De que adianta anunciarmos aos quatro cantos que possuímos uma das maiores, se não a maior biodiversidade do mundo, se as condições para sua utilização não são viáveis?
Hoje, com a aprovação no Congresso da nova Lei de Acesso à Biodiversidade, volta-se a abrir uma promissora oportunidade para a indústria farmacêutica que trabalha com produtos fitoterápicos ou que, de alguma forma, envolva a nossa biodiversidade. Porém, também há que ser real a intenção dos órgãos governamentais em permitir a pesquisa de nossa flora e fauna, utilizando-as para a produção de medicamentos, cosméticos e outros produtos para nossa população e, quiçá, para exportar.
Nem tudo são flores, pois agora vem a regulamentação da Lei. Todos sabemos que a má regulamentação estraga uma lei bem elaborada, tanto quanto uma boa regulamentação melhora uma lei mal redigida. Assim, todos os esforços, neste momento, devem ser voltados para que a regulamentação clareie possíveis pontos nebulosos e passíveis de interpretações dúbias, que geram consequente manutenção da insegurança jurídica e operacional do usuário (indústria e pesquisador), o que trará como resultado a interrupção de pesquisas aplicadas nessa área. Ressaltamos a questão da regulamentação pois são visíveis as diferenças de entendimento entre a indústria e os órgãos governamentais, que querem que prevaleçam responsabilidades que não são das empresas, mas que fazem questão de que assim seja.
Posto isso, vamos a outro aspecto a ser discutido: o registro dos produtos fitoterápicos (Anvisa).
Hoje, o rigor utilizado para os medicamentos fitoterápicos é quase igual àquele para medicamentos cujos ativos são obtidos por síntese química – conceito bastante diferente do que se pratica na Europa ou Estados Unidos. Lá, eles possuem uma classificação diferente, em que as exigências são menores, sem terem, no entanto, sua qualidade reduzida. É fundamental que se reconheça que as análises qualitativas e quantitativas elaboradas sobre os ativos obtidos por síntese química não podem ser as mesmas usadas em extratos de plantas, pois a complexidade é muito maior nestes últimos.
Outra consideração a ser feita diz respeito à mistura de mais de um extrato de plantas. Comumente, a atividade terapêutica dos fitoterápicos é menor quando comparada com os ativos obtidos por síntese. Assim, usam-se dois ou até três extratos de plantas de forma a complementarem suas funções e até mesmo reforçá-las. Como consequência, as questões analíticas ficam ainda mais intrincadas para serem equacionadas e, muitas vezes, a pesquisa é descartada e um bom produto deixa de ir para o mercado, prejudicando os consumidores e também a indústria pesquisadora.
Sem dúvida, uma saída seria a criação de uma categoria diferenciada de produtos fitoterápicos que, sem terem sua qualidade diminuída, tivessem um rigor diferenciado quando do seu desenvolvimento e registro. Isto permitiria, sem dúvida, uma melhor utilização de nossa flora, tão cobiçada por aqueles que não a têm.
Por fim, um ponto bastante polêmico: patenteabilidade ou não dos extratos totais ou de suas frações, ou de suas novas indicações, ou de moléculas modificadas, mas que se originam de material biológico, ou ainda o que poderia ser patenteável, modificando a atual legislação em vigor. Não está em discussão a necessidade dos três requisitos da patenteabilidade serem cumpridos. A questão deve ser reanalisada e modificada neste momento em que se processa a regulamentação da Lei de Acesso à Biodiversidade, pois dificilmente haverá investimentos em pesquisa se o produto final não puder gozar de alguma proteção patentária. Entendo que nenhuma empresa gastará milhões de reais para se chegar a um produto que poderá ser copiado por quem queira e que não tenha desembolsado um único centavo na sua pesquisa e desenvolvimento.
Sem nos aprofundarmos em nenhum dos temas acima, procuramos dar uma ideia do longo e difícil caminho a ser transposto, no qual a aprovação da Lei de Acesso à Biodiversidade foi o primeiro passo bem dado em direção a um final em que todos poderemos ganhar: o Brasil, a população, os pesquisadores e as indústrias. Para tanto, é preciso não desanimar e dar continuidade a esse enorme trabalho, pois as expectativas de um “final feliz” são promissoras.