REVISTA FACTO
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Out-Dez 2016 • ANO X • ISSN 2623-1177
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//Artigo

O Desenvolvimento Produtivo e as Plataformas Inteligentes

Após mais de um ano de paralisia e informações contraditórias, no dia 19 de outubro foi realizada em Brasília reunião do Gecis e do Conselho de Competitividade do Complexo da Saúde, cuja pauta foi a retomada das ações relativas à Política de Desenvolvimento Produtivo do Ministério da Saúde. Presidida pelo ministro Ricardo Barros, contou ainda com a presença do secretário Marco Antônio Fireman, do diretor do Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde (DCIIS), Rodrigo Silvestre, e de outras autoridades. Pelo Conselho, compareceram praticamente todos os representantes da indústria e dos serviços de saúde. Muito embora a expectativa da maioria dos participantes fosse o anúncio de ações concretas de continuidade da Política, a reunião tratou essencialmente da apresentação de propostas de ajustes na mesma.

As primeiras foram apresentadas pelo ministro sob o título geral de “Nova Política de Inovação para o Complexo Econômico da Saúde”. Sob esse tema, se abrigam promessas de investimentos em infraestrutura fabril de medicamentos de síntese e biológicos. O destino dos investimentos, no valor de cerca de R$ 6,5 bilhões e para os quais não foi informado um cronograma de execução, é a rede de laboratórios oficiais. Com o objetivo de reorganizá-la e torná-la mais competitiva e sustentável, estão reservados cerca de R$ 340 milhões. E especificamente para os medicamentos biológicos, foi prometida a construção de três novas fábricas em Biomanguinhos, Butantan e Tecpar no valor de R$ 6 bilhões. Embora não tenha ficado claro, tudo sugere que a nova fábrica de Biomanguinhos seja o já iniciado Novo Centro de Processamento Final (NCPFI), em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. O Instituto Butantan tem, no momento, três unidades fabris em etapas distintas de construção, relativas às vacinas contra a dengue e o HPV e a obra de ampliação da fábrica de soros e almoxarifado. Não fica claro se os investimentos mencionados pelo ministro se destinam a essas obras. No que se refere ao Tecpar, muito provavelmente o anúncio diz respeito à também já projetada fábrica do Instituto em Maringá, em parceria com a empresa russa Biocad. Finalmente, o ministro anunciou a disposição em propor encomendas tecnológicas no campo de equipamentos de saúde e parcerias para a fabricação de medicamentos contra doenças raras.

A reunião seguiu com a apresentação do diretor do DCIIS, Rodrigo Silvestre, que consistiu numa proposta sobre a política do Ministério da Saúde para o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, cujo nome foi alterado de “Política de Desenvolvimento Produtivo” para “Plataformas Inteligentes de Tecnologia em Saúde”. Além da mudança de nome, a proposta contemplou uma reorganização dos temas tradicionalmente envolvidos pela política.

A nova organização destaca oito plataformas, incluindo alvos terapêuticos (doenças raras e doenças negligenciadas) e rotas tecnológicas e produtivas (biotecnologia, síntese química, fitoterapia, hemoderivados, produção de radiofármacos/medicina nuclear e produtos para saúde). Outros alvos terapêuticos são contemplados subsidiariamente na plataforma de síntese química (oncológicos, ARVs e imunossupressores).

São apresentadas três modalidades de atuação da política, também já contempladas há tempos. São elas as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, de longe a modalidade de atuação mais prevalente e a única que já apresentou resultados concretos, a compensação tecnológica off set e a encomenda tecnológica.

Na sequência, foram apresentadas várias ações programadas no terreno da cooperação e articulação interinstitucionais e capacitação, bem como três medidas concretas: a continuidade da edição de portarias que elencam as prioridades do SUS no campo tecnológico-industrial, agora denominadas “Lista de Tecnologias Estratégicas para o MS”, a criação de um grupo de trabalho para a revisão do marco regulatório do Complexo Econômico-Industrial da Saúde e a “Integração das pautas estratégicas para o Ceis”, incluindo a questão tributária, o poder de compra do governo e o relacionamento internacional.

A melhor notícia que emergiu da reunião do Gecis é a evidência declarada de que o gestor federal do SUS continuará a ter as políticas tecnológica e industrial como uma das atribuições da política pública de saúde. Entretanto, restam alguns desafios que merecem comentário.

O primeiro deles diz respeito ao escopo e às etapas de implementação das Plataformas Inteligentes. Não restam dúvidas de que a reorganização conceitual dos componentes da política contribui para um melhor entendimento das pretensões da atual equipe do Ministério da Saúde nesse terreno e, igualmente, tornam públicos os compromissos com a mesma. Entretanto, a proposta de lançar um olhar mais abrangente sobre a atuação do gestor federal do SUS frente ao Complexo Econômico Industrial da Saúde exige ainda maior adesão a um esquema de prioridades. Os sujeitos atuantes no Conselho de Competitividade ficam a aguardar esse esquema, que não foi explicitado.

Dentre as três modalidades de atuação da política – PDPs, encomendas tecnológicas e modalidades de compensação tecnológica –, a primeira tem sido a principal ferramenta a impulsioná-la tendo já alcançado um grau de amadurecimento e formalização que sugere apenas melhorias incrementais. Nessa perspectiva, talvez a prioridade seja a de não recuar dos mecanismos colegiados de avaliação dos candidatos, bem como sustentar durante toda a vigência dos contratos os compromissos de prazos e preços neles estabelecidos. Esses dois pontos não vêm sendo atendidos adequadamente nos últimos dois anos.

A introdução da modalidade de encomendas tecnológicas é mais recente e veio adquirindo força conforme as estratégias da indústria foram se inclinando para a exploração de inovações mais sofisticadas. Essa modalidade operacional já teve aprovadas algumas propostas, muito embora talvez não tenha ainda sido encontrada uma fórmula capaz de fazê-la ocupar o lugar que merece no âmbito da Política de Desenvolvimento Produtivo. Não resta muita dúvida de que as encomendas tecnológicas devem ocupar um lugar de crescente importância na política e contribui para essa tendência o espaço que o Profarma/ BNDES vem conferindo a operações dessa natureza em suas novas propostas de atuação.

Em linhas gerais e no que interessa à política do Ministério da Saúde, o mecanismo de compensação tecnológica off-set consiste na inclusão de obrigações por parte de uma empresa contratada no exterior, estabelecidas pelo contratante, como contrapartida a uma compra de produtos a essa empresa. Habitualmente, a compensação se dá mediante a transferência de tecnologias embutidas no produto adquirido ou um investimento produtivo a ser instalado no país comprador. Outra forma comum de compensação diz respeito à capacitação produtiva ou tecnológica de técnicos do país comprador na sede da empresa vendedora ou a vinda de técnicos ao país comprador. Essas modalidades de compensação não são mutuamente exclusivas. No Brasil, nos últimos anos, o off-set tem sido utilizado no âmbito da Estratégia Nacional de Defesa, decretada em 2008. No campo da saúde, a modalidade de compensação tecnológica mais recente vem sendo utilizada na modernização e aparelhamento do Programa Nacional de Radioterapia do SUS desde 2012. Nesse projeto, a aquisição de um grande número de aceleradores da empresa norte americana Varian está tendo como compensação a construção de uma planta industrial da empresa em Jundiaí/SP. Outra experiência de compensação tecnológica no Brasil na área da saúde ocorre no campo das vacinas, em que há algumas décadas os laboratórios públicos Biomanguinhos e Butantan adquirem produtos de fabricantes estrangeiros para fornecimento ao Programa Nacional de Imunizações, tendo como compensação suas respectivas capacitações tecnológicas relativas ao produto adquirido e, eventualmente, a outros produtos.

O mecanismo de off-set é adequado quando há duas condições pré-estabelecidas. A primeira é a inexistência de tecnologia e/ou de produção locais, como nos dois casos citados relacionados à saúde. Posto de outra forma, as compensações tecnológicas não devem competir com capacidades instaladas locais.

Não há no País nem tecnologia nem produção de aceleradores para radioterapia. Igualmente, no tempo em que cada aquisição de vacinas foi realizada, não havia capacidades tecnológicas ou produtivas locais para os produtos adquiridos. A segunda condição é que o comprador brasileiro dos produtos a serem adquiridos no exterior seja um monopsônio no âmbito do sistema público, como ocorre na prática com os produtos envolvidos nos dois exemplos citados. Dito de outra forma, é necessário que haja a possibilidade de que a compra dos produtos seja centralizada e exclusiva no âmbito público pelo ente comprador (nos casos mencionados, o Ministério da Saúde e cada um dos dois laboratórios oficiais envolvidos).

A respeito ainda do mecanismo de off-set, vale lembrar que várias das PDPs já estabelecidas tiveram seu ciclo de desenvolvimento e produção integralmente realizados por indústrias farmacêuticas privadas locais. Outras tiveram (ou estão em processo de ter) a produção local subsequente a uma compra e absorção de tecnologia externa também por parte de empresas privadas nacionais. A substituição dessa última modalidade por uma rota de compensação tecnológica na qual a compra de produtos no exterior seja “compensada” pela transferência de tecnologia diretamente a um laboratório oficial – tal qual foi feito para as vacinas – poderá ser altamente prejudicial à indústria farmacêutica privada com produção local e à própria política do Ministério. Em primeiro lugar, porque a indústria farmacêutica privada possui maior capacidade de absorver tecnologia do que a rede de laboratórios oficiais.1 Em segundo lugar, porque a indústria privada pode contribuir com o compartilhamento de riscos tecnológicos e produtivos, protegendo a rede oficial de eventuais insucessos. A diferença entre o bem-sucedido off set realizado por Butantan e Biomanguinhos e a sua problemática replicação no terreno de medicamentos é que, naquele caso, não havia (como não há até hoje) uma indústria privada local no campo de imunobiológicos.

Encerro não sem antes fazer um comentário sobre o maior desafio que se coloca para a política das Plataformas Inteligentes de Tecnologia em Saúde e que, infelizmente, está fora dos limites de governabilidade de seus planejadores e executores. De resto, é um desafio que se coloca para o SUS como um todo e reside nas repercussões financeiras decorrentes da PEC-55 (antiga PEC-241). Já é bem vasta a bibliografia que procura dimensionar quantitativamente esse impacto e sobre ele não vale a pena reiterar. No ano de 2015 e neste que corre, nos quais a orçamentação e execução financeira vêm sendo regidas pelas imposições de uma recessão mais do que evidente, já se observa uma pressão insuportável sobre a assistência farmacêutica do SUS e sobre o Programa Nacional de Imunizações. Contingenciamentos orçamentários agravados por tetos financeiros a menor e irregularidades no desembolso vêm dificultando o cumprimento adequado da missão dos laboratórios oficiais e das empresas privadas com produção local. No terreno das PDPs, observam-se desde o ano passado inúmeras agressões ao disposto nos contratos quanto a preços de aquisição de medicamentos. Se essa é a realidade atual, muito pior será a que virá com o já aprovado aumento para 30% nas desvinculações do orçamento federal, associadas ao congelamento das despesas federais conforme disposto na PEC. Muito além da boa vontade do ministro e do entusiasmo do diretor do DCIIS/MS, esses constrangimentos é que governarão a política do Ministério e os destinos do SUS.

Reinaldo Guimarães
Reinaldo Guimarães
2º vice-presidente da ABIFINA.
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