora seja unânime, entre empresários e executivos da cadeia produtiva de medicamentos, a ideia de que as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo abrem um caminho sustentável para o desenvolvimento da produção local, a implementação e os resultados desse programa não têm correspondido plenamente às expectativas.
Jaime Rabi, diretor da Microbiológica, destaca que, já há algum tempo, o ambiente concorrencial não favorece a indústria nacional. “Desde a década de 1970, assistimos ao processo crescente de globalização da economia e desindustrialização da maioria dos países, incluindo o Brasil, que por diversas razões passou a depender da importação de produtos industrializados na Ásia. Mais especificamente na China, que domina quase completamente a fabricação de intermediários químicos e de IFAs. A produção chinesa foi, e continua sendo, amparada por uma política industrial que mantém o Yuan desvalorizado, custos de mão de obra baixos e produtividade alta, incentivando a verticalização e deixando de lado normas de proteção ambiental. Com a valorização do Real até recentemente e o aumento sistemático do custo Brasil, as importações resultaram cada vez mais atrativas quando comparadas com a produção local. Da mesma forma, os produtos da química fina fabricados no Brasil tornaram se relativamente mais caros que os importados, determinando a ‘desverticalização’ da produção local ou mesmo a total substituição do produto nacional. Muitas organizações industriais transformaram-se em organizações comerciais, atraídas por resultados financeiros melhores e passivos trabalhistas e ambientais bem menores”.
As estratégias para reverter o acelerado processo de desindustrialização do País, na opinião de Rabi, não foram bem-sucedidas. “Na tentativa de enfrentar este grave problema, o Brasil vinha sistematicamente optando pelo estímulo à substituição de importações como forma de incentivar a industrialização de certos setores – assim chamados estratégicos – como o da farmoquímica, por exemplo. Na versão mais recente, nas PDPs, nas quais aparentemente há um estímulo à produção nacional de IFAs, as empresas do setor são incentivadas a iniciar os projetos importando o IFA e a seguir, presumivelmente, utilizando um processo progressivo de verticalização. O poder de compra do Estado foi assim transferido para as empresas importadoras de IFAs, ou de intermediários avançados, que os fornecem para seus consorciados farmacêuticos completando a agregação de valor. Desta forma, a maior parte do resultado, inclusive o registro do medicamento, fica com a empresa farmacêutica encarregada da chamada ‘transferência de tecnologia’ às empresas farmacêuticas públicas. O ganho, para o governo, vem da diferença entre os preços praticados pelas empresas multinacionais, que originaram as tecnologias, e aqueles praticados pelos consórcios locais. Essa diferença é expressiva, pois os custos de produção (com intermediários e IFAs chineses) são relativamente baixos quando comparados com os preços de referência estabelecidos pelo fabricante de marca de um determinado medicamento”.
A contínua pressão pelo menor preço faz com que a verticalização dos IFAs no Brasil seja uma utopia impossível de ser alcançada, sentencia Rabi. “Como agravante, temos o fato de que a resposta chinesa à política industrial brasileira é oferecer IFAs a um custo bem menor que o dos intermediários. Assim, submetido à pressão oficial pelo menor preço e à necessidade de baratear custos, o industrial local é obrigado a optar pelo comércio e, eventualmente, o industrial farmacêutico se vê inclinado a eliminar esta fonte ‘local’ do IFA, que foi transformada, pelas circunstâncias, em simples intermediária. Por outro lado, o chamado catch up tecnológico através dos produtos biotecnológicos é também uma modalidade de substituição de importações fadada a terminar na mesma obsolescência programada em que se encontra a indústria farmoquímica local não inovadora”.
“Temos que acreditar que crises também abrem oportunidades. Quem investir em inovação hoje será o líder de amanhã” – Ogari Pacheco
O tempo não trabalha a nosso favor, alerta o diretor da Microbiológica. Enquanto o Brasil hesita em suas políticas de estímulo ao desenvolvimento tecnológico, a reação dos países mais avançados à desindustrialização é “a incessante inovação de processos e, principalmente, produtos, como forma de buscar liderança através do estabelecimento de novos paradigmas tecnológicos e através da chamada ‘industrialização 4.0’, que integra ao conhecimento científico e tecnológico especializado o uso da robótica. Nesse contexto de rápidas mudanças, a política industrial brasileira necessita, com urgência, converter políticas industriais de governos – sempre emergenciais, como estamos habituados a viver – em políticas de Estado que engajem os cientistas brasileiros no processo de agregação de valor com equidade social. Precisamos reverter a nossa dependência tecnológica em setores estratégicos como o químico e o farmacêutico, e atacar o problema da dissociação entre políticas industriais e políticas de ciência e tecnologia, que deveriam ser mais bem coordenadas. O imediatismo político representa uma barreira permanente à incorporação da ciência ao necessário esforço inovador nacional”.
Na opinião de Rabi, a margem de manobra do País está se estreitando perigosamente. “Se a sociedade brasileira escolher a acomodação, confiando e se submetendo às decisões e orientações políticas de ocasião, como tem ocorrido até agora, continuaremos participando do cotidiano global apenas como espectadores, pois a opção de sermos autores e atores, o que dignificaria a nossa ciência e premiaria os empreendedores de verdade, envolve o alto risco de confiar mais em nós mesmos – uma ideia que parece não transitar ainda pelas mentes dos nossos governantes. O mercado local é um bem extraordinário que devemos fazer por merecer. O conceito de mercado local como substrato para a manutenção do status quo, além de não trazer benefícios reais para a sociedade, mantém-nos ancorados ao passado – um passado cada vez mais distante das fronteiras tecnológicas”.
A Blanver, produtora de excipientes para diversos segmentos industriais, inclusive o de medicamentos, ao contrário da indústria fármaco farmacêutica nacional, experimentou uma fase de crescimento no período da liberalização das importações. Segundo o diretor-presidente da empresa, Sergio Frangioni, “na década de 1990, quando iniciamos nosso projeto de internacionalização, o Brasil reunia algumas condições básicas melhores que as atuais – por exemplo, câmbio, política salarial e apoio governamental tanto no âmbito de promoção quanto no âmbito de financiamento e custos financeiros relativos à exportação. Naquela época, o mercado brasileiro era ainda emergente, muito inferior ao mercado atual, portanto para ganhar economia de escala não existiam muitas outras opções. Ao mesmo tempo, atuando em diversos mercados era possível pulverizar o risco”.
Contudo, nos últimos anos, mesmo para uma indústria com mercados diversificados como a Blanver, o cenário vem se tornando preocupante. A percepção de risco do empresário mudou consideravelmente, observa Frangioni, “uma vez que as condições básicas também mudaram. A persistente valorização do Real na última década, a elevada carga tributária, o alto custo financeiro e as incertezas políticas pesam negativamente, e quando examinamos a opção de investir o capital em ativos financeiros com menor risco e altíssima rentabilidade a equação é ainda mais desfavorável”.
O empresário reconhece que, no caso da indústria farmoquímica, existem fatores agravantes adicionais. “Nossas fábricas e produtos são altamente regulados no mercado nacional, ao passo que os mesmos produtos, quando importados, ficam sujeitos a exigências mais brandas, tanto pelo aspecto regulatório quanto pelo aspecto trabalhista”. Ainda assim, ele reafirma sua confiança no futuro. “Nós da Blanver fazemos parte do conjunto de empresas que acredita no futuro do País, e temos uma expectativa de investir aproximadamente R$ 150 milhões nos próximos dois anos na ampliação de nossas unidades fabris, para aumentarmos de 13 para 16% nossa participação no mercado mundial”.
Produtos agroquímicos
Diferentemente do setor fármaco-farmacêutico, que na última década foi incentivado pelo governo federal a reativar a produção local, o setor agroquímico em nenhum momento chegou a contar com políticas específicas para o desenvolvimento industrial, e menos ainda para inovação. Os problemas começam com a falta de articulação entre os órgãos públicos de primeiro e segundo escalão. O relacionamento entre os três Ministérios (MS, Mapa e MMA) e duas agências (Anvisa e Ibama) envolvidos na regulação da produção, registro e uso dos defensivos agrícolas ainda é insatisfatório e dificulta a atuação do setor. Falta, também, combinar os objetivos da regulação, estritamente operacionais, com os objetivos de desenvolvimento da indústria local. Para isso, a indústria agroquímica deveria contar com o apoio adicional do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Ministério da Fazenda e do BNDES.
O incentivo à produção nacional de defensivos agrícolas deveria ser considerado importante para o País, na medida em que contribuiria diretamente para a redução do déficit comercial nesse segmento, beneficiando o agronegócio. É importante corrigir algumas distorções existentes na política industrial, tecnológica e fiscal dirigida ao setor. Muitas empresas globais atuam no mercado internacional através de tradings – intermediários que, muitas vezes, entram de maneira agressiva no mercado nacional, praticando dumping com o objetivo de alijar do mercado as empresas locais e depois adotar margens extraordinárias de lucro. Não há distinção entre uma empresa instalada no País com estrutura fabril e uma empresa de registros ou representação comercial que possui somente escritório e importa produtos. Embora a indústria instalada tenha que suportar custos fixos até que o registro seja aprovado, ao passo que o simples importador tem investimento e custo praticamente zero e só trará produto com o registro concedido, os tempos de análise e as exigências para a obtenção dos registros são iguais para todos.
As normas fitossanitárias e ambientais para produtos agroquímicos carecem de adaptação à realidade brasileira. Atualmente, os conhecimentos sobre defensivos agrícolas reunidos e divulgados pelos órgãos reguladores e laboratórios públicos nem sempre se baseiam em estudos de campo considerando as especificidades do agronegócio brasileiro – por exemplo, climas, solos e culturas específicas. Seria importante recorrer a instituições independentes que pudessem, através de estudos e pesquisas locais, contrapor-se às opiniões muitas vezes unilaterais e preconceituosas emitidas pelos órgãos regulatórios sobre o uso de defensivos. A alta qualificação da Embrapa e outras instituições de pesquisa e extensão voltadas para o agronegócio, conjugada a incentivos como a Lei do Bem, criaria condições para um aumento dos investimentos em pesquisas no País, capaz de suprir essa deficiência.
João Sereno Lammel, membro do Conselho de Administração e consultor para Desenvolvimento de Negócios da Ourofino Agrociência, entende que o excesso de burocracia e a falta de isonomia tributária são os principais obstáculos ao desenvolvimento da indústria agroquímica instalada no País. “A demora e a imprevisibilidade na obtenção de um novo registro de produto, além da já conhecida morosidade na tramitação dos processos de registros, nos impedem de avançar mais rapidamente no mercado com produção local. Essa lentidão custa, e custa muito caro para as empresas. Além do excesso de burocracia e da imprevisibilidade, temos a concorrência desigual com produtos importados já formulados e isentos de tributos, o que também desestimula investimentos na produção local”.
Em que pesem essas adversidades, a Ourofino decidiu investir no Brasil e, segundo Lammel, construiu uma das mais modernas fábricas de defensivos agrícolas do mundo, com alto índice de automação, modernidade e produtividade. “Trabalhamos com velocidade e eficiência em todos os processos, visando oferecer produtos de alta qualidade e que excedam as expectativas dos nossos clientes”.
Aditivos e catalisadores químicos
Altamente especializado e sujeito a contínuas transformações tecnológicas, o segmento de catalisadores é pequeno como negócio, porém tem enorme importância estratégica não só para o complexo industrial da química fina como também para diversas outras cadeias produtivas industriais. Essencialmente, catalisadores aceleram as reações químicas e são determinantes da economicidade dos processos químicos usados pela indústria.
A Oxiteno iniciou sua produção de catalisadores na década de 1980, especializando-se, a partir da petroquímica, na chamada “linha de geração de hidrogênio” e também na regeneração de catalisadores de refino. O fator decisivo para sua entrada nesse segmento foi o esforço do País para reverter a dependência externa no fornecimento do catalisador para conversão de eteno em óxido de eteno.
“O imediatismo político representa uma barreira permanente à incorporação da ciência ao necessário esforço inovador nacional” – Jaime Rabi
O segmento de catalisadores da Oxiteno está focado basicamente em linhas de catalisadores para produção de hidrogênio, anticorredores para redução de enxofre, tratamento de gás natural e regeneração, que consiste na recuperação de catalisadores usados deixando-os em condições de performance comparáveis às de um catalisador novo. Boa parte da estrutura de produção de catalisadores é usada pela Oxiteno para a pesquisa de produtos com melhor desempenho e menor custo de produção, o que leva à otimização dos processos, e também para a pesquisa de novas matérias-primas.
A Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC), empresa que tem como sócios a Petrobras e a Albermale Corporation, dedica-se fundamentalmente ao segmento de catalisadores para refino de petróleo. A mais nova frente tecnológica aberta pela empresa tem como objetivo a produção de catalisadores de hidroprocessamento, etapa necessária e crítica para a produção de combustíveis limpos no Brasil.
A catálise, incluindo seus novos desdobramentos a partir do advento da biotecnologia, além de ter uma ampla gama de aplicações industriais, configura um campo extremamente rico para os centros de pesquisa universitários e tecnológicos, o que representa um estímulo à construção de parcerias. Com a implementação de políticas de apoio à inovação tecnológica, no segmento de catalisadores a integração universidade-empresa tem sido formalizada principalmente para biocombustíveis de segunda e terceira geração, no caso do etanol, e para biodiesel.
A falta de produtores de enzimas no País determina uma fragilidade da cadeia química e ameaça o desenvolvimento da biotecnologia nacional, na medida em que as enzimas são biocatalisadores por excelência. A carência de produtores locais repercute de forma direta e negativa em diversos setores dependentes de catalisadores, como as indústrias de alimentos e bebidas, álcool combustível, têxtil, papel e celulose, couro, detergentes, óleos e gorduras, fármacos quirais, agentes terapêuticos diversos e tecnologias ambientais.
O complexo industrial da química fina tem grande potencial para o uso de enzimas. Os chamados processos de bioconversão oferecem vantagens técnicas, econômicas e ambientais em comparação com os processos convencionais de síntese química, tais como a formação de produtos com químio, régio e enantiosseletividade (menor formação de subprodutos), uso de condições brandas de reação e baixo consumo de energia. Sua aplicação industrial vem adquirindo importância crescente, especialmente quando voltada para a produção de fármacos e intermediários quirais.
Existe a expectativa, também, de que o Brasil possa vir a produzir mais etanol a partir de biomassa, através da produção de açúcares fermentáveis oriundos da hidrólise enzimática de celulose e hemicelulose. Além disso, enzimas têm aplicações terapêuticas – anticoagulantes, antileucêmicos e para reposição de enzimas metabólicas, entre outras – e em análises clínicas, compondo kits diagnósticos. Estima-se que o mercado mundial de biocatalisadores seja superior a US$ 5 bilhões, enquanto o mercado externo brasileiro está em torno de US$ 400 milhões, prevalecendo as importações.
Produtos derivados da biodiversidade
Há cerca de um ano entrou em vigor a Lei da Biodiversidade (nº 13.123/2015), que estabelece novas regras para acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, bem como para repartição de benefícios. Pode-se dizer que, desde então, os centros de pesquisa e as universidades passaram a ter condições de prospectar produtos e processos a partir da biodiversidade brasileira. Diversos setores da indústria utilizam a biodiversidade como matéria-prima ou como parte de seu negócio, conforme sua vocação, caminhos de desenvolvimento, aprendizado e recursos.
De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente, o Brasil, que ocupa quase metade da América do Sul, é o país com a maior diversidade de espécies no mundo, distribuídas em seis zonas biogeográficas (biomas) terrestres e três grandes ecossistemas marinhos. Os biomas brasileiros, por abrigarem uma diversidade biológica ainda pouco conhecida, são subutilizados pela indústria. Há um grande potencial a explorar, mas para isto é necessário conhecer o quadro atual – o quanto se usa e sua importância relativa para a economia dos estados e do País.
O economista da USP Sérgio Salles elaborou um trabalho que analisa o uso econômico da biodiversidade em cinco unidades da Federação: Amazonas, Bahia, Goiás, Minas Gerais e Paraná. O foco foi o estudo do uso direto da biodiversidade, sua importância econômica e potencial para esses estados e, por extensão, para a economia brasileira em geral. Segundo o pesquisador, além dos tradicionais segmentos do agronegócio, tipicamente baseados em recursos genéticos, há outros para os quais as relações com a biodiversidade não são tão amplamente conhecidas, mas que têm importância econômica elevada. Têxtil, energia, insumos farmacêuticos e a indústria de cosméticos e higiene pessoal são alguns exemplos. A origem do componente da biodiversidade utilizado como matéria-prima ou insumo de processos e produtos industriais depende do setor da indústria e do agronegócio.
O estudo demonstrou que, de modo geral, o peso econômico da exploração direta da biodiversidade ainda está fortemente fundado em commodities. Entretanto, atividades baseadas em produtos não convencionais ou nichos de mercado começam a ganhar importância. Alguns produtos de nicho ou não convencionais, tais como palmito, erva-mate, madeiras especiais, carvão vegetal não extrativo, açaí, biocombustíveis e mesmo o guaraná, para citar alguns que se destacaram no estudo, já começam a figurar nas estatísticas. Cacaus finos, cafés especiais, florestas diversificadas, extrativismo sustentável de madeira, uso de extratos da biodiversidade para cosméticos, cafeína, peixes ornamentais, resinas, bálsamos naturais, óleos essenciais, dentre outros produtos tratados no estudo, despontam como atividades econômicas de alto potencial de crescimento, algumas já se entrelaçando com commodities e promovendo diversificação de mercados.
O empresário Peter Andersen, presidente do Grupo Centroflora, vê boas perspectivas nesse segmento de negócio. “Estamos percebendo uma movimentação do mercado farmacêutico no sentido da inovação baseada em biodiversidade brasileira, como uma forma de estabelecer cadeias produtivas proprietárias, de alto valor agregado e cunho sustentável, ampliando assim o potencial competitivo do setor. Nesse sentido, o apoio institucional do governo, através de políticas públicas e o aprofundamento de medidas regulatórias, tanto no âmbito da propriedade intelectual, quanto na segurança jurídica relacionada ao acesso ao patrimônio genético (através da nova lei de acesso que entrou em vigor em novembro de 2015, e que ainda tem muitos pontos incertos e não regulamentados), é extremamente importante”.
Produtos para a área nuclear
O complexo industrial da química fina inclui fabricantes de produtos do interesse da estratégica área nuclear. Esse segmento fornece intermediários químicos e especialidades da química fina a partir de matérias-primas e fontes radioativas que são aplicados, por exemplo, na produção de medicamentos. Minerais radioativos, devido ao seu valor estratégico para a defesa e a segurança nacional, têm seu comércio controlado pela União, sob a coordenação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
O Programa Nuclear brasileiro abrange um amplo uso da energia nuclear, sempre voltado para fins pacíficos. Hoje existem cerca de três mil instalações em funcionamento em todo o País, que exploram de alguma maneira a energia nuclear e utilizam materiais ou fontes radioativas como combustíveis para setores da indústria, da saúde e da pesquisa, principalmente na área química. Segundo Paulo Roberto Cruz, coordenador de Matérias-Primas da CNEN, “ainda assim, a energia nuclear aqui produzida é ínfima, muito pequena em relação, por exemplo, à energia de origem hídrica e, em menor proporção, à de origem térmica”.
Embora o Brasil seja um grande consumidor de energia elétrica, boa parte da população tem acesso precário ou não tem acesso às redes de distribuição de eletricidade, observa Cruz. “A utilização da energia nuclear se impõe como uma opção para aumentar a disponibilidade da energia elétrica à população. Vale lembrar que o País possui a sexta maior reserva de urânio do mundo, elemento indispensável à produção de energia nuclear, e que a produção de energia hidrelétrica cobra um alto preço no aspecto ambiental, devido à implantação das fundações das hidrelétricas, à alteração dos cursos de rios, ao alagamento de grandes áreas e ao desmatamento no entorno do represamento das águas”.
O Brasil possui consideráveis jazidas de minerais nucleares, como terras-raras e minérios contendo lítio, como o espodumênio. O lítio é um elemento químico que provavelmente substituirá o urânio em usinas atômicas no futuro, por ser capaz de produzir energia nuclear limpa, sem deixar resíduos radioativos. O executivo da CNEN destaca que “o lítio encontra várias aplicações importantes na indústria nuclear, tanto na sua forma isotópica natural quanto sob a forma enriquecida de seus isótopos, com diferentes aplicações nucleares, como na produção de detetores de neutrons, no controle da acidez da água de refrigeração dos reatores de potência e na produção do trítio para a fusão nuclear, capaz de gerar uma reação que é vislumbrada como a fonte futura de energia inesgotável”.
O isótopo lítio-6 pode ser usado como blindagem contra os efeitos da radiação e também em aplicações no controle de reatores nucleares, uma vez que tem elevada seção de choque para absorção de neutrons térmicos, explica Cruz. “Seu uso como blindagem contra radiações tem a enorme vantagem de absorver neutrons sem emitir raios gama, o que torna desnecessária a instalação de proteção secundária”.
Paulo Sérgio Castro Renesto, diretor de Operações da CBL (Cia. Brasileira de Lítio), exalta as possibilidades de aplicação do lítio na produção de energia nuclear, mais especificamente na fusão nuclear controlada. “O lítio também é usado para acondicionar os trocadores iônicos do tratamento de água em reatores nucleares, conforme se verifica nas usinas de Angra. O aproveitamento do mineral na área nuclear envolve uma particularidade: como o lítio se encontra muito diluído na natureza, ele precisa ser enriquecido por intermédio de rotas químicas que resultam na produção de seus derivados. Dessa forma, para aproveitar todas as potencialidades do produto, o País precisa dispor de unidades industriais capazes de realizar os processamentos químicos e que possam ser mobilizadas pela Nação visando à produção de Li6 para emprego na área nuclear com fins pacíficos. É o que ocorre no Brasil, onde há atualmente apenas uma empresa privada dedicada à prospecção, lavra e industrialização do espodumênio, que é um minério de lítio. Hoje o lítio vem sendo industrializado na forma de hidróxido e carbonato. A partir desses dois compostos constrói-se uma vasta tecnologia química do lítio”.
“Há uma movimentação do mercado farmacêutico no sentido da inovação baseada em biodiversidade brasileira, como forma de estabelecer cadeias produtivas proprietárias, de alto valor agregado e cunho sustentável, ampliando assim o potencial competitivo do setor” – Peter Andersen
O diretor da CBL ressalta que, apesar da importância estratégica do lítio para o País, recentemente o setor de energia nuclear nacional enfrentou dificuldades na aquisição do lítio-7. Segundo ele, “atendendo a um pleito das usinas, a CBL está em tratativas com o IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) para fazer pesquisas de separação isotópica via troca iônica, mas aguarda decisão sobre o financiamento necessário”.
Rex Nazaré, consultor na área nuclear, chama a atenção para o fato de materiais, instalações e equipamentos nucleares constarem da chamada trigger list, isto é, do conjunto de tecnologias consideradas sensíveis e com comércio controlado. A trigger list estabelece “um novo tratado de Tordesilhas entre os países, quer em mercado quer em poder. Suas aplicações têm direto alcance na área médica de diagnóstico e terapia, na agricultura e na indústria. Seu domínio além do mercado interno abre consideráveis alternativas no mercado externo”. Segundo Nazaré, a ABIFINA, “que sempre esteve na vanguarda de desafios de interesse nacional, poderia sem dúvida realizar um grande serviço para o País acompanhando a capacidade autônoma do Brasil em cada um desses setores”.