REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2015 • ANO IX • ISSN 2623-1177
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//Matéria Política

PERSPECTIVAS PARA A RETOMADA DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

O programa de ajuste fiscal adotado pelo governo brasileiro para corrigir desequilíbrios na economia decorrentes de fatores externos e internos irá impactar negativamente, durante certo período, o desenvolvimento econômico e social do País. Esse cenário põe à prova não apenas a capacidade do governo de planejar a retomada do crescimento, no médio e no longo prazo, como também sua competência política para resistir ao recrudescimento da pressão pelo retorno a uma política neoliberal que se revelou desastrosa no mundo inteiro. Contra a propaganda do Estado Mínimo e da autorregulação da economia por um mercado supostamente livre, patrocinada por corporações globais ávidas pelo domínio do mercado consumidor brasileiro, economistas, políticos e empresários comprometidos com o desenvolvimento nacional propõem o retorno do planejamento de Estado e reformas estruturais que capacitem as instituições públicas para gerir de forma eficaz os programas governamentais de fomento.

Segundo o professor Delfim Netto, o planejamento foi abandonado em 1985, no governo Sarney. “De lá para cá, só tivemos improvisações. Abandonou-se um planejamento educativo, que pudesse antecipar o papel do governo no investimento em infraestrutura, fundamental para um desenvolvimento mais harmônico”.

Já o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) afirma que houve avanço na formulação da política industrial, assim como na área da infraestrutura, criando-se uma base para o planejamento dos gastos públicos e dos investimentos necessários. O problema, em sua opinião, reside na execução dessas políticas, “ainda demasiadamente atrelada ao comportamento cíclico da economia, dependendo de decisões pontuais de política macroeconômica, o que limita o horizonte e a efetividade do planejamento de longo prazo.

Além disso, a estrutura de execução dos programas públicos tem se mostrado deficiente, dada a desconstrução do papel do Estado como indutor do desenvolvimento nos anos de governo neoliberal. Estes obstáculos permanecem como os principais gargalos para o planejamento no Brasil”.

INCERTEZAS NO PLANEJAMENTO ECONÔMICO

Teixeira entende que o governo Dilma avançou em algumas questões importantes, como a definição do novo modelo de partilha para o pré-sal, “que ajudará o Brasil a superar seus gargalos na estrutura social nas próximas décadas, sem gerar os efeitos perversos da chamada ‘doença holandesa’ e preservando a soberania da riqueza nacional; e o avanço no cadastro ativo através dos programas Brasil Carinhoso e Brasil Sem Miséria, que ampliam a capacidade do governo de combate à pobreza extrema através da adoção de complexas e inovadoras tecnologias de política social”.

Os demais entrevistados mostram-se menos compreensivos frente às dificuldades de planejamento do governo. Para o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), a quebra de compromissos assumidos é um mau sinal. “Desde o início do ano, o Executivo tem adotado medidas para reduzir gastos e reequilibrar as contas públicas. Entre essas ações, estão as Medidas Provisórias 664 e 665, que alteram o acesso da população a benefícios trabalhistas como seguro-desemprego, pensão por morte e seguro-defeso. Segundo o governo, essas MPs, que estão em análise no Congresso Nacional, corrigem ‘distorções’ desses programas. Todo governo tem direito a fazer mudanças, faz parte das regras democráticas. A única coisa que estranhamos é que a presidente Dilma, que afirmava seu compromisso com a manutenção desses benefícios, tenha proposto tais mudanças logo após as eleições”.

O professor David Kupfer, do Instituto de Economia da UFRJ, concorda com a observação do deputado Paulo Teixeira sobre a desconstrução da capacidade planejadora do Estado. “Não considero que o planejamento econômico tenha sido bem sucedido nas suas atividades típicas, isto é, no que vai além da montagem de carteiras de projeto. Basicamente, as condições de planejamento não foram reconstruídas no Brasil após a desestruturação ocorrida nos anos 1980 e 90”.

Na opinião de Kupfer, falta uma adequada percepção por parte das instituições públicas de que o planejamento contemporâneo não pode ser feito como no passado, “pois as incertezas e dificuldades de previsão são muito maiores. O planejamento hoje precisa ser mais indicativo do que o planejamento stricto sensu que era feito em vários países, inclusive o Brasil, até o final da década de 1970. Vivemos hoje numa economia mais flexível, em que tanto os preços quanto os agentes econômicos são muito voláteis. A planificação tornou-se menos relevante, porque os planos precisam ser revistos com muita velocidade. Mais importante é o ajuste que as instituições conseguem fazer sem que isto gere descoordenação”.

Para Dante Alario, presidente Técnico e Científico do laboratório Biolab, o governo não deu a devida importância ao planejamento e subestimou os reflexos da crise mundial na economia brasileira. “Devemos reconhecer que, em termos de planejamento econômico, o atual governo brasileiro tem se comportado de modo errático, em decorrência da falta de definição de objetivos de médio e longo prazos e da avaliação errônea do impacto da crise internacional sobre nosso País. As medidas anticíclicas adotadas para atenuar esse impacto foram fortemente influenciadas por interesses políticos, resultando em desequilíbrio econômico, e agora se faz necessário um ajuste fiscal que será doloroso para todos os setores da economia e para a população em geral”.

Nicolau Lages, presidente da Nortec, da mesma forma entende que “o surgimento repentino da crise econômica demonstra que o governo não estava enxergando muitos meses à frente, ou já enxergava a crise, mas, por razões políticas devido à proximidade das eleições, nada fez”. Jurandir Paccini, presidente da Ourofino Agrociência, vai além e afirma que os erros de percepção do governo são anteriores à crise mundial. “A política para o mercado de defensivos agrícolas gerou em dez anos um déficit na balança comercial de US$ 7 bilhões. Por um erro estratégico na escala da tributação, o imposto de importação de matéria-prima para a produção de defensivos agrícolas é maior do que o imposto de importação do produto acabado”.

“O PLANEJAMENTO FOI ABANDONADO EM 1985, NO GOVERNO SARNEY. DE LÁ PARA CÁ, SÓ TIVEMOS IMPROVISAÇÕES. ABANDONOU-SE UM PLANEJAMENTO EDUCATIVO, QUE PUDESSE ANTECIPAR O PAPEL DO GOVERNO NO INVESTIMENTO EM INFRAESTRUTURA, FUNDAMENTAL PARA UM DESENVOLVIMENTO MAIS HARMÔNICO”
DELFIM NETTO

Há um sentimento de insegurança na indústria em relação à capacidade do governo de recolocar a economia nos trilhos em curto prazo. Para o presidente da Globe Química, Jean Peter, “o comportamento do governo brasileiro é ambíguo. Estou preocupado, pois se criou uma resistência a corrigir os erros do passado, e eles são muito grandes. Caminhamos para inflação alta, dólar alto e retração econômica. Acho que esse quadro não se limitará a 2015. Teremos tempos difíceis pela frente”.

A INEFICÁCIA DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS

Onde encontrar as raízes do problema? Nas instituições públicas brasileiras, que não estariam cumprindo a contento o seu papel na construção de uma economia forte e socialmente justa? Na opinião do prof. Delfim Netto, o grande entrave institucional é a carência de infraestrutura em educação e saúde. “Eu sempre brinco que a sociedade que queremos é a seguinte: não importa de que forma você nasceu, mas, a partir do momento em que nasceu, tem direitos. Quais direitos? Direitos a aparatos de atenção do mundo iguaizinhos aos daquele que nasceu em berço de ouro. Isto significa que, uma vez nascido, é preciso dar a você e à sua mãe uma assistência em educação e saúde. É um erro dizer que isso é gratuito. Não é gratuito, tem que ser financiado por todos os outros, pelo imposto. Deve ser gratuito pelo ponto de vista do indivíduo, mas nada é gratuito pelo ponto de vista da sociedade. Também é preciso que se tenha alguma mitigação na transferência dos ativos, dos patrimônios entre gerações. Não importa se o sujeito tem um grande sucesso porque teve sorte ou porque o DNA dele é fantástico. É importante mitigar, para que o filho dele ou do outro comece mais ou menos do mesmo ponto. Esta sociedade está sendo construída com dificuldades e complicação. O que acontece é que abandonamos coisas fundamentais, como pensar o Brasil daqui a 20 anos”. Paulo Teixeira sublinha que as dificuldades no plano institucional estão ligadas à herança perversa da política econômica neoliberal que vigorou no Brasil nas últimas décadas do século 20. “As instituições alteraram sua lógica de funcionamento nos anos 1980 e 1990, priorizando a gestão e não o planejamento; a fiscalização e não a execução; a regulação e não o investimento público. Dessa forma, o Estado ficou altamente burocratizado e ineficiente, cheio de entraves à sua atuação como indutor do crescimento; e a estrutura institucional se mostrou ineficaz tanto na fiscalização e no combate à corrupção quanto na regulação econômica e na execução dos investimentos públicos”.

“NÃO CONSIDERO QUE O PLANEJAMENTO ECONÔMICO TENHA SIDO BEM SUCEDIDO NAS SUAS ATIVIDADES TÍPICAS, ISTO É, NO QUE VAI ALÉM DA MONTAGEM DE CARTEIRAS DE PROJETO. BASICAMENTE, AS CONDIÇÕES DE PLANEJAMENTO NÃO FORAM RECONSTRUÍDAS NO BRASIL APÓS A DESESTRUTURAÇÃO OCORRIDA NOS ANOS 1980 E 90”
DAVID KUPFER

Paulo Teixeira sublinha que as dificuldades no plano institucional estão ligadas à herança perversa da política econômica neoliberal que vigorou no Brasil nas últimas décadas do século 20. “As instituições alteraram sua lógica de funcionamento nos anos 1980 e 1990, priorizando a gestão e não o planejamento; a fiscalização e não a execução; a regulação e não o investimento público. Dessa forma, o Estado ficou altamente burocratizado e ineficiente, cheio de entraves à sua atuação como indutor do crescimento; e a estrutura institucional se mostrou ineficaz tanto na fiscalização e no combate à corrupção quanto na regulação econômica e na execução dos investimentos públicos”.

Reverter esse quadro não será fácil. Teixeira entende que é preciso o Estado brasileiro passar por uma reforma institucional ampla, “que modernize e qualifique suas estruturas de execução, garantindo dinâmica às decisões governamentais sem com isso prejudicar a rigorosa fiscalização financeira e ambiental. O foco do novo Estado brasileiro deve ser a ampliação da infraestrutura econômica, produtiva e social através de um processo de planejamento público aberto ao debate com a sociedade”.

Para os representantes do setor industrial, as maiores dificuldades de cunho institucional decorrem da falta de articulação entre o discurso e a prática governamentais e entre os órgãos públicos incumbidos da gestão, regulação e fiscalização. “Os planos, quando são formulados, não são executados” , lamenta Dante Alario. Em sua opinião, as instituições em geral se ressentem da falta de uma orientação política econômica bem coordenada e dirigida a objetivos estabelecidos e conhecidos. “Infelizmente, a constante mudança das regras do jogo cria um ambiente de incerteza para os investidores e um cenário desfavorável à retomada consistente do processo de industrialização”.

Na mesma linha de pensamento, Nicolau Lages afirma que “a maior carência nas instituições públicas é a falta de sintonia entre elas, principalmente quanto à execução das políticas emanadas pelo governo central. A meu ver, esta deficiência é a principal causa da morosidade e da perda de eficácia das ações governamentais”.

Para Sérgio Frangioni, CEO da Blanver, há uma defasagem entre o processo recente de desenvolvimento do País e a estrutura institucional do governo. “Nosso País avançou muito na última década e as instituições não conseguiram acompanhar o crescimento. Com isso, muitas regras consideradas ultrapassadas foram mantidas. Os regulamentos para investimento no Brasil, por exemplo, são muito rígidos e têm custo tributário elevado quando comparados às regras de outros países. Um exemplo significativo, especificamente em nosso segmento, é a liberação da importação de produtos de qualquer procedência sem tratamento isonômico em relação ao produto fabricado no País – por exemplo, sem as exigências relativas a boas práticas de fabricação que nos são impostas”.

O problema da falta de isonomia se manifesta com maior gravidade no setor de defensivos agrícolas. Segundo Jurandir Paccini, “percebe-se claramente que o governo não conhece o setor e não entende o que está acontecendo. Temos uma tributação totalmente perversa, reversa no que diz respeito ao desenvolvimento da indústria brasileira. O governo promove a importação do produto pronto, quando na verdade deveria promover a industrialização deste produto no País”.

QUE ROTA SEGUIR?

As dificuldades econômicas que levaram o governo a impor um severo ajuste fiscal devem ser analisadas numa perspectiva sistêmica, que permita vislumbrar rotas não apenas de escape, mas, principalmente, de recomposição dos alicerces da economia. Para Delfim Netto, “o ponto central é reconstruir o orçamento. É preciso fazer um orçamento de base zero, o que significa repensar todas as ações dos programas que o compõem. Questionar, por exemplo, por que a verba do programa X está no orçamento deste ano. Simplesmente porque estava no do ano passado? Isto é tratar o orçamento como uma montanha, um fato geológico, e não como o fato econômico que realmente é”.

Paulo Teixeira, por sua vez, defende que o ponto central é não permitir que o ajuste impossibilite o desenvolvimento de uma política de planejamento de longo prazo, e nem que ele afete de maneira muito negativa os avanços da estrutura social e as condições de vida dos trabalhadores. “O ajuste ideal deve priorizar a recomposição das expectativas positivas dos empresários e consumidores, mas para isso não pode incidir em um processo recessivo prolongado e/ou muito profundo. Sendo assim, a prioridade deve ser a retomada do crescimento econômico com distribuição de renda e riqueza, através da apresentação de um planejamento factível de médio/longo prazo para os investimentos em infraestrutura, e a reconquista da confiança, que passa pela queda da inflação e pela recomposição das contas públicas. As contas públicas irão melhorar assim que o País voltar a crescer, e o crescimento por si só melhora a maior parte dos indicadores, reforçando a confiança dos investidores no País. Para auxiliar nesse processo de ajuste, seriam bem-vindas reformas estruturais como a tributária, além da própria reforma do Estado, que ajudaria o Brasil a planejar de maneira mais eficaz o seu futuro”.

Menos otimista, Antonio Valadares questiona: “se é preciso economizar, por que não se enxuga a máquina diminuindo o número de ministérios, por exemplo? O que se critica é que o arrocho fiscal sacrifique o trabalhador, o aposentado e o brasileiro de um modo geral, enquanto o Poder Executivo segue no seu gigantismo como se nada estivesse acontecendo”.

Mais realista, David Kupfer afirma que o grande nó está na negociação política do ajuste que o governo está empreendendo. “Entendo que essa negociação política, esse consenso, é fundamental, porque o ajuste precisa ser bem sucedido e rápido. Receio que fiquemos aprisionados em uma conjuntura recessiva, em função de um conflito entre objetivos de ajuste macroeconômico e a resistência ao pagamento dos custos desse ajuste quando não se sabe bem os seus benefícios. Vivemos uma situação de muita incerteza”.

Também nesse tópico, a indústria manifesta a preocupação de que o aperto fiscal não seja suficiente para superar a crise no curto prazo e que os impasses e indecisões na esfera do poder público paralisem a economia. “A solução apresentada, apesar de necessária, é incompleta, uma vez que não reduz o custo improdutivo do governo e reduz principalmente os investimentos em serviços importantes para o cidadão”, adverte Dante Alario. “Como contrapartida, a política atual procura criar condições que proporcionem o aumento de nossas exportações, aproveitando o ajuste cambial em andamento. Entretanto, sem a adoção de medidas de suporte, de difícil realização em face do ajuste fiscal, e sem o destravamento burocrático que se faz necessário, o resultado final será de pouca monta. A articulação com o Congresso para a realização de uma reforma tributária voltada para a diminuição da burocracia e do grande número de impostos, taxas e outras contribuições, e de uma reforma política que reduza os custos de campanhas e diminua os gastos com o Legislativo seria um projeto que, se executado, traria aumento da confiança no País, com reflexos positivos na área econômica”.

“DEVEMOS RECONHECER QUE, EM TERMOS DE PLANEJAMENTO ECONÔMICO, O ATUAL GOVERNO BRASILEIRO TEM SE COMPORTADO DE MODO ERRÁTICO, EM DECORRÊNCIA DA FALTA DE DEFINIÇÃO DE OBJETIVOS DE MÉDIO E LONGO PRAZOS E DA AVALIAÇÃO ERRÔNEA DO IMPACTO DA CRISE INTERNACIONAL SOBRE NOSSO PAÍS”
DANTE ALARIO

Nicolau Lages mostra-se mais confiante quanto aos efeitos positivos do ajuste. “O governo está fazendo o que deve ser feito, pois o ajuste fiscal é imprescindível para equilibrar as contas e criar um ambiente propício para a volta do crescimento econômico em um ou dois anos. É natural que, nesse contexto, seja cancelada parte da renúncia fiscal concedida. Passada a fase de ajuste, com as contas equilibradas, o governo poderá estabelecer políticas para incentivar o aumento da produção interna e das exportações. Penso que deve ser feito um grande esforço para manter o dólar acima de R$ 3,10, pois a partir desse nível a competitividade da produção nacional aumenta e permite a manutenção de boa parte do nosso parque industrial operando, gerando empregos. Será possível aumentar as exportações em alguns setores, mas para isso é importante que a presidente Dilma mantenha operando as políticas industriais existentes”.

Esta avaliação é compartilhada por Sérgio Frangioni, presidente da Blanver. “Uma indústria ou um cidadão, frente a uma conjuntura adversa, são obrigados a tomar decisões difíceis, mas necessárias para conseguir superar os obstáculos. Da mesma forma, em momentos de incerteza o governo precisa tomar medidas impopulares”. Assim como o senador Valadares, Frangioni acredita que seria benéfico o governo “dar o exemplo reduzindo o número de ministérios, o funcionalismo e outros custos da máquina pública”. E, na mesma linha de Dante Alario, ele defende uma reforma tributária.

“Atualmente o Brasil tem uma complexidade e um custo fiscal elevadíssimos, incompatíveis com seu tamanho e importância no contexto internacional”.

Jean Peter concorda que o tamanho do Estado é um problema. “Pode-se começar cortando os ministérios, mas é preciso também diminuir a máquina pública e dar liberdade para as pessoas trabalharem. E, claro, ter uma Justiça funcionando para punir quem usa a máquina pública em benefício próprio”.

Para Jurandir Paccini, “o caminho a seguir é o da geração de empregos e do desenvolvimento local. Acho que o Brasil está pagando um preço por ter, nos últimos dez anos, focado no consumo e não na produção. A política econômica brasileira na última década promoveu o consumo através de políticas de crédito ao consumidor, sem olhar para a produção nem para o setor industrial, tanto é que o nível de produção industrial hoje no País é igual ao de dez anos atrás”.

O PAPEL DA INDÚSTRIA NO DESENVOLVIMENTO

A indústria se destaca, inquestionavelmente, como o setor da economia mais promissor em termos de geração de empregos de qualidade e desenvolvimento local. Apesar disso, observa Delfim Netto, as indústrias brasileiras de modo geral têm sido vítimas de um processo de destruição. “A partir de 1985, abandonaram-se os dois vetores que produziam crescimento: a exportação e o investimento. A participação das exportações industriais brasileiras no mercado mundial crescia 15% ao ano. A partir de 1986, vem caindo 1,2% ao ano. A economia tem três princípios básicos: salário real, juro real e câmbio real. Quando é feita uma intervenção arbitrária em um deles, os outros se ajustam. No caso da indústria nacional, ela foi dizimada por uma política cambial que há 30 anos não dá a menor garantia. Nos últimos 16 anos, a indústria perdeu sua capacidade exportadora em face da valorização do câmbio. Não faltou demanda para produtos industriais, mas sim para a indústria brasileira. O subsídio concedido à indústria local foi canalizado para a indústria chinesa”.

David Kupfer lembra que “apenas em situações muito particulares os países podem prescindir da atividade industrial: quando têm pequena população ou vocação específica que não envolva a manufatura. O Brasil não se enquadra em nenhum desses casos. Por ser um país continental, de grande população, necessita da atividade industrial como fator de desenvolvimento. A questão é qual indústria. O fato de se defender a indústria como base para o desenvolvimento não significa que qualquer indústria terá a capacidade de superar esse desafio”.

Paulo Teixeira também enfatiza a centralidade do setor industrial no nosso caso específico. “A indústria tem um papel central no desenvolvimento econômico de qualquer nação com a dimensão e população do Brasil. Países menores podem até sobreviver sem um grande e diversificado parque industrial, especializando-se na produção de alguma commodity e/ou algum serviço, mas este não é o caso do Brasil. A indústria, portanto, precisa estar no centro da estratégia de desenvolvimento nacional, por gerar amplos encadeamentos produtivos (inclusive para o setor de serviços de maior agregação de valor), empregos melhores, mais qualificados e bem remunerados, além de possibilidades de inovação tecnológica superiores a qualquer outro setor da economia”.

Por outro lado, Teixeira reconhece que a retomada do desenvolvimento da indústria “não é tarefa trivial em um mundo transbordante de capacidade ociosa, demarcado por enormes barreiras técnicas e tecnológicas e dominado por grandes empresas oligopolistas de países centrais. Nossa estratégia deve priorizar indústrias em que somos competitivos, além de preservar alguns setores tradicionais que empregam grande volume de mão de obra. O foco em setores da nova onda da revolução industrial, como o de energias renováveis, pode nos garantir vantagem competitiva nas décadas vindouras. No curto prazo, a manutenção da taxa de câmbio em patamares mais convenientes é condição necessária, embora não suficiente, para a reativação de nossa indústria e de alguns elos perdidos das cadeias produtivas internas”.

Os representantes do setor industrial exprimem com orgulho sua convicção de estarem contribuindo para o desenvolvimento do País. “Sem indústria a roda não gira, a economia não anda, o comércio não se movimenta”, afirma Jurandir Paccini. Nicolau Lages pondera que “não por acaso, todos os países desenvolvidos do ponto de vista econômico e social são, também, industrialmente desenvolvidos. O desenvolvimento industrial de um país requer a educação do seu povo, capacitando o ser humano para gerar riqueza e bem-estar social”. Sérgio Frangioni acrescenta que “historicamente a indústria tem sido o propulsor da economia, por criar empregos diretos e indiretos, trazer o desenvolvimento e descobertas inovadoras que permitiram o acesso da população a uma vida melhor e mais confortável”.

Na avaliação do deputado federal Darcísio Perondi (PMDB- -RS), “nossa indústria está abandonada, perdeu completamente a confiança no governo, e esse divórcio precisa ser enfrentado no Brasil”. Ele reconhece, entretanto, como uma exceção no cenário de abandono o setor de medicamentos, que conta com o apoio de programas públicos de fomento. “A demanda por medicamentos só vai aumentar, então o governo deve apostar firmemente no programa de PDP para diminuir o custo. A área econômica precisa dar mais força ao Ministério da Saúde para que esses projetos ganhem celeridade, e a Anvisa deve ser mais rápida também”.

Em que pesem esta e outras exceções, sem dúvida a indústria brasileira não vive um bom momento. “A desindustrialização se acentuou nos últimos anos, como se pode constatar pela participação declinante do setor industrial na formação do PIB”, lembra Dante Alario. Jean Peter, igualmente apreensivo, assevera que “a indústria de transformação parou. Para reindustrializar é preciso criar um clima de confiança, com menos burocracia e infraestrutura adequada para elevar a competitividade. Este é o nosso maior problema. Em indústria o Brasil não é competitivo, e isso vai da padaria à indústria de automóveis”.

MERCADO X ESTADO: EM BUSCA DA TERCEIRA VIA

Em períodos de crise, é natural o acirramento das discussões sobre o papel do Estado na economia. Geralmente o que se critica são os gastos públicos excessivos, mas há também quem defenda o retorno a uma política econômica neoliberal, pautada pela desregulamentação e pela não interferência do Estado nos embates concorrenciais.

Na opinião de Delfim Netto, é uma ilusão pensar que se pode ter desenvolvimento econômico e social naturalmente associados, sem um Estado constitucionalmente regulador e controlador, capaz de intervir nos mercados. “Essa ideia de que os mercados são autorreguláveis, de que existe um equilíbrio natural, de que o desemprego é um ataque de vagabundagem dos trabalhadores, é a coisa mais abjeta que existe. O mercado não sabe nada, muda de opinião toda semana”.

Numa breve contextualização histórica, Paulo Teixeira comenta que “a ideia de que o mercado resolve todos os problemas da economia estava morta e enterrada desde os anos 1930, mas parece ter ressurgido com toda força nos anos 1980 e 1990, apenas para desembocar novamente numa profunda crise do capitalismo mundial, repetindo os resultados nefastos da visão liberal dos anos 1920. Certamente a economia de mercado, baseada na concorrência, tem seus méritos, como o constante desenvolvimento tecnológico que propicia, além de gerar um ambiente de negócios e de formação de preços superior a qualquer outra organização econômica até então conhecida. No entanto, o livre mercado já deu mostras claras de que é profundamente instável, nos leva a crises recorrentes das quais não conseguimos sair sem a ajuda do Estado, além de tender a acentuar as desigualdades de renda e riqueza”.

Antonio Valadares reforça essa tese, lembrando que “não existe caso na história em que desenvolvimento econômico tenha sido feito somente com a força do mercado. Em todos os países hoje desenvolvidos, o Estado teve grande participação no desenvolvimento econômico e social. O modelo do ‘Estado mínimo’ não deu certo, e o do Estado altamente intervencionista também não deu certo. Penso que a solução seja um meio termo: devemos dar oportunidade ao mercado para se autorregular e se autocorrigir, mas não podemos perder de vista que ele jamais se mostrou eficiente em proteger o mais fraco, pois isto contraria a sua própria essência. Então, os governos precisam atuar em frentes estratégicas para a manutenção do equilíbrio da vida social. É dever do Estado garantir o mínimo constitucional: a dignidade da pessoa humana e a proteção dos mais necessitados”.

A indústria de química fina, especialmente no setor de medicamentos, tem uma longa experiência com políticas públicas e também com a falta delas. Na avaliação de Nicolau Lages, “o mercado resolve muitos problemas, mas não todos. Nos países desenvolvidos, os governos estão, vez por outra, intervindo para solucionar os problemas que o mercado sozinho não resolve. O planejamento do desenvolvimento econômico e social no longo prazo é algo que só o governo pode implantar”.

A questão é o grau – e a qualidade – da intervenção estatal. “Somos favoráveis à democracia econômica, com níveis elevados de concorrência associada a transparência”, pondera Dante Alario. “Mas defender a concorrência e a democracia econômica não significa defender regulação zero ou Estado zero. Certo grau de regulamentação se faz necessário para que a concorrência prevaleça. A presença do Estado é indispensável para garantir que, além da liberdade, outros valores também sejam alcançados: estabilidade e solidariedade na oferta de bens públicos. Quando inexiste democracia econômica, o partido político no poder sente-se tentado a intervir como lhe aprouver no setor privado”.

Sérgio Frangioni também chama atenção para os riscos da apropriação político-partidária do planejamento de Estado. “O governo tem como função principal oferecer meios e criar condições favoráveis para o investimento e o desenvolvimento do País. Uma política de Estado deveria ser amplamente discutida no Congresso para que seja consolidada e direcionada ao bem da população em geral, e não a um determinado partido político, o que proporcionaria maior credibilidade à nação no futuro”.

Além da intervenção direta, sob forma de planejamento ou de atos normativos, o Estado tem também uma função indutora, ressalta David Kupfer. “O mercado não se resolve sozinho e não resulta de ações descentralizadas e independentes. Ele depende de expectativas que os agentes montam a partir de sinais que, em geral, vêm da política pública. Provavelmente esta é a maior dificuldade da economia brasileira, porque a política pública envia sinais contraditórios que prejudicam a coordenação entre os agentes e entre objetivos e ações. Estamos vendo o mercado ‘bater cabeça’, mudar de previsão a todo instante, com expectativas voláteis, porque não se consegue estabelecer uma visão de futuro sem a interferência dos fatores de coordenação que emanam do Estado”.

Ainda pior do que a ambiguidade é a sinalização negativa, acentua Jurandir Paccini. “O governo tem papel fundamental na economia, ele é o maestro. O mercado executa, faz, mas quem dá o direcionamento é o governo. Quando o governo dá o direcionamento errado, como, por exemplo, cobrar mais impostos de uma matéria-prima do que de um produto pronto, ele mostra que está abandonando a produção local, e se paga um preço por isso”.

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