REVISTA FACTO
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Jul-Set 2016 • ANO X • ISSN 2623-1177
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//Destaque

VII SIPID DEBATE 20 ANOS DA LPI

Vinte anos se passaram desde que a Lei da Propriedade Industrial foi sancionada no Brasil. Nesse período, a indústria nacional, especialmente a da área da saúde, tem enfrentado diversas batalhas no campo das patentes e das políticas públicas para garantir a prevalência do interesse nacional e impedir abusos do direito à PI que prejudiquem o desenvolvimento da produção local. No âmbito internacional, os esforços se concentram em combater as cláusulas TRIPs Plus já existentes na lei e tentar impedir a inclusão de novas. Para refletir sobre as transformações dos cenários nacional e mundial ao longo dessas duas décadas, a sétima edição do SIPID – Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento reuniu, no dia 20 de setembro, nomes de peso dos setores público e privado.

Este ano, o tema central foram os 20 anos da nossa Lei da Propriedade Industrial. O destaque da programação foi a conferência do embaixador Celso Amorim, sobre “Multilateralismo e propriedade intelectual: desafios contemporâneos”, cujos detalhes a FACTO revela em matéria na página 24. Dois painéis aqueceram o debate sobre aspectos relevantes no campo da PI: litigância jurídica, com exposição da juíza federal Márcia Maria Nunes; e anuência prévia, apresentado pelo vice-presidente do INPI, Mauro Maia. O evento foi palco ainda para o lançamento do 1º Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual e Interesse Público, conferido à EMS.

Prêmio Denis Barbosa

Criado em homenagem ao jurista Denis Borges Barbosa (1948-2016), o prêmio tem o intuito de prestigiar e reconhecer empresas cuja atuação se paute pelo uso da propriedade intelectual em prol do interesse público. Patrono do prêmio, Denis Barbosa foi referência em propriedade intelectual, nos âmbitos acadêmico e profissional. “Denis talvez tenha sido, não só no campo da doutrina, mas também no campo da ação e da litigância jurídica, o principal ator na perspectiva de propriedade intelectual e interesse publico”, justificou o 2º vice-presidente da ABIFINA, Reinaldo Guimarães. O advogado e filho do jurista, Pedro Marcos Barbosa, fez a entrega do prêmio e agradeceu a homenagem. “Meu pai jamais imaginaria se tornar nome de um prêmio, mas tenho certeza de que ficaria feliz com esse marco histórico de crescimento da indústria nacional”, disse.

Associada da ABIFINA, a EMS foi escolhida para receber a primeira edição da premiação, em reconhecimento ao seu trabalho na produção e desenvolvimento de medicamentos. O prêmio foi recebido pelo presidente da farmacêutica, Luiz Borgonovi, e pela gerente de Marcas e Patentes, Letícia Covesi, que dedicaram a premiação às demais empresas do setor. “É importante frisar que este não é um prêmio só nosso, a gente considera que é de todas as empresas”, destacou Covesi. “Esse prêmio é uma consequência de todo o trabalho feito pela equipe. Queremos desenvolver produtos novos para dar mais acesso à medicação por preços mais acessíveis”, complementou Borgonovi.

Propriedade industrial e interesse nacional

A importância de políticas públicas que levem em conta os interesses nacionais foi a tônica das discussões na parte da manhã. Durante a mesa de abertura, os convidados lembraram os esforços da indústria brasileira na luta por uma política de propriedade industrial com vistas ao desenvolvimento nacional, com especial destaque para a atuação da ABIFINA. “A propriedade intelectual e industrial tem que estar ligada a um projeto de desenvolvimento de país. Para isso, é preciso considerar a trajetória da própria indústria e pensar políticas com foco em competitividade e acesso a medicamentos”, defendeu o chefe do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), João Paulo Pieroni.

Os participantes expressaram também suas preocupações com a crescente pressão por acordos internacionais, como a retomada das discussões sobre o Mercosul, nos quais a propriedade intelectual será objeto de fortes disputas. “Temos que nos preparar para o ataque que virá da União Europeia na retomada das negociações. A propriedade industrial vai estar na mesa. Esses acordos serão duros e difíceis”, alertou o secretário de Inovação e Novos Negócios do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), Marcos Vinícius de Souza. Segundo ele, o Mdic, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores (MRE), está mapeando as negociações internacionais em andamento hoje, identificando os principais  layers no mundo e consultando a iniciativa privada para saber o posicionamento da indústria nacional. O 1º vice-presidente da ABIFINA, Nelson Brasil, também mostrou preocupação com o tema, ao lembrar a importância da atuação do embaixador Celso Amorim na luta contra as cláusulas TRIPs Plus. “O que hoje se pensa em fazer é o oposto do que Celso Amorim fez em termos de defesa do interesse nacional”, afirmou.

Também estiveram presentes na mesa de abertura o presidente da ABIFINA, Ogari Pacheco, o presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, o presidente do Conselho Empresarial de Tecnologia do Sistema Firjan, Fernando Sandroni, e o presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Luiz Otávio Pimentel.

Litigância

O primeiro painel da tarde foi dedicado ao tema da “Litigância jurídica em PI no Brasil: tendências e fundamentação”. A coordenação do painel foi do chefe da Divisão de Propriedade Intelectual do Itamaraty, Daniel Roberto Pinto, e a exposição principal ficou a cargo da juíza federal Márcia Maria Nunes, que estruturou sua apresentação a partir de dados referentes às ações envolvendo propriedade industrial ajuizadas na 13ª Vara Federal, além das especificidades relativas a esse tipo de ações. Segundo ela, o número de ações é baixo se comparado ao total de pedidos de patentes. A maior parte das ações questiona a recusa da anuência da patente pela Anvisa ou de sua concessão pelo INPI. Márcia apontou também a necessidade de clareza nos fundamentos usados no julgamento dessas ações. “É preciso definir com critérios objetivos o que é atividade inventiva, para garantir a segurança jurídica e estimular o investimento das empresas”, argumentou.

Outro aspecto tratado por Márcia foi a importância da formação de peritos especializados em PI, já que os juízes brasileiros não têm formação técnica no tema. Segundo ela, existe atualmente uma discussão para se criar um cadastro nacional de peritos. Para um dos debatedores do painel, o advogado Gabriel Leonardos, da Kasznar Leonardos Advogados, essa será uma iniciativa importante. “O cadastro é essencial, porque há muita impugnação de laudos periciais”, afirmou Leonardos.

A juíza tratou ainda da sham litigation, prática do abuso do direito de litígio para estender ao máximo uma patente, que, segundo ela, é um problema sério no Brasil. O advogado Pedro Marcos Barbosa, da DBB Advogados, também debatedor, engrossou o coro e criticou o oportunismo da sham litigation. Para ele, esse tipo de ação é frequente no País porque o custo de litígio é muito baixo. “Há um convite à litigância oportunista”, afirmou. Por outro lado, Barbosa acredita que há um déficit de litigância no que diz respeito às ações coletivas, ao mesmo tempo em que há excesso de litígios de indivíduos contra o Estado referentes a acesso a medicamentos.

Também presente no painel, o procurador-chefe do INPI, Loris Baena Cunha Neto, traçou um panorama das ações ajuizadas contra o Instituto na Procuradoria-Regional Federal da AGU e afirmou não ter sido constatado excesso de processos contra o escritório. Segundo o procurador, os dados levantados nos anos de 2014 a 2016 mostram que menos de 1% dos pedidos de patentes e marcas analisados pelo INPI foram motivo de contestação na Justiça. Para ele, isso pode indicar que as decisões do Instituto estão sendo bem feitas. “A qualidade dos exames do INPI parece não suscitar controvérsias jurídicas”, afirmou.

Anuência prévia

Encerrando a programação, o painel “Requisitos de patenteabilidade e anuência prévia” evidenciou as divergências que envolvem o dispositivo introduzido pela MP nº 2.006/1999 e mantido pela Lei nº 10.196/2001. O vice- -presidente do Conselho Empresarial de Tecnologia da Firjan, Francis Bogossian, foi responsável pela coordenação e o expositor do painel foi o vice-presidente do INPI, Mauro Maia. O gestor mostrou como, no seu entendimento, a criação do dispositivo de anuência prévia de registros de patentes de medicamentos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) serviu mais ao litígio do que à indústria nacional e ao interesse público.

Maia argumentou que as divergências no entendimento das competências da Anvisa e do INPI no exame das patentes farmacêuticas causou atrasos nesses exames. “Se em 1999 o objetivo era introduzir um mecanismo que conferisse melhora para o interesse público, hoje esse interesse público não está mais presente. O backlog não interessa aos laboratórios nacionais, que buscam introduzir medicamentos genéricos no País”, afirmou. Na mesma ocasião, Maia revelou que INPI e Anvisa iniciaram recentemente um diálogo para, juntos, encontrarem uma solução para a questão. A expectativa é de que até o fim do ano seja publicada uma normatização referente ao assunto.

Em sentido oposto, um dos debatedores, o coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Pedro Villardi, defendeu a importância do mecanismo. Segundo ele, a anuência prévia foi pensada como forma de dar o melhor padrão técnico possível no exame das patentes farmacêuticas para atender ao interesse público, e deve ser mantida. A razão para o mau funcionamento do dispositivo, no seu entendimento, são os constantes questionamentos que as decisões da agência sofrem na Justiça, em ações propostas por laboratórios transnacionais.

Villardi também cobrou transparência do INPI e da Anvisa e sugeriu que as entidades publiquem suas diretrizes para exame de patentes de medicamentos, para que a sociedade civil possa participar do processo e o interesse público seja contemplado. “É difícil de defender a anuência prévia na forma como ela funciona hoje. Queremos um debate franco para que ela seja implementada como foi pensada e achamos que a Anvisa deveria examinar os requisitos de patenteabilidade”, argumentou.

Também na visão do debatedor Dirceu Barbano, consultor empresarial e ex-presidente da Anvisa, não há dúvidas de que os requisitos de patenteabilidade devem ser examinados pela agência. “A participação da Anvisa no processo de exame de patentes não é discricionário, isso está determinado pela lei”, explicou. Para ele, o problema está na ausência de uma definição legal clara sobre que aspectos a agência deve examinar. “Novidade, atividade inventiva e aplicação industrial são quesitos que qualquer ente responsável por analisar um pedido de patente precisa analisar. Mas a lei não atribuiu quem deveria fazer a análise desses quesitos. A inexistência dessa determinação legal permitiu que a anuência prévia fosse questionada na Justiça”, concluiu.

Doutor em direito comercial e professor na pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o advogado Newton Silveira encerrou o painel. O jurista se apoiou no entendimento de que uma invenção, para ser considerada como tal, precisa apresentar melhorias em relação às anteriores e defendeu o exame de patentes pela agência. “Se a Anvisa tem competência para saber se um produto vai ser ou não prejudicial ao usuário, também tem competência para saber se vai ser melhor. O ponto é a análise do mérito do produto farmacêutico”, argumentou.

EM DEFESA DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NOS ACORDOS MULT ILATERAIS

Celso Amorim é um dos mais respeitados diplomatas do País. Recém-eleito presidente da Unitaid, organização internacional voltada para a ampliação do acesso ao tratamento para HIV/Aids, malária e tuberculose, esteve à frente do Ministério das Relações Exteriores em dois governos diferentes – dos presidentes Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva -, e foi também ministro da Defesa no governo de Dilma Rousseff. Além disso, foi peça chave nas negociações para os acordos firmados na Rodada Uruguai, que culminou com a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), e para a redação da Declaração de Doha, sobre o acordo de TRIPs e saúde pública. Amorim foi o conferencista especial desta sétima edição do SIPID – Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento, onde falou sobre o tema “Multilateralismo e propriedade intelectual: desafios contemporâneos”.

Com sua visão humanística sobre a propriedade intelectual, o embaixador defende a existência de cláusulas flexíveis referentes às políticas de saúde e de acesso a medicamentos nos acordos multilaterais. Entre outros aspectos, o diplomata enfatizou a importância do mecanismo de licença compulsória para que o Brasil fosse capaz de implantar seu amplo programa de tratamento para pessoas com AIDS, baseado no uso de genéricos. A FACTO traz aqui os principais pontos da conferência de Celso Amorim.

Rodada Uruguai X Propriedade intelectual

Na época do lançamento da Rodada Uruguai (1986), os países em desenvolvimento não queriam que a propriedade intelectual fizesse parte das negociações, por entender que era um assunto reservado à Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi). Apesar da nossa resistência, era impossível brecar totalmente as pressões exercidas pelos países mais ricos, não só em PI, mas também em outros temas, como serviços. Dentro do contexto geral, o Brasil não poderia ficar de fora de um acordo multilateral como aquele, da criação de um novo organismo, que seria a OMC, porque isso significaria ao País ter que se sujeitar mais ainda às sanções unilaterais.

Por isso, nós aceitamos inicialmente tratar dos aspectos de propriedade intelectual relativos ao comércio, na esperança de que o tema ficasse restrito à contrafação. As pressões foram aumentando, ampliando-se em Montreal e Genebra (1988/1989), e, antes do documento final, por imposição dos países ricos, foram incluídos no acordo não só os aspectos comerciais, mas também os padrões de patente. Tentamos evitar que isso acontecesse, mas não foi possível. Temos que lembrar que era a época do Consenso de Washington e do neoliberalismo, cujo objetivo era abrir a economia ao máximo e atrair capital estrangeiro a qualquer preço.

Retaliação cruzada

Conseguimos, com apoio de outros países, que a redação final do acordo de TRIPs conservasse certas ambiguidades, mantendo aberturas que permitem certas liberdades aos países. Por exemplo, o acordo não proíbe a licença compulsória [quando há uma quebra de patente temporária de um medicamento, com o objetivo de sanar eventuais abusos no direito de patente]. A outra característica dos acordos da Rodada Uruguai (que incluiu TRIPs) foi possibilitar também a retaliação cruzada. O mecanismo possibilitou que, se um país cometesse infração em uma área, poderia ser punido em outra – na ideia original, infrações em serviços e PI implicariam sanções em comércio de bens. Em uma iniciativa brasileira, conseguimos que a retaliação cruzada valesse nas duas direções, e os únicos casos de retaliação cruzada invocados na OMC foram no sentido contrário ao pretendido pelos países ricos – ou seja, retaliar em patentes por violações na área comercial (como ocorreu no contencioso sobre algodão entre Brasil e EUA).

Licença compulsória

Ao mesmo tempo em que negociávamos no GATT, sofríamos pressões internas para modificar nossa legislação de PI. Quando a nossa lei foi aprovada, ela já veio com certas cláusulas que eram, na prática, TRIPs Plus, sem que na realidade isso tivesse apoio multilateral.

No mesmo período, pouco antes dos anos 2000, o mundo vivia uma epidemia de AIDS e o Brasil deu início ao programa de combate à doença, com o uso de genéricos em seu tratamento. Não por acaso, nessa época os EUA tentaram entrar com ação na OMC contra a nossa lei de PI, acusando-a de ser muito flexível no que dizia respeito à aplicação da licença compulsória. Entretanto, o cenário mundial era diferente. Havia um grande movimento da sociedade civil no mundo contra o neoliberalismo e inclusive contra a própria OMC. Todos se lembram da reunião ministerial de Seattle. Passamos a ter aliados internacionais importantes, como Médicos Sem Fronteiras e outras associações similares, como associações de pacientes de AIDS de países ricos que não estavam contentes com as políticas de seus próprios governos. Essa pressão, aliada a uma contraofensiva do Brasil, que questionou aspectos da lei de patentes norte- -americana, fez os EUA desistirem da ação.

O Brasil pôde então continuar com a política de combate à AIDS e, mesmo antes de aplicar o licenciamento compulsório, já conseguia negociar preços mais baratos para as licenças. Essas licenças voluntárias só acontecem porque existe a possibilidade da compulsória – este é um dos principais mecanismos para se induzir a licença voluntária.

Declaração de Doha

Quando a tentativa de questionamento da nossa lei foi feita na OMC, estávamos no início dos preparativos para a Rodada Doha. Sobreveio o 11 de setembro, levando as principais economias do mundo a ficarem preocupadas com a evolução das finanças e do comércio internacional. Os países precisavam de sinais positivos. E, como havia interesse, isso levou Doha a terminar positivamente.

Essa negociação foi totalmente sui generis. A Declaração de Doha sobre TRIPs e Saúde está separada do resto da declaração da rodada. A saúde havia se tornado o tema principal ou, pelo menos, o mais difícil, já que opunha os países em desenvolvimento aos países desenvolvidos. Mas acabou sendo a porta de entrada para as demais negociações. Nesse momento, a visão sobre PI havia mudado, não mais predominando, do nosso ponto de vista, o foco em política industrial e tecnológica dos anos 1980, mas sim em políticas de saúde – embora uma esteja ligada à outra. E a Declaração é muito forte nessa questão.

Doha permitiu que nossas ações na área de saúde não fossem questionadas. Continuamos a negociar preços mais baratos para transferência de tecnologia na fabricação de medicamentos e, quando foi necessário fazer a licença compulsória, no caso do Efavirenz, isso ocorreu sem que sequer fôssemos desafiados.

A Declaração de Doha, de certa maneira, transformou as ambiguidades do acordo de TRIPs em flexibilidades. A necessidade de preservação dessas flexibilidades tem sido reafirmada em inúmeros documentos adotados no plano multilateral, da Organização Mundial da Saúde (OMS) ao Conselho de Direitos Humanos. O mais importante deles, até porque foi aprovado no mais alto nível pela Assembleia Geral da ONU em 2015, é o referente aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que contém as metas para 2030.

Infelizmente, a Declaração e as flexibilidades nela reafirmadas são muito pouco utilizadas. Vários países têm sofrido pressão quando tentam valer-se da possibilidade de conceder licença compulsória, como ocorreu na última década com a Tailândia e agora está ocorrendo com a Colômbia. No caso da Tailân órgãos internacionais, a OMS e a OMC, e, ao mesmo tempo, pressionar internamente os governos dos países, para que eles defendam as flexibilidades estabelecidas na Declaração de Doha sobre TRIPs e Saúde. E este é um momento capital.

O Trans-Pacific Partnership (TPP) está tendo muita dificuldade de aprovação nos EUA, porque há muita pressão interna contra o acordo. No Brasil, grande parte da nossa mídia defende que assinemos acordos semelhantes ao TPP e diz que o País estaria ficando isolado. O problema é que todos esses acordos comerciais atuais trazem cláusulas TRIPs Plus muito mais severas que as contidas na nossa lei e no próprio acordo de TRIPs. Enquanto em TRIPs o texto afirma que o acordo “pode e deve” (do inglês “can and should”) ser interpretado de forma a permitir políticas de saúde adequadas e acesso a medicamentos “para todos”, no TPP as cláusulas referentes às políticas de saúde foram enfraquecidas. Só para dar um exemplo: lá está escrito “may and should”, e “may” significa que pode ou não ser. É muito diferente de “can”. Temos que saber se estamos dispostos a abrir mão da licença compulsória. Uma coisa é não precisar usar, mas a possibilidade existir, outra coisa é não poder usar.

Unitaid

O que a Unitaid pode fazer para contribuir? Por ela não ser uma organização de advocacy, mas de natureza técnica, embora com objetivos humanitários, acho que ela pode ajudar em alguns aspectos, como a discussão sobre a patenteabilidade de certos medicamentos. Ou seja, ajudar os países em desenvolvimento a questionar se os elementos para conceder uma patente estão presentes. Também pode assistir os países em como proceder no caso de concessão de uma licença compulsória.

Outra questão, que não tem relação direta com patentes, mas que impacta muito esses países, é a certificação dos medicamentos na OMS, um processo que é longo e custoso. Isso inviabilizou, por exemplo, que vacinas brasileiras fossem utilizadas em um programa de cooperação com o Canadá em benefício do Haiti. Defendo que a Unitaid aja no sentido de fortalecer a capacidade de países em desenvolvimento de obterem a certificação na OMS. A Unitaid nasceu para combater a fome e a pobreza. Tem uma finalidade humanitária. Surgiu como central de medicamentos e hoje tem um tipo de ação mais voltada a superar gargalos do mercado, mas sempre com foco no acesso a medicamentos.

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