REVISTA FACTO
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Out-Dez 2015 • ANO IX • ISSN 2623-1177
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ESTRATÉGIAS PARA ADIAR O ACESSO AOS MEDICAMENTOS NO BRASIL
//Artigo

ESTRATÉGIAS PARA ADIAR O ACESSO AOS MEDICAMENTOS NO BRASIL

Este artigo apresenta dados estratégicos e exemplifica ameaças à sustentabilidade da produção e aquisição de medicamentos. Particularmente, aborda o contexto da propriedade industrial no Brasil e as cinco principais estratégias utilizadas nos últimos anos por empresas transnacionais para manter o monopólio do mercado e bloquear a entrada de medicamentos genéricos no País. Serão discutidas as cinco principais estratégias utilizadas pelas transnacionais para aproveitar as falhas do sistema brasileiro de propriedade industrial e conseguir a extensão de monopólio na área farmacêutica.

ESTRATÉGIAS DAS TRANSNACIONAIS PARA PRORROGAR A EXCLUSIVIDADE

I. EVERGREENING: SEMEADURA DE NOVOS PEDIDOS PARA MANTER O MONOPÓLIO “SEMPRE VERDE”

No Brasil, ocorre um mecanismo conhecido popularmente como Evergreening. Este não é um conceito formal do direito de patentes, sendo mais bem compreendido como uma ideia usada para se referir às inúmeras maneiras pelas quais os titulares de patentes farmacêuticas usam a lei e processos regulatórios relacionados para estender seus direitos de propriedade intelectual. Uma das graves consequências do Evergreening são a restrição e os entraves para o lançamento de medicamentos genéricos equivalentes aos produtos patenteados. Uma das interpretações de Evergreening refere-se a uma variedade de estratégias jurídicas e de negócios, através das quais os produtores de tecnologia com patentes sobre produtos que estão prestes a expirar se articulam e depositam novas patentes.

O processo de Evergreening pode ainda envolver aspectos específicos do direito de patentes e do direito comercial internacional. Evergreening através de Linkage refere-se ao processo pelo qual as agências reguladoras são obrigadas a ligar a sua avaliação normal com uma avaliação sobre se um produto genérico iminente pode infringir uma patente existente ou não. Exemplos destas manobras podem ser observados nos depósitos de pedidos de patentes referentes a novas composições farmacêuticas, novos usos farmacêuticos, formas polimórficas, formas de dosagem, processos, entre outros. Como exemplos práticos, o produto Nexium (esomeprazol), da AstraZeneca, possui mais de 30 depósitos de pedidos de patentes; o Líptor (atorvastatina), da Pfizer, tem pelo menos 10 depósitos de pedidos de patentes de formas polimórficas; Lexapro (escitalopram), da Lundbeck, conta com pelo menos cinco pedidos reivindicando novas indicações terapêuticas, entre muitos outros. Estas patentes secundárias retardam a entrada dos produtos genéricos no mercado e minimizam os efeitos desta introdução, além de ter reflexos importantes nas políticas de saúde.

Um dos principais argumentos contra o Evergreening é que a rápida entrada de vários concorrentes de medicamentos genéricos, após a expiração da patente, possibilita a redução de preços e facilita a concorrência. Uma das ferramentas executoras do Evergreening é o depósito de pedidos de patentes sem atividade inventiva, entre elas algumas consideradas triviais ou secundárias. Outras formas que podem ser consideradas dentro do mesmo escopo de extensão de patentes são os pedidos de patente Pipeline, os pedidos de patente Mailbox e o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96 – LPI). Adicionalmente, outros fatores impulsionam a batalha entre as indústrias, entre eles a anuência prévia da Anvisa no atual cenário em que se encontra (fluxo Anvisa x INPI), um Judiciário não especializado, e anuências estabelecidas no Judiciário, como o ocorrido com o medicamento Glivec.

Algumas ferramentas técnicas que podem ser utilizadas para minimizar o Evergreening são os subsídios técnicos ao exame de pedidos de patentes, os pedidos de nulidade de patentes, os laudos técnicos submetidos ao Judiciário e o amicus curiae.

II. ARTIGO 40 DA LPI E O ATRASO NO EXAME

A lei brasileira de patentes atualmente estabelece que o prazo de vigência de uma patente de invenção é de 20 anos contados da data de depósito ou 10 anos contados da data de concessão, em caso de demora na concessão da patente (parágrafo único do art. 40 da LPI). O uso do parágrafo único do artigo 40 da LPI é uma das ferramentas mais utilizadas atualmente para expandir prazos de vigência. Assim, caso haja uma diferença de mais de 10 anos entre a data de depósito e a data de concessão, a vigência da patente será de mais de 20 anos contatos a partir da data de depósito. Ou seja, o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Patentes cria a possibilidade de uma extensão não razoável no prazo de proteção conferido pela patente, em detrimento do interesse público.

De acordo com o parágrafo único do art. 40, se o INPI demorar 15 anos para conceder uma patente de invenção para um medicamento, a patente vigorará por 25 anos. Durante o período de vigência de uma patente, seja ela concedida com base no parágrafo único do Art. 40 ou não, nenhum genérico referente a este medicamento poderá ser lançado no mercado sem atingir direitos de terceiros, ou seja, ela já estará usufruindo da exclusividade no mercado mesmo antes do julgamento de seu mérito.

Seguem, na Tabela 1, alguns exemplos de produtos com proteção estendida por atraso no exame.

III. ARTIGO 229-C

Foi instituído pelo art. 229-C da LPI que a concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos depende da anuência prévia da Anvisa. A partir de inúmeras controvérsias, o governo instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), através da Portaria Interministerial 1.956/2011, com o propósito de analisar e sugerir critérios, procedimentos e outros instrumentos para viabilizar a execução do artigo 229-C pelo INPI e pela Anvisa. O GTI – formado com representantes do Ministério da Saúde (MS), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), da Advocacia-Geral da União (AGU), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) – elaborou um relatório publicado através da Portaria Interministerial nº. 1065/2012 (MS). O fluxograma proposto pelo relatório e portaria diz que, para os casos em que a anuência for negada pela Anvisa, deverá ser feito o arquivamento definitivo do pedido pelo INPI.

Entretanto, os pedidos não anuídos, encaminhados ao INPI, não têm sido arquivados nem publicados, o que ocasiona uma situação de insegurança jurídica e mercadológica para a indústria nacional, que fica à espera da expiração do prazo da patente para lançamento de medicamentos no País.

Para que a política de genéricos continue tendo êxito, é fundamental que a indústria nacional de genéricos possua know how para produzir o medicamento, assim que o prazo da patente expire. A demora na concessão das patentes de medicamentos no Brasil (backlog) prejudica não só a indústria nacional, mas principalmente a política de genéricos do governo.

Ainda que muitos atores estejam a questionar qual o papel atual da Anvisa na avaliação das patentes farmacêuticas e qual será o futuro desta anuência prévia, resta claro que, em diversas situações, a colaboração entre INPI e Anvisa foi de suma importância para evitar abusos. No entanto, tal análise está cada dia mais enfraquecida frente ao Judiciário. Alguns exemplos de produtos que foram anuídos após ações judiciais: PI 9509819-4 – prucalopride (Resolor – Johnson & Johnson); PI9710372-1 – etoricoxibe (Arcoxia – Merck); PI1100434-7 – ambrisentano (Volibris – Abbot); PI000995-2 – calcipotriol + betametasona (Daivobet – Leo Pharma); PI9708706-8 – caspofungina (Cancidas – Merck).

IV. ALEGAÇÃO DE INFRAÇÕES PATENTÁRIAS POR EQUIVALÊNCIA Além destes casos antes discutidos, cabe assinalar uma prática comum de algumas empresas que se utilizam de forma indevida da carta-patente concedida pelo INPI, dando uma extensão imprópria ao seu alcance, sustentando perante o Poder Judiciário violação patentária por equivalência. Diversas patentes de formulações não têm nenhum caráter de inovação. Servem apenas para promover o monopólio ilegal. Tais empresas se utilizam destas patentes para gerar confusão de conceitos de equivalência patentária com equivalência farmacêutica. Esta tese acaba confundindo o Judiciário porque os medicamentos genéricos/ similares são equivalentes farmacêuticos dos fármacos de referência, podendo ser intercambiáveis entre eles. Esta intercambialidade é demonstrada por meio de estudos/testes de biodisponibilidade e/ou equivalência farmacêutica. Todavia, equivalência farmacêutica não significa, automaticamente, que exista infração de patente pela metodologia de análise de equivalência patentária. As empresas de medicamentos genéricos possuem a expertise, por meio de engenharia reversa e/ ou estudos de pesquisa e desenvolvimento, de elaborar fármacos alternativos que sejam equivalentes farmacêuticos sem que incida em infração por equivalência patentária. Isso se deve porque as empresas produtoras de medicamentos genéricos promovem a substituição dos excipientes de liberação e/ou estabilidade por outros que se encontram em domínio público, sem que se infrinja a patente de formulação. A LPI prevê, no artigo 186, que a infração patentária não está restrita ao literalmente reivindicado, possibilitando interpretações abusivas. Para avaliar equivalência patentária, é necessário realizar a análise da matéria sob proteção e tal infração deve ser tecnicamente comprovada. Sendo este exame aplicado a todos os ramos da indústria, por não ser um privilégio exclusivo da indústria farmacêutica, os parâmetros técnicos de análise não deveriam se confundir com a análise de equivalência farmacêutica e/ou bioequivalência. Alguns titulares de patentes de composição farmacêutica, inconformados com a legislação dos genéricos, tentam mascarar a lícita e saudável concorrência (princípio constitucional brasileiro) para perpetuar a proteção de suas moléculas. Isso acontece pela patente da molécula do ativo per se ou por patentes decorrentes de formulações, muitas vezes inócuas, que tentam dar uma extensão de proteção desproporcional às patentes originais das moléculas químicas. Tem sido prática jurídica muito utilizada a alegação da confusão entre equivalência patentária e farmacêutica, como tática para empregar meios que mascarem a legislação. Esta manobra busca sugerir que uma equivalência farmacêutica corresponde a uma equivalência patentária, de modo que, havendo qualquer patente de formulação para um medicamento dito de referência, o seu genérico estará infringindo a patente desse medicamento de referência. Para exemplificar esta prática, podemos citar a patente de formulação do medicamento Crestor da empresa AstraZeneca. Esse caso específico está detalhado no artigo completo.

V – PROTEÇÃO DE DADOS PROPRIETÁRIOS

A LPI, em seu art. 195, estabelece que órgãos reguladores que solicitarem informações ou dados proprietários para aprovar sua comercialização deverão manter estes dados sob sigilo e não permitir nenhuma forma de sua utilização. A interpretação equivocada deste artigo se tornou, nos últimos anos, a mais nova alavanca jurídica de empresas multinacionais farmacêuticas para barrar a entrada de concorrência. As empresas multinacionais alegam que a Anvisa, ao conceder o registro do medicamento genérico ou similar, está permitindo que terceiros utilizem indiretamente os dados apresentados pelo originador. E mais! Solicitam a previsão de proteção e exclusividade de 10 anos para manutenção do monopólio.

A questão da proteção de dados para produtos farmacêuticos, veterinários e agrícolas foi regulamentada pela Lei 10.603/2002, sendo que foi estabelecido um prazo de exclusividade de até 10 anos para produtos agrícolas e veterinários. Contudo, em consonância com a Lei de Medicamentos Genéricos e a Política Nacional Saúde, o legislador brasileiro que privilegiou o acesso a medicamentos excluiu medicamentos de uso humano desse prazo de exclusividade. Para todas as empresas de genéricos, essa aberração jurídica é infundada, visto que o medicamento genérico ou similar produz seus próprios testes para serem apresentados à Anvisa, que não necessita consultar os testes do originador para publicar os registros dos genéricos ou similares.

Atualmente, pelo menos quatro processos tramitam na Justiça (empresas Genzyme, Lundbeck, Astrazeneca e Eli Lilly), sendo que no caso de um deles (Escitalopram) a empresa Lundbeck conseguiu retirar o produto do concorrente (Aché) do mercado por sentença em primeira instância, que foi revogada por suspensão de segurança do Superior Tribunal de Justiça (STJ) após alguns meses e alguns milhões de reais em prejuízos para a indústria nacional.

Este ponto é um dos mais temerosos, pois, se os magistrados não forem alertados, produtos que não possuem patentes poderão manter seu monopólio irracionalmente por manobras jurídicas.

A evolução no sistema Judiciário ao longo dos anos pode ser percebida pelo esclarecimento dos juízes acerca das extensões de prazo das patentes pipeline. Contudo, há um enorme caminho a ser percorrido com relação aos temas de data protection e infrações por equivalência, já que há uma carência de perícia técnica capacitada nesta área. Na esfera administrativa, embora a política atual do INPI esteja empenhada em promover a redução do backlog, entre outras reestruturações administrativas, ainda há um impacto relevante no desenvolvimento de novos produtos para o setor industrial brasileiro bem como para a política nacional de saúde pública atinente ao acesso a medicamentos.

A importância da aplicação, pelo INPI, de requisitos consistentes para patenteamento no setor farmacêutico é justa e necessária, uma vez que o monopólio pode trazer prejuízos de ordem econômica e financeira, com impacto direto na saúde das pessoas.

Portanto, é cristalino que o sistema de propriedade industrial, quando utilizado de forma adequada, pode fortalecer o setor produtivo nacional viabilizando o desenvolvimento de novas tecnologias. Contudo, se utilizado de forma abusiva, inibe a livre concorrência, podendo lesar substancialmente a indústria nacional e a saúde pública.

A Declaração de Doha afirma que “as políticas de saúde pública devem ter supremacia frente aos interesses comerciais”, e que “o Acordo TRIPs não pode ser utilizado como meio de entrave à aplicação dos direitos de proteção à saúde pública e, em especial, ao acesso universal aos medicamentos”.

Cabe uma reflexão mais profunda sobre a interpretação dos requisitos para concessão de patentes, a função social da propriedade intelectual, patentes em conformidade com o interesse social e o desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil.

* Resumo do artigo condecorado no “Prêmio GTPI Jacques Bouchara de produção acadêmica voltada para o ativismo” – versão original no site http://www.deolhonaspatentes.org.br/publicacoes_do_gtpi.html 

Ana Claudia Dias de Oliveira
Ana Claudia Dias de Oliveira
Especialista em Propriedade Intelectual, Inovação e Biodiversidade da ABIFINA e sócia da 2PhD Consultoria
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