REVISTA FACTO
...
Jul-Set 2015 • ANO IX • ISSN 2623-1177
2024
75 74
2023
73 72 71
2022
70 69 68
2021
67 66 65
2020
64 63 62
2019
61 60 59
2018
58 57 56 55
2017
54 53 52 51
2016
50 49 48 47
2015
46 45 44 43
2014
42 41 40 39
2013
38 37 36 35
2012
34 33 32
2011
31 30 29 28
2010
27 26 25 24 23
2009
22 21 20 19 18 17
2008
16 15 14 13 12 11
2007
10 9 8 7 6 5
2006
4 3 2 1 217 216 215 214
2005
213 212 211
SEM INDÚSTRIA NÃO HÁ PROGRESSO
//Editorial

SEM INDÚSTRIA NÃO HÁ PROGRESSO

Quando se discute o retorno ao crescimento econômico, é necessário que não caiamos na esparrela que nos foi imposta em 1989, conhecida pelo nome de Consenso de Washington. Como consequência desse embuste neoliberal, lembramos que, de sua implantação no Brasil nos anos 90, decorreu um enorme e ainda não revertido processo desindustrializante. Somente no nascente parque industrial da química fina, o sucateamento do setor foi expresso pelo fechamento de mil unidades produtivas e no encerramento de 500 projetos que estavam em processo de implantação industrial.

Nesse cenário, deve-se recuperar a memória do modelo econômico que deu certo na Europa, nos países asiáticos e, anteriormente, também nos Estados Unidos, comparando-o com aquele vem sendo usado no Brasil.

A Europa, com sua indústria devastada pela II Guerra Mundial, apoiada pelo Plano Marshall, desenvolveu projetos nacionais de reindustrialização, e os países asiáticos, por apresentarem baixo custo de produção devido à mão de obra barata e marco regulatório flexível, encorajaram investimentos externos a partir de 1970 para projetos industriais orientados para a exportação. No caso norte-americano – bem antes dos países europeus e asiáticos –, o desenvolvimento industrial surgiu graças à rica trajetória de vida pública de Alessander Hamilton, criador do modelo capitalista implantado nos EUA a partir de 1789, quando ele exerceu as funções de secretário do Tesouro do primeiro governo republicano desse país.

Alessander Hamilton nasceu nas Antilhas em 1757, tendo emigrado para os EUA aos 15 anos. Aos 18, ingressou no corpo de voluntários para a campanha pela independência (1775-1783), sob o comando de George Washington. Dada sua enorme capacidade criativa e marcante inteligência, aos 19 anos passou a fazer parte do Estado Maior de George Washington, assumindo a chefia desse grupo dois anos mais tarde. Após a independência, foi eleito para o Congresso e, em 1789, nomeado secretário do Tesouro do primeiro governo republicano dos EUA, presidido por George Washington.

Seu valor incomensurável para a construção da Nova República decorreu da sua visão estratégica de nação, que deveria ser montada sobre uma forte base industrial. Como secretário do Tesouro dos EUA, criou ainda um Banco Central, o sistema tributário nacional e organizou as contas públicas em um orçamento único da União, reunindo as 13 colônias tornadas independentes da Inglaterra e que vieram a formar os Estados Unidos da América do Norte.

Em 1791, Alessander Hamilton encaminhou à Câmara de Deputados o seu famoso Relatório sobre as Manufaturas – um verdadeiro Projeto de Estado Nacional, definindo o processo de industrialização que veio a ser adotado pelos EUA. Nesse trabalho, Hamilton apresentou um conjunto de políticas públicas visando ao desenvolvimento industrial e tecnológico do país, em que se priorizou atender ao mercado interno pela produção local, em vez das importações. Textualmente, aí está declarado que “a importação de bens manufaturados, invariavelmente, priva de sua riqueza os povos meramente agrícolas”, e “não somente a riqueza, mas a independência e a segurança de um país parecem estar intimamente ligadas à prosperidade das manufaturas”.

No que se refere à alegada elevação de preços decorrente de tais políticas, Hamilton defendia não ser razoável supor que a adoção de medidas que obstaculizassem a livre competição com artigos estrangeiros resultaria em um aumento continuado de preços – embora isso pudesse ocorrer num primeiro momento. Segundo ele, a realidade mostrava que a indústria local, quando amadurece, emprega um grande número de pessoas e gera a competição interna, assim eliminando qualquer possível monopólio para, gradualmente, levar à redução no preço do artigo ao mínimo razoável acima do capital investido. Em forma magistral, arrematava Hamilton: “Uma nação incapaz de oferecer ao mercado mais que uns quantos produtos verse- á mais direta e tangivelmente afetada pelo estancamento da demanda do que uma que disponha permanentemente de grande variedade de mercadorias”.

Talvez por ser imigrante mestiço e filho bastardo, Hamilton até hoje não teve seu devido valor reconhecido nos EUA, como foi atribuído a George Washington e Thomas Jefferson, seus companheiros nesse primeiro mandato republicano, representados por monumentos erguidos na capital norte-americana.

É bom ressaltar que, nessa época, vigia em nosso País o alvará de D. Maria I de Portugal proibindo o funcionamento de manufaturas no Brasil, medida que foi aprofundada pela abertura dos portos ao comércio exterior, conduzida a partir da chegada ao País da corte portuguesa no início do século XIX. Como se vê, o Brasil construiu sua independência política totalmente dependente da política econômica ditada pelo reinado português.

Devido à falta dessa visão estratégica de Estado Nacional – apenas encontrada nos períodos dos governos Vargas, Juscelino e Geisel – é que o Brasil permanece até hoje dependente de insumos estratégicos provenientes do leste asiático e até de produtos acabados fabricados em países desenvolvidos.

O modelo capitalista norte-americano, implantado com enorme sucesso nos Estados Unidos em meados do século XIX a partir das ideias de Hamilton, prevaleceu até 1963. Depois de Kennedy, surgiu uma Nova Era de liberalismo econômico adotado pelos EUA e Inglaterra, identificada ao longo dos anos 80 com Reagan e Thatcher para finalmente, em 1989, ser enunciada sob o pomposo título de Consenso de Washington, uma utopia pós-indústria que execrava a intervenção do Estado para estimular o investimento industrial e o desenvolvimento tecnológico. Claramente, essa nova concepção de política econômica objetivava evitar o surgimento de concorrência nos países menos desenvolvidos.

A substituição do modelo de desenvolvimento econômico promovido pelo Estado, através do liberalismo inconsequente definido pelo Consenso de Washington, resultou numa série de crises financeiras, como a russa de 1998 e a do Brasil em 1999, que ainda puderam ser localmente controladas. Mas, a partir de 2008, todo o sistema financeiro internacional contaminou-se com resultados que são ainda imprevisíveis a curto, médio e longo prazo.

Nações do porte do Brasil, que contam com um mercado interno emergindo de forma expressiva, com uma base produtiva e tecnológica já instalada e com enorme potencial em recursos naturais e humanos, certamente devem adotar um projeto de desenvolvimento de Estado Nacional no longo prazo, que não possa ser contaminado pelas crises internacionais.

Para tanto, é necessário dar continuidade ao processo de recuperação da política industrial, tecnológica e de comércio exterior já timidamente definida em 2004, da qual resultou a formulação dos modelos de parcerias público-privadas voltadas para as áreas de infraestrutura e as equivalentes parcerias para o desenvolvimento produtivo do complexo industrial da saúde.

Essa política industrial definiu como áreas prioritárias semicondutores, software, bens de capital, fármacos e medicamentos. No período 2006/2010, essa política foi ampliada, sendo focados horizontalmente seus objetivos estratégicos, quando então começaram a ser definidas medidas destinadas a apoiar o desenvolvimento dos setores produtivos considerados estratégicos.

Para ilustrar, destacamos que o marco regulatório que veio a ser criado em 2008 na área da saúde privilegiou a contratação da fabricação local de insumos estratégicos utilizados pelos laboratórios oficiais para atender às demandas do Sistema Único de Saúde (SUS). A despeito das dificuldades que vinham sendo verificadas para a implantação dessa política devido às carências encontradas no marco legal, a criação das parcerias para o desenvolvimento produtivo do complexo industrial da saúde constituiu um diferencial da política pública concebida pelo ministro da Saúde.

A política industrial então definida para a área da saúde pública foi implantada por meio de Portarias Interministeriais, tendo em 2010 sido ampliada pela lei nº 12.349, que alterou a Lei de Licitações permitindo a outros setores industriais estratégicos gozarem dos benefícios de preferências em licitações públicas, à semelhança do que ocorre nos Estados Unidos desde 1933, pelo Buy American Act.

Nesse cenário, entende-se que deveria ser retomada aquela política industrial já definida em 2004, tornando-a um Projeto de Estado de longo prazo. Mas cuidados especiais deveriam ser adotados para uma maior integração e convergência de todas as agências governamentais em torno desse Projeto de Estado, que deveria ter metas de ações específicas, com cronogramas definidos e acompanhamento por uma instância diretamente vinculada à Presidência da República, a quem caberia fixar as diretrizes das políticas industrial, tecnológica e de comércio internacional. A esse órgão caberia, para ilustrar, a fixação das diretrizes para a operacionalização da Lei de Patentes Industriais, da nova Lei sobre Biodiversidade, bem como uma limitação nas concessões comerciais a serem feitas em acordos externos, em especial em compras governamentais, propriedade intelectual e investimentos.

Está na hora do brasileiro se orgulhar por consumir um produto fabricado no País, conforme destacava Alessander Hamilton em seu Relatório sobre Manufaturas no final do século XVIII. Por meio dessa crença pelo brasileiro, das consistentes ações de agências do Poder Executivo nesse sentido e com um Congresso Nacional que apoie efetivamente o governo federal na montagem e acompanhamento conjunto do referido Projeto de Estado, teremos um desenvolvimento industrial sustentado, com uma crescente renda nacional e a geração de emprego no País – não no leste asiático ou nos países avançados.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
COMO A LEI DE ACESSO À BIODIVERSIDADE PODE ESTIMULAR O MERCADO DE FITOTERÁPICO
Anterior

COMO A LEI DE ACESSO À BIODIVERSIDADE PODE ESTIMULAR O MERCADO DE FITOTERÁPICO

Próxima

BNDES PENSANDO O DESENVOLVIMENTO