REVISTA FACTO
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Jul-Set 2015 • ANO IX • ISSN 2623-1177
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MICRORGANISMOS NO CONTEXTO DO NOVO MARCO LEGAL DA BIODIVERSIDADE
//Artigo

MICRORGANISMOS NO CONTEXTO DO NOVO MARCO LEGAL DA BIODIVERSIDADE

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), de 1992, trouxe ao seu escopo três objetivos principais: a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável de seus componentes e a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos. O Protocolo de Nagoya visa estabelecer este terceiro objetivo. Até a entrada em vigor da CBD, em 1993, os recursos genéticos eram considerados patrimônio da humanidade, e, portanto, de acesso gratuito a todos, o que reforça o entendimento dos direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos biológicos de acordo com os princípios do direito internacional. Entretanto, a CDB, no artigo 15, trouxe às partes contratantes a missão de criar normas internas para regulamentar o acesso a recursos genéticos e a repartição justa e equitativa de benefícios.

Alguns fatores específicos destes seres vivos demonstram a sua complexidade: os microrganismos ocorrem em números muito altos, tanto em termos de quantitativo de espécies, como em termos de complexidade genética. Adicionalmente, assim como ocorre nas outras espécies, o conhecimento sobre as populações individuais ou cepas de microrganismos é muito limitado, assim como o controle de permuta de informações genéticas de microrganismos conservados em coleções ex situ (manutenção de amostras de componentes do patrimônio genético fora de seu habitat natural, em coleções vivas ou mortas).

Devido à sua complexidade, os microrganismos estão sujeitos a normas especiais, algumas já acordadas em nível internacional, como por exemplo, as normas de propriedade intelectual. O Tratado de Budapeste estabelece que, para dar suficiência descritiva e caracterizar as cepas de um pedido de patente, uma amostra deve ser mantida em instituições depositárias internacionais. No caso de regulamentação de acesso às coleções ex situ, as instituições internacionais já iniciaram a elaboração de alguns acordos. Como exemplo, podemos citar o MOSAICC (Microorganisms Sustainable Use and Access Regulation International Code of Conduct), código de conduta elaborado por doze instituições líderes no campo da biotecnologia, que diferencia o acesso a microrganismos encontrados in situ (condições em que recursos genéticos existem em ecossistemas e habitats naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características) ou em coleções ex situ, seja para uso não-comercial ou comercial. No estudo “Recommendations for the implementation of the Nagoya Protocol with respect to genetic resources in agriculture, forestry, fisheries and food industries”1, os autores demonstraram o quão complexa é a questão dos microrganismos, tanto pelo próprio acesso, quanto pelo seu uso, e sugeriram que os microrganismos devessem estar excluídos do Protocolo de Nagoya, sendo tratados como processo industrial e, portanto, isentos de repartição de benefícios.

O novo marco legal da biodiversidade, a Lei 13.123/2015, não define o que é microrganismo. Entretanto, menciona que estas espécies fazem parte do patrimônio genético e, portanto, estão incluídas na lei. Adicionalmente, o art. 2º define, no inciso XVI, produto acabado e produto intermediário. O produto acabado é aquele cuja natureza não requer nenhum tipo de processo produtivo adicional, no qual o componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado seja um dos elementos principais de agregação de valor, estando apto à utilização pelo consumidor final, seja este pessoa natural ou jurídica. O produto intermediário é aquele cuja natureza é a utilização em cadeia produtiva, que o agregará em seu processo produtivo, na condição de insumo, excipiente e matéria-prima, para o desenvolvimento de outro produto intermediário ou de produto acabado.

Assim, no contexto da atual lei brasileira de acesso ao patrimônio genético, a ABIFINA entende que microrganismo deve ser considerado produto intermediário e, em alguns casos, produto acabado. Assim, o microrganismo poderá ser considerado como produto intermediário nos casos em que, após a sua aquisição, seja realizado novo acesso – por exemplo, nos casos em que for adquirido para ser manipulado e incluído em uma formulação farmacêutica, cosmética ou agroquímica. Entretanto, poderá ser considerado produto acabado quando, após sua venda, não for acessado, manipulado ou modificado geneticamente, e for utilizado para fabricar outro produto que o contenha ou auxiliar em um processo produtivo. Como exemplo de microrganismo como produto acabado, podemos citar o uso direto como controle biológico ou o uso de extratos de levedura em processos industriais.

Na interpretação do microrganismo como produto intermediário, o mesmo estará isento de repartição de benefícios, conforme estabelecido no §2º do artigo 17 da Lei 13.123/2015, que diz: “Os fabricantes de produtos intermediários e desenvolvedores de processos oriundos de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado ao longo da cadeia produtiva estarão isentos da obrigação de repartição de benefícios”. No caso da interpretação do microrganismo como produto acabado, este deverá pagar repartição de benefícios, mas o produto acabado que o contiver estará isento. Nos casos de produto final contendo microrganismos (como produto acabado) e outro elemento da biodiversidade brasileira, o fabricante do último elo da cadeia produtiva pagará repartição de benefícios apenas sobre o outro elemento da biodiversidade brasileira, mas estará isento de repartir benefícios sobre o microrganismo adquirido.

Desta forma, a ABIFINA entende que seu posicionamento não só vai ao encontro dos objetivos do novo marco legal da biodiversidade, que incluem a segurança jurídica para os atores envolvidos, a preservação do meio ambiente e a garantia da rastreabilidade da matéria-prima até o produto acabado, bem como auxilia no cumprimento do principal objetivo do Protocolo de Nagoya, que é o de garantir a justa e equitativa repartição de benefícios.

  1. Begemann, F. et al. Recommendations of the implementation of the Nagoya Protocol with respect to genetic resources in agriculture, forestry, fisheries and food industries. Scientific Advisory Boardon Biodiversity and Genetic Resources at the BMELV, Berlim, p. 60, abr. 2012.
Ana Claudia Dias de Oliveira
Ana Claudia Dias de Oliveira
Especialista em Propriedade Intelectual, Inovação e Biodiversidade da ABIFINA e sócia da 2PhD Consultoria
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