Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) registrou que o Brasil apresenta um processo de “desindustrialização precoce”.
Historicamente, desde o período de Vargas nos anos 40 até a segunda metade dos anos 80, o Brasil adotou políticas industriais especificamente visando incentivar a fabricação local de produtos estratégicos para o desenvolvimento econômico e social soberano do País.
No final dos anos 80, devido ao descontrole das finanças públicas ocorrido no mundo, economistas construíram um novo modelo financeiro divulgado em 1989 pelo nome “Consenso de Washington”, o qual foi adotado pelo Brasil nos anos 90 em sua integralidade e sem período de carência. Com esse modelo, o País abandonou de pronto as políticas públicas visando a seu desenvolvimento industrial, bem como promoveu a prematura e unilateral abertura comercial, a desregulamentação financeira e a redistribuição regressiva da renda. Diziam os economistas que comandavam a Fazenda e o Banco Central no País à época que “a melhor política industrial era não ter política industrial”.
Evidentemente que os países já desenvolvidos industrialmente, como Estados Unidos e Inglaterra, criaram essa “milagrosa” fórmula econômica definida pelo Consenso de Washington focando exclusivamente seus interesses no mercado externo. Nações do porte do Brasil, que já contavam com mercado interno emergindo de forma expressiva, com uma base produtiva e tecnológica instalada e com enorme potencial em recursos naturais e humanos, certamente deveriam ter adotado uma abertura comercial de forma gradual como fez a Índia, para permitir a sobrevivência das indústrias locais. Além disso, deveriam criar e desenvolver um projeto de longo prazo objetivando reforçar a industrialização local para assegurar um desenvolvimento econômico e social duradouro capaz de minimizar os efeitos de crises internacionais, como fizeram Coreia e Indonésia.
A substituição do modelo de desenvolvimento promovido pelo Estado pelo liberalismo econômico definido no Consenso de Washington resultou numa série de crises financeiras internacionais – como a russa, em 1998, e a brasileira, em 1999 –, mas que ainda puderam ser localmente controladas. Porém, a partir de 2008, o sistema financeiro internacional contaminou-se com imprevisíveis resultados no curto e médio prazos. A indústria brasileira, que representava 35% do valor agregado no País em 1970, caiu à metade em 2010.
No momento em que se buscam novos caminhos para a economia internacional, nada melhor do que recuperar a memória do modelo econômico que deu certo na formulação inicial da economia capitalista norte-americana, vigente até hoje.
Assim, merece ser lembrada a curta e rica trajetória de vida pública de Alexander Hamilton, criador do modelo norte-americano de economia capitalista, implantado a partir de 1789, quando ele exerceu as funções de secretário do Tesouro do primeiro governo republicano dos EUA.
Alexander Hamilton, nascido nas Antilhas em 1757, aos 15 anos migrou para os EUA, tendo ingressado aos 18 anos no corpo de voluntários para a campanha de independência daquela nação (1775-1783), sob o comando de George Washington. Dada sua grande capacidade criativa e inteligência, já aos 19 anos passou a fazer parte do Estado Maior de George Washington, tornando-se chefe desse grupo de inteligência dois anos mais tarde.
Foi eleito para o Congresso e, em 1789, nomeado secretário do Tesouro do primeiro governo republicano dos EUA, presidido por George Washington. Em 1791, encaminhou à Câmara dos Deputados o seu famoso “Relatório sobre as Manufaturas”, um verdadeiro tratado definindo o processo de industrialização que seria adotado pelos EUA. É bom recordar que nessa época vigia no Brasil o alvará de D. Maria I de Portugal proibindo a existência de indústrias locais.
Certamente, por ser um imigrante, mestiço e filho bastardo, Alexander Hamilton, em nosso entendimento, não teve reconhecido até hoje seu relevante valor na construção da economia capitalista naquele país. Pelo contrário, suas características pessoais – bastante distintas do perfil anglo-saxônico e sempre maldosamente lembradas por adversários políticos – criou-lhe situações que o levavam ao desespero, com destaque para o confronto final que resultou na sua morte em duelo com Aaron Burr, em 1804, somente com 47 anos de idade.
Como secretário do Tesouro dos EUA, foi o responsável pela criação do Banco Central, do Sistema Tributário e da Organização das Contas Públicas em um único Orçamento da União dos Estados Norte-Americanos, a despeito da resistência encontrada de parte das treze colônias tornadas independentes da Inglaterra.
O seu “Relatório sobre as Manufaturas” definiu um conjunto de políticas públicas visando ao desenvolvimento industrial e tecnológico do país, nas quais foi priorizado o atendimento ao mercado interno pela produção local em vez das importações – por ser este o caminho mais seguro e eficaz para o soberano desenvolvimento econômico do país. Textualmente, aí está escrito que “a importação de bens manufaturados, invariavelmente, priva de sua riqueza os povos meramente agrícolas”, e “não somente a riqueza, mas a independência e a segurança de um país parecem estar intimamente ligadas à prosperidade das manufaturas”.
No que se refere à alegada elevação de preços decorrente de tais políticas, ele declarava não ser razoável supor que a adoção de medidas que obstaculizem a livre competição com artigos estrangeiros resultem em um aumento de preços – embora isso possa ocorrer num primeiro momento. A realidade mostra, declara Hamilton, que a indústria local, quando amadurece, emprega um grande número de pessoas e gera a competição interna, assim eliminando qualquer possível monopólio para, gradualmente, levar à redução no preço do artigo ao mínimo razoável acima do capital investido. De forma magistral, arremata Hamilton: “uma nação incapaz de oferecer ao mercado mais que uns quantos produtos ver-se-á mais direta e tangivelmente afetada pelo estancamento da demanda do que uma que disponha permanentemente de grande variedade de mercadorias”. Essa frase até parece ser premonitória daquilo que certamente ocorrerá com o Brasil se continuar dependente da importação de produtos para atender ao mercado local, em especial em áreas estratégicas.
A UNCTAD corretamente defende uma discussão menos ideológica da política industrial, embora reconheça que essa política sozinha dificilmente vai gerar resultados satisfatórios.
Nesse cenário, deve ser ressaltado que a ABIFINA não defende uma “seleção de empresas vencedoras pelo BNDES”, nem isenções fiscais para os “amigos da corte”, como maldosamente dizem os economistas neoliberais tupiniquins.
O que propomos, na forma sugerida por esse órgão da ONU, consiste na integração das políticas macroeconômicas, financeiras, industriais e de comércio exterior, como receita perfeitamente adequada para o início de uma retomada de investimentos e criação de empregos, paralelamente ao rigoroso ajuste das contas públicas que está em execução.
Nesse quadro, a construção das tão faladas parcerias público-privadas para obras de infraestrutura ou visando atender ao mercado público, em especial na área da saúde, deveria ser retomada e mantida com regras claras ao longo do tempo, para conferir segurança institucional ao sistema.
Para tanto, o Parlamento Nacional deverá construir com a sociedade, através de suas entidades representativas, um Projeto de Estado com longo prazo de duração, em vez de simplesmente construir pautas para resolver problemas regionais ou paroquiais, visando unicamente a interesses político-partidários.
A inexistência de tal Projeto de Desenvolvimento definido para o Longo Prazo fatalmente levará o País a continuar economicamente estagnado e sem a menor perspectiva de recuperação.