Fora dos períodos Vargas, Juscelino e Geisel, não mais foram implantados no Brasil planejamentos governamentais estáveis no longo prazo, caracterizados por diagnósticos bem elaborados, contendo objetivos claros com metas quantificadas, regidos por marcos legais adequados, cronogramas definidos e controlados ao longo de sua execução.
Essa ausência de planejamento governamental foi intensificada a partir dos anos 90, quando da adoção de uma política econômica praticada pelos economistas neoliberais que então assumiram o controle da economia brasileira, baseados em recomendações resultantes de reunião ocorrida em 1989, conhecida como Consenso de Washington. Segundo tais economistas, o mercado prescindiria de planejamentos de Estado, pois ele – mercado – sempre faria uma alocação ótima dos fatores de produção. Contrariando a argumentação de que o governo deveria adotar as ações necessárias para desenvolver alguns setores estratégicos para o crescimento do país como parte do planejamento de Estado, sempre responderão: “bobagem, a melhor política industrial é não ter política industrial”.
A ausência do planejamento de Estado no longo prazo teve como resultado os crescimentos pífios do PIB brasileiro quando comparados com os dos demais países emergentes no mundo, o que fica demonstrado por recente estudo estatístico sobre o crescimento do PIB no Brasil e o de algumas nações emergentes no mundo, que é apresentado no gráfico acima. Como se verifica nesse gráfico, o PIB, que crescia bem em 1980, teve uma queda entre 1981 e 1983, retornando a níveis equivalentes aos demais emergentes entre 1984 e 1987, para, a partir daí, cair para bem abaixo desses países emergentes até os dias atuais.
É importante mencionar que as fortes variações constatadas no PIB da Coreia do Sul no período 1997-1999 deveram-se aos reflexos de uma episódica situação ocorrida na adoção de câmbio flutuante pela Tailândia. Esse fato promoveu consequências severas não somente para aquele país, mas também para o conjunto denominado de Tigres Asiáticos, podendo-se notar que, em curto espaço de tempo, as economias de tais países se recuperaram.
Considerando-se os extremos do período analisado (ano de 1980 e ano de 2013), verifica-se que os crescimentos do PIB no Brasil e nas nações emergentes no mundo apresentam os valores que são analisados em sequência e mostrados no gráfico de barras a seguir. Os valores registrados nesse gráfico demonstram, com bastante clareza, a fragilidade de nossa economia face às demais nações emergentes no mundo: nos últimos 35 anos, o PIB tem crescido no Brasil a uma taxa média anual inferior a 3% (2,76%), menos de um terço do crescimento apresentado pela China (9,86%), e cerca de metade do crescimento da Coreia do Sul (6,33%), Indonésia (5,53%) e Índia (6,18%).
Não é demais lembrar que, no início dos anos 80, o Brasil praticamente estava no mesmo nível tecnológico e econômico dos países emergentes asiáticos, conforme pode se constatar pelo exame da tabela abaixo, que mostra o número de patentes industriais depositadas e divulgadas pelo World Intellectual Property Organization (WIPO) entre 1980 e 2013. No início dos anos 80, o Brasil praticamente depositava patentes em níveis comparáveis à China e Coreia do Sul (cerca de metade), superando Índia (o dobro) e Indonésia. Em 2013, o Brasil conseguiu superar apenas o número de patentes depositadas pela Indonésia, caindo para 1% do índice chinês, 3% do índice coreano e 30% do índice indiano. Assim também, considerando os países desenvolvidos, em 1980 o Brasil depositava 3% do número equivalente dos Estados Unidos, caindo esse índice em 2013 para apenas 1% do norte-americano.
A causa dessa marcante diferença no desenvolvimento tecnológico entre países é que, enquanto China, Coreia do Sul e Índia atribuíram ao Estado a tarefa de planejar o desenvolvimento econômico de longo prazo – algo que ocorreu mais recentemente também na Indonésia –, no Brasil essa relevante política foi totalmente abandonada a partir do início dos anos 90.
Como contraponto ao Brasil, a China, a Índia e a Indonésia vêm crescendo a taxas entre 5 e 10% ao ano porque mantém uma forma de planejamento econômico estável de Estado no longo prazo, que eles definem como “a mão invisível do mercado sendo guiada pela mão visível do Estado”, em sábia definição corrente. Dessa forma, verifica-se que os países emergentes se desenvolveram quando contrariaram com grande sucesso o pensamento neoliberal, segundo o qual somente um “mercado totalmente livre” resolveria desajustes macroeconômicos.
Em realidade, os Estados Unidos da América do Norte – hoje o expoente do sistema capitalista no mundo –, no final do século XVIII, a despeito de constituírem um agrupamento de 13 colônias que apenas desejava livrar-se da espoliação britânica, comandadas por George Washington conquistaram sua independência e formaram a união de estados norte-americanos. Em decorrência, construíram uma grande nação, na realidade baseada em um claro projeto de Estado objetivando implantar um plano de desenvolvimento tecnológico e industrial construído por Alexander Hamilton, aliado aos direitos civis consagrados em Constituição Federal concebida por Thomas Jefferson.
A economia de mercado livre surgiu nos Estados Unidos somente muitos anos após essa federação de estados ter atingido um elevado grau de industrialização, seguindo os parâmetros definidos pelo Relatório sobre as Manufaturas, documento editado em 1791 e escrito por Alexander Hamilton, no qual consolidou e antecipou as diferentes medidas por ele adotadas durante sua gestão como secretário da Fazenda de George Washington, primeiro presidente dessa grande nação.
Como norma diretriz de sua atuação, dizia Hamilton: “Não somente a riqueza, mas a independência e a segurança de um país parecem estar intimamente ligadas à prosperidade das manufaturas. Toda nação que pretenda atingir estes grandes objetivos deve procurar possuir o essencial para o abastecimento nacional. Aí se incluem os meios de sustentação, habitação, vestimenta e defesa”.
No Brasil, depois do longo período de afastamento do Estado na condução de políticas públicas objetivando desenvolver a produção local – característica dos anos 90 –, somente retornaram tais políticas a partir de 2004. No primeiro governo Lula, como fase inicial dessa desejada retomada de planejamento governamental, foi feito importante diagnóstico econômico e social do País, que resultou na montagem da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), na qual foram definidas quatro áreas estratégicas.
Estudos foram conduzidos nesse período, resultando em diagnósticos que foram apreciados e aprovados em fóruns de debates ocorridos entre o setor público e o privado, dos quais resultaram recomendações que deveriam ter sido adotadas por agências governamentais, mas muito poucas foram aproveitadas.
Parece-nos claro, no entanto, que os tímidos resultados alcançados no âmbito da PITCE deveram-se à inexistência de alguns elementos fundamentais para a elaboração de política pública planejada para o longo prazo, quais sejam, metas objetivas e cronogramas quantificados, marco legal adequado e, especialmente, o comprometimento dos vários atores de governo com a nova política industrial em vigor.
Mesmo assim, é importante destacar o papel do BNDES pela implantação do programa Profarma, e do Ministério da Saúde pela criação de uma Política para o Desenvolvimento Produtivo do Complexo Industrial da Saúde, da qual resultaram as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs). Destaque cabe, também, ao Itamaraty pela firmeza com que impediu que nas negociações internacionais então ocorridas fossem aprovadas concessões inibidoras ao desenvolvimento do País, em especial as relacionadas com propriedade intelectual, uso do poder de compra do Estado e investimentos.
No primeiro mandato de Dilma, novas políticas públicas foram implantadas, voltadas para o aprofundamento da PITCE, mas se mantiveram as carências antes assinaladas, representadas pela ausência de um marco legal adequado, indefinição de metas objetivas e cronogramas quantificados, bem como por falhas na articulação da máquina pública para a implantação das medidas previstas.
Por oportuno, convém ser destacado que não podem ser atribuídos exclusivamente ao atual governo federal os problemas que hoje são sentidos posto que, fora alguns renitentes grotões ainda existentes no pensamento econômico neoliberal valorizado pela mídia, encontram-se no governo competentes defensores de uma clara política pública, com viés industrial e tecnológico. Essa política pública passa pela valorização da inovação tecnológica e pela fabricação local de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), que fazem parte do assim denominado complexo industrial da saúde.
No que concerne à atual máquina pública, observa-se que, diversamente de quando havia uma simples Secretaria de Planejamento vinculada à Presidência da República, o atual Ministério do Planejamento cuida somente de orçamento e gestão, não realizando nenhuma tarefa específica de planejamento estratégico do Estado, voltado para o desenvolvimento econômico e social do País, cuja coordenação deveria constituir sua função precípua.
O Poder Legislativo deveria ser importante partícipe na elaboração e acompanhamento da execução de um grande Projeto de Nação, priorizando a discussão de temas que digam respeito aos soberanos interesses nacionais – como analisar as causas da forte dependência do País na importação de produtos de alto valor agregado, acomodados que somos ao papel de simples produtores e exportadores de commodities agrícolas.
O crescente afastamento do Parlamento de tais debates é um fato recente, embora muito gritante. Para ilustrar essa situação, lembramos que, ao longo do ano de 1991, o senador Mario Covas presidiu a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para examinar dimensões e causas do atraso tecnológico do Brasil, em audiências públicas iniciadas nas manhãs de segunda-feira e que se estendiam até as sessões plenárias nas tardes das terças-feiras, acompanhadas por dezenas de deputados, senadores e representantes da sociedade civil. Hoje são raros e esvaziados os debates sobre questões temáticas de relevante interesse nacional.
Devemos registrar, também, que a raiz dos problemas governamentais no Brasil reside no nosso sistema fragmentado de gestão, caracterizado por decisões esparsas tomadas pelas diferentes agências governamentais sem atender a uma orientação central que defina e acompanhe o cumprimento de metas objetivas e cronogramas quantificados. Desse fato resulta uma ineficiente gestão da máquina pública, que somente poderá ser corrigida através da montagem do mencionado Projeto de Nação, obviamente com plena adesão da estrutura político-partidária do País e de toda a sociedade brasileira.
Nesse contexto, devemos aceitar que depende essencialmente de nós mesmos a mudança na configuração desse quadro, envolvendo toda a população e cada um assumindo sua responsabilidade como cidadão, seja empresário, político ou administrador público na área dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Sem ódios ou preconceitos, temos que buscar convergências políticas para a definição de um grande Projeto Nacional de longo prazo, a ser implantado pelos nossos representantes em diferentes mandatos governamentais com uma única visão de Nação, mesmo que componentes de distintos partidos políticos. O ódio político e o descompromisso das pessoas com a cidadania constituem os piores ingredientes para o desenvolvimento de qualquer nação no mundo.
Temos que buscar caminhos no sentido oposto àquele seguido pela Itália nos anos 30, quando, devido à falta de compromisso dos cidadãos com o país e à ausência de uma visão política de Estado Nacional, adensada pela ineficiência da máquina governamental, Mussolini verbalizou a frase: “governare gli italiani non è difficile, ma inutile”, antecedendo a introdução do famigerado fascismo, que resultou em completo desastre social e econômico.
Estamos certos de que, uma vez implantado um Projeto Nacional nos termos que definimos, teremos alcançado uma posição ímpar no mundo visando a retomada de soberano crescimento econômico e social, já que reunimos as melhores condições globais para esse desenvolvimento, em termos de recursos naturais, abundância de reservas aquíferas, ausência de problemas étnicos, clima adequado e favorável relação área/população.