REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2016 • ANO X • ISSN 2623-1177
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//Artigo

ABIFINA, MEMÓRIA E FUTURO

Não é trivial o patrimônio de ideias e de orientação política que a ABIFINA produziu nos 30 anos de vida que comemora neste mês de junho. Ao lado de acompanhar as mudanças operadas na política e na economia nacional e global, esse patrimônio revela fundamentalmente um sentido de coerência que deve continuar a governar sua atuação nos próximos tempos.

Não é trivial o patrimônio de ideias e de orientação política que a ABIFINA produziu nos 30 anos de vida que comemora neste mês de junho. Ao lado de acompanhar as mudanças operadas na política e na economia nacional e global, esse patrimônio revela fundamentalmente um sentido de coerência que deve continuar a governar sua atuação nos próximos tempos. A defesa da indústria nacional, entendida como aquela que possui instalações fabris operacionais no Brasil, talvez seja o vetor de orientação mais geral que podemos identificar nessa trajetória de lutas e ideias. Numa perspectiva de comentar os desafios colocados para os próximos 30 anos da nossa associação, cabe em primeiro lugar diagnosticar a perda de espaço de nossa indústria no cenário geral da produção de riqueza. Mais especificamente no terreno da química fina, essa perda de espaço se apresenta com absoluta nitidez. Aqui, o cruzamento de financeirização, desnacionalização e encerramento de unidades produtivas, que ocorreu de modo geral em todo o parque industrial, incidiu de maneira particularmente perversa. Neste momento em que o País se encontra numa difícil encruzilhada, na qual está sendo posto em tela de juízo um conjunto muito extenso de políticas que foram instituídas no processo de redemocratização e que foram expressos na Constituição Federal de 1988, vale a pena refletir sobre os tempos que virão e sobre o papel da ABIFINA.

Parece ser consensual hoje em dia a compreensão de que nos últimos 30 anos o ajuste mais importante na indústria global vem sendo a proeminência da inovação tecnológica como motor de desenvolvimento e sucesso da mesma. No Brasil, mimetizando o nosso tardio processo de industrialização, a compreensão e a construção de políticas que coloquem a inovação como variável central do desenvolvimento industrial também estão sendo incorporadas com bastante atraso. Isso sugere que, nos anos vindouros, a principal contribuição da ABIFINA para o amadurecimento de um sistema de inovação no setor de química fina e biotecnologia deva ser o seu principal componente de missão.

Nesse sistema setorial, a inovação deve escapar das simplificações hoje em dia bastante disseminadas no Brasil. Por exemplo, a concepção de que o amadurecimento desse sistema num país como o Brasil deva seguir literal e completamente a trajetória ocorrida nos países ricos de industrialização precoce. Diferentemente, as trajetórias que vieram e continuam a vir de países asiáticos de industrialização mais recente oferecem alternativas mais realistas para uma trajetória desejável. E, nesses, a intensidade e o modo das políticas educacionais e da intervenção do Estado no processo de construção e amadurecimento de sistemas de inovação deveriam ser exemplos mais produtivos para nós.

Outra simplificação bastante comum no processo de amadurecimento dos sistemas de inovação tem sido a relação entre a proteção da propriedade intelectual mediante patentes e as políticas para a inovação. Sistemas de inovação são articulações complexas, multi-institucionais, cuja arquitetura vai muito além do estímulo à invenção mediante a proteção do invento por patentes. De resto, como uma crescente bibliografia sugere, o exagero nas regras de patenteabilidade pode ter um efeito contrário ao desenvolvimento da inovação, pela inibição da concorrência. Para um país que tem um sistema de inovação em fase de amadurecimento, como é o nosso caso, isso pode ser mortal para a indústria com produção local.

Mas há outros componentes de missão da ABIFINA nos próximos anos que, fundados na tradição e na atenção para as transformações observadas na indústria, devem ser enfatizados.

O primeiro deles afirma que, a despeito da globalização econômica e financeira, cabe aos Estados Nacionais uma posição soberana na definição de suas políticas industriais, recusando-se a existência de duplos- standards jurídico-legais nessas políticas, como os que estão habitualmente presentes nos acordos bilaterais e plurilaterais de livre comércio celebrados nos últimos anos. O corolário dessa premissa é reiterar a relevância da arquitetura multilateral de solução de controvérsias representada pela Organização das Nações Unidas e, em especial no caso em tela, pela Organização Mundial do Comércio e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Isso, naturalmente, não implica em ignorar os movimentos bilaterais e plurilaterais em curso e os que virão. 

É igualmente importante a tarefa de lutar por uma integração adequada da indústria brasileira de química fina e biotecnologia às cadeias produtivas globais, procurando sempre abraçar os elos das cadeias que detenham maior agregação de valor. A ABIFINA deve reafirmar o compromisso de estimular e defender a produção local como um traço essencial para o desenvolvimento da química fina e da biotecnologia no Brasil. Nesse particular, adquire especial importância a eleição prioritária para a produção local daquelas etapas tecnológicas e produtivas que possam colocar, sempre que possível, as empresas nacionais no comando ou em posições privilegiadas em termos de agregação de valor nas cadeias produtivas internacionalizadas.

Tornando à questão da inovação, é essencial compreender a inovação tecnológica como um processo sine qua non para o desenvolvimento industrial contemporâneo, no qual cabe às empresas um papel central, determinante e insubstituível. Mais ainda, é necessário compreendê-la de forma ampla e adequada ao estado de desenvolvimento atual da química fina e da biotecnologia nacionais, no qual as inovações incrementais possuem uma enorme relevância.

No que se refere mais especificamente à política de propriedade intelectual, deve-se sustentar a convicção de que o que foi estabelecido no acordo TRIPs, em 1994, e na Declaração de Doha sobre o acordo TRIPs e a Saúde Pública, em 2001, permanece como o limite bastante para balizar um regime de patentes, marcas e copyright que seja capaz de promover o equilíbrio entre interesse comercial, interesse público, monopólio e concorrência. Portanto, que governe as obrigações internacionais e a legislação brasileira de proteção à propriedade intelectual.

Como bem sentenciou Johann Wolfgang Goethe, “a teoria é cinza e verde é a dourada árvore da vida”. Essas notas sobre os próximos 30 anos da ABIFINA representam uma enorme simplificação e não dão conta da riqueza de novos desafios que, certamente, a vida colocará para a indústria de química fina e biotecnologia no Brasil. Mas estou certo de que os pontos esboçados estarão entre eles. 

Reinaldo Guimarães
Reinaldo Guimarães
2º vice-presidente da ABIFINA.
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