REVISTA FACTO
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Out-Dez 2016 • ANO X • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Propriedade Intelectual, Regulação e o setor Agroquímico

Passadas duas décadas da vigência da Lei 9.279/96, algumas transformações drásticas puderam ser percebidas pelo setor industrial de produção nacional. Muito além da ampliação das atribuições do INPI quanto ao escopo do que pode se tornar uma patente, tem-se aferido que o segmento agrícola sofre densos impactos advindos das condutas dos titulares de tecnologias. Numa análise conglobante de todos os setores de atuação econômica, as idiossincrasias peculiares ao ambiente agroquímico resvalam no projeto desenvolvimentista da Constituição, seja no tocante à oferta (e preço) de alimentos ou naquilo que é atinente às exportações de commodities, e, portanto, na competitividade da indústria patrícia num contexto mercantil internacional.

Há aqui um fator constante do contexto que versa sobre a mora sistemática da autarquia em examinar os pedidos de patente, impingindo que a forma de contagem das patentes transmude-se de 20 anos (contados desde a época do depósito) para 10 anos da data da concessão – o que, na prática, pode engendrar uma exclusividade fática de mais do que duas décadas. Outra circunstância contextual do setor versa sobre o amplo predomínio das quantidades de titularidades de pedidos e de patentes concedidas às sociedades empresárias de capital e produção estrangeira.

Entretanto, se as duas circunstâncias narradas não são particularmente distintas daquilo que ocorre no segmento farmacêutico e biotecnológico, há três variáveis que merecem especial atenção de todos os agentes econômicos pertinentes. Uma delas cuida dos artifícios enveredados pelos titulares de tecnologia em i) depositar inúmeros pedidos visando proteger uma só molécula e cercear tentativas legítimas de contorno tecnológico por parte dos não-titulares; ii) realizar divisões de pedidos de patente e iii) depositar quadros reivindicatórios pouco claros e muito vastos, para, ulteriormente, modificar o escopo de sua propriedade.

Nesse tipo de artimanha, costuma haver uma judicialização incidental pela negativa (correta) por parte do INPI em permitir a manipulação do sistema, visando ao retardo do acesso à concorrência em teor do estado da arte que não deveria ser apropriado individualmente (ou, ao menos, não na forma pleiteada). Entretanto, a situação litigiosa em si já é capaz de trazer benefícios econômicos aos interessados, por afugentar os terceiros que aguardavam a solução administrativa e por não contar o INPI com a estrutura ou o capital para fazer frente aos portentos escritórios de advocacia (e seus pareceristas renomados) que patrocinarão as causas.

A quantidade de tempo disponível para realizar os quesitos, as assistências técnicas nas causas que sempre contam com perícia, bem como o hiato empenhado na busca de anterioridades torna o sistema viciado em desfavor da sociedade e dos interesses públicos imbricados no múnus do INPI. O mero fato de não haver um costume de oferecer subsídios para melhorar a qualidade do exame administrativo já denota as razões pelas quais a quantidade de resultados favoráveis à indústria estrangeira ultrapassa com folga o que ocorre em outros setores.

Uma segunda variável importante sobre o desequilíbrio de forças tem a ver com a maior aglutinação de poder econômico e de market power advindo das patentes de invenção concedidas para o segmento. Poucos são os ramos tecnológicos que contam com uma concentração oligopolista tão marcante e que, a se confirmar a incorporação societária de dois dos major players (Monsanto e Bayer), aproximar-se-á de uma situação de semimonopólio. Somada a escassez de agentes que contam com titularidades tecnológicas, tem-se como importante o tratamento diferido, advindo de uma lei própria (10.603/2002), que trata dos dossiês submetidos às autoridades regulatórias para a autorização de comercialização. Ou seja, de modo distinto ao que ocorre em qualquer outra seara tecnológica, a produção de medicamentos veterinários e de defensivos agrícolas resulta, constantemente, em duas exclusividades simultâneas, de natureza diversa, sobre um idêntico produto.

Neste contexto, além de uma análise minuciosa acerca das rotas de síntese interditadas perante o INPI, a sociedade empresária de produção nacional ainda precisa apurar junto ao Ibama, Mapa e Anvisa qual o lapso da proteção havida com o direito de propriedade cognominado de data protection. Nota- -se, aliás, a tentativa de banalizar o conceito de nova entidade química (o que resulta em exclusividade de até uma década) para moléculas já conhecidas, mas com um novo emprego.

A terceira peculiaridade ínsita ao setor tem ocorrido numa criativa combinação entre obsolescência programada e impactos ambientais regulatórios. Uma conduta cada vez mais comum, por parte dos titulares de registro de referência, tem ocorrido às vésperas do domínio público de uma patente de invenção importante: subsídios e pleitos para que as autoridades regulatórias façam reavaliações toxicológicas. Ou seja, se um determinado teor, por exemplo, de 10% sempre foi tolerado, na iminência do ingresso de novos agentes econômicos para a exploração da oportunidade de um mercado diminui-se o percentual aceito em graus de impureza ou de impacto, fazendo com que apenas o titular da nova tecnologia interditada possa continuar naquele nicho. Noutras palavras, burla-se o welfare concorrencial advindo do domínio público, via legitimação de discursos politicamente corretos acerca de danos ambientais, que sempre existiram, mas só se tornaram política pública quando passaram a lesar os interesses dos fatores reais do poder. Logo, não se contempla aquilo que os economistas narram sobre o desenvolvimento dinâmico ou sobre destruição criativa no campo tecnológico.

Em adição às práticas estratégicas e agressivas narradas, cuida-se de uma área que vive um exponencial momento de ações coletivas que podem alterar toda a arquitetura dos planejamentos de cada agente econômico. Como as associações classistas representativas da indústria com produção local têm sido extremamente passivas, tramitam Ações Diretas de Inconstitucionalidade que questionam: i) o dispositivo que altera e prorroga os prazos de patentes (art. 40, § único, da Lei 9.279/96 – ADI 5061 e ADI 5529); ii) o dispositivo que permitiu a privatização de tecnologias já em domínio público (art. 229 e 230 da Lei 9.279/9 – ADI 4234) e iii) a política pública de subsídios ao setor agro (Convênio 100/97 do Canfaz e Decreto 7.660, de 23 de dezembro de 2011 – ADI 5553). Todas seguem sem um acompanhamento e uma intervenção pormenorizada.

De outro lado, as associações classistas que representam os titulares de exclusividades (patentes, data protection etc.) desempenham saudável papel de influência na defesa de seus interesses, promovendo palestras, elaborando cartilhas explicativas, fazendo- -se presentes em audiências públicas e realizando o convencimento dos órgãos e pessoas jurídicas de direito público peculiares ao setor. Ressalvada alguma vicissitude nos rumos dos estratagemas adotados pela indústria de reprodução tecnológica, é possível estimar que seu papel nas “batalhas” em curso não passará de mera expectadora de toda a trama, sem qualquer garantia de um “final feliz”.

Contemplados os fatos geradores condicionantes e determinantes dos maiores problemas do setor, é possível constatar que apenas uma reunião associativa e proativa poderá minimizar os danos perpetrados pelas condutas predatório-concorrenciais praticadas nas últimas décadas. No velho brocardo latino, o direito não socorre àqueles que dormem.

Pedro Marcos Nunes Barbosa
Pedro Marcos Nunes Barbosa
Sócio de Denis Borges Barbosa Advogados ([email protected]). Professor do Departamento de Direito da PUC-Rio. Doutor em Direito (USP), Mestre em Direito (UERJ) e Especialista em Propriedade Intelectual (PUC-Rio)
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