Diante de um cenário macroeconômico interno e externo difícil, não há soluções mágicas para o Brasil: deve-se oferecer segurança para os investidores por meio da continuidade das políticas industrial e de comércio exterior. Carlos Mussi, diretor do escritório da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) no Brasil, engrossa o coro, destacando que não precisamos “criar mais mecanismos, mas garantir os que têm maior impacto”. Segundo ele, as políticas públicas nos últimos anos colidiram com o fim de uma geração de grandes empresários e uma nova estrutura de capital baseada em investimentos de curto prazo, não tendo assim conseguido estimular a indústria. Além de chamar atenção para o incentivo ao ânimo do novo empresariado nacional, Mussi alerta para a importância de o País desmistificar o ideal da verticalização total da cadeia produtiva, buscando oportunidades para agregar valor e produzir bens intermediários para exportação, a exemplo do que acontece entre os países asiáticos.
Como o senhor vê o uso de política pública para agregar valor a produtos exportados?
Políticas públicas na área de comércio exterior estão vinculadas a dois aspectos. Um para consolidar e garantir as vantagens comparativas naturais da nação, ou seja, para que o País possa manter seu fluxo de exportação de forma competitiva e atualizada frente a novas tecnologias. O segundo aspecto é verificar como o País pode se inserir em novas formas de atuação no comércio exterior. O primeiro aspecto é uma política de apoio, de financiamento, de logística, de competitividade, para entregar esses produtos. O segundo é uma política de apoio à inovação, que permita a produção local, mas também gerar novos produtos para o comércio exterior.
Como analisa a participação dos manufaturados na exportação do Brasil?
O Brasil, que vinha com uma maior participação inclusive de produtos finais, viu no inicio do século XXI essa tendência se inverter graças ao boom das commodities. Por outro lado, os industrializados enfrentaram dificuldades de custo e de competição em outros mercados. Hoje o Brasil está numa encruzilhada em que precisa redesenhar as políticas públicas para o comércio exterior, buscando garantir uma participação importante dos manufaturados. Estamos aqui falando muito de exportações, mas há também as importações de produtos intermediários para produção local que competem conosco no mercado interno.
Existe um fator agravante no caso dos produtos de maior valor agregado?
Nas exportações de manufaturados de maior valor agregado, há uma exaustão, uma deterioração da capacidade de competição brasileira, porque a estrutura de comércio exterior, principalmente a de produtos finais, se alterou muito nos últimos anos, especialmente com a fragmentação, a participação diferenciada de cada país na cadeia produtiva mundial.
Qual é a situação de outros países da América Latina?
A América Latina e o Caribe têm diferentes estruturas em suas sub-regiões, que recebem impactos diferentes do comércio exterior. O México, por exemplo, é o país que tem a maior participação de manufaturados nas suas exportações. No entanto, depende do mercado norte-americano e, além disso, precisamos ver o quanto do valor agregado é mexicano. As operações das maquilas (empresas que importam componentes e matérias-primas para a montagem do produto final) é uma característica do país e, quando a economia americana tem dificuldades, impacta o comércio exterior mexicano. Eles têm sido até bem proativos na procura de novos mercados, sendo o Brasil um objetivo deles, assim como outros países da América Latina.
O Chile, por sua vez, tem uma exploração forte dos recursos naturais, especialmente o cobre, e tenta agregar valor em cima deles. É um país bastante integrado ao comércio exterior, cuja soma compõe grande parte do PIB. Já Peru e Colômbia têm aproveitado o boom de commodities para tentar agregar investimentos para sua competitividade, além de buscar setores novos por meio de uma inserção internacional via acordo de livre comércio com os Estados Unidos. E tem Venezuela, Bolívia e Uruguai, que dependem muito de commodities, mas com diferenças em termos de como se inserem no ciclo de preços desses produtos.
“HOJE O BRASIL ESTÁ NUMA ENCRUZILHADA EM QUE PRECISA REDESENHAR AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O COMÉRCIO EXTERIOR, BUSCANDO GARANTIR UMA PARTICIPAÇÃO IMPORTANTE DOS MANUFATURADOS”
Então o México seria o país mais bem-sucedido na região?
O problema é o “bem-sucedido”. Ele exporta mais produtos manufaturados, porém a questão é o quanto isso traz vínculos para a economia local, por exemplo, a produção de componentes nacionais ou a inovação de produtos para exportação. O México tem tentado criar maior capacidade de conhecimento e suas universidades se destacam nas engenharias em geral. O governo tem estudado como diversificar a estrutura produtiva e o comércio exterior. Hoje a principal produção é de automóveis e de produtos relacionados à indústria automobilística.
E nos países asiáticos, como o senhor vê a estrutura de comércio exterior?
Uma característica do mercado asiático que dá grande dinamismo à produção de manufaturados de valor agregado é o intercâmbio entre eles de bens intermediários para a produção final. A Cepal, assim como o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), sempre chama atenção para este fato. O carro pode ter a montagem final na Tailândia, mas uma peça veio do Japão, outra de Cingapura, outra de Hong Kong.
O que a gente precisa aprender agora é que não se trata só de bem final, de ter 100% da produção no País. Esse cenário não existe tanto no mundo hoje. O que vemos é a fragmentação da cadeia produtiva de valor. Portanto, como disse antes, as políticas públicas precisam consolidar as vantagens competitivas do País e ver como inseri-lo nas novas estruturas de produção.
Mas apenas alguns desses países, como Coreia e China, detém as tecnologias.
Eles têm empresas que atuam com a venda do produto final e fragmentam, em toda a região, o comércio de bens intermediários para a produção de bens finais de maior valor agregado. Esses países conseguiram ao longo do tempo inovar localmente. Esse inovar é também adaptar, utilizar conhecimentos de outras de tecnologias dentro do seu sistema produtivo.
Ou seja, os países mais desenvolvidos conseguem puxar a produção da região, o que na América Latina não acontece?
Tirando o México com as maquilas, 64% das exportações de bens na Ásia são de produtos intermediários, enquanto na América Latina são apenas 22%. Ou seja, nossa integração buscou muito o comércio de bens finais e não a coparticipação entre países no processo produtivo.
Neste momento econômico difícil, mais do que nunca o governo deveria incentivar a agregação de valor na produção?
A Cepal colocou que a região como um todo está numa encruzilhada, com dificuldades externas e desafios internos. O Brasil precisa de uma nova política de comércio exterior e de maior seletividade dos mecanismos de política industrial. O grande desafio brasileiro é revigorar o empreendedor industrial, especialmente o nacional. A indústria do País tem característica de inserção via empresa multinacional, e isso deve ser incentivado. Mas também deve revigorar o empresariado local, pois ele pode inovar ou atender mercados que outras grandes indústrias não tenham interesse. O Brasil precisar trazer para novos empresários uma perspectiva de comércio exterior.
Um caminho seria definir setores estratégicos para as políticas públicas?
Isso tem sido feito no caso brasileiro. Os últimos 12 anos foram de reconstrução da política industrial e de edificação de setores.
Como o senhor avalia o resultado?
Notou-se uma estrutura de política industrial, mas creio que duas situações não permitiram uma boa implementação. A crise de 2008 atingiu as sedes das multinacionais e, ainda que tivesse estímulo para as empresas no Brasil, o cenário não permitiu o aspecto multiplicador da política nacional. Como você convence o gerente de uma empresa estrangeira no Brasil a investir quando a sede está quase falindo? E, em segundo lugar, não houve uma presença mais forte do empresário nacional, pois essa política chegou em um momento de transição. Terminava a geração dos grandes empresários e, ao mesmo tempo, houve uma crescente presença de capital de curto prazo, como os fundos de participação. O impacto foi limitado porque se esqueceu de quem estava do outro lado para tomar as decisões.
Que mecanismos poderiam ser adicionados à política industrial?
Primeiro, ter continuidade. Isso implica não em criar mais mecanismos, mas em garantir os que têm maior impacto. É preciso garantia de médio e longo prazo para os empresários fazerem suas operações com certa confiança. E atuar de forma mais agressiva em termos de avaliação de mercado, sem esquecer da capacidade produtiva do País para atender o mercado interno de forma competitiva. Para ser competitivo lá fora tem que ser competitivo internamente. Por fim, é necessário utilizar mecanismos de garantia de acesso aos mercados, seja via tratados, OMC (Organização Mundial do Comércio) ou outros.
“A POLÍTICA INDUSTRIAL PRECISA TER CONTINUIDADE. ISSO IMPLICA NÃO EM CRIAR MAIS MECANISMOS, MAS EM GARANTIR OS QUE TÊM MAIOR IMPACTO”
O senhor diz que o Brasil gerou muito emprego, mas é preciso olhar a qualidade deles. A Cepal chegou a uma conclusão?
Há um diagnóstico para a região, semelhante para o Brasil, de que houve uma expansão de empregos de menor produtividade, principalmente em comércio e serviços. Mas o interessante é que isso não significa empregos de maior informalidade.
O que o senhor considera emprego de menor produtividade?
Aquele que não cria tanto valor. Um engenheiro vai gerar um produto de R$ 100 mil. Já num salão de beleza você faz muitos serviços de manicure, mas o valor não é tão alto. Em geral, são empregos de menor qualificação. Foram eles que tiveram maior expansão de emprego e de salário.
Uma indústria forte melhoraria o nível desses empregos?
Sem dúvida. A história brasileira mostra isso.
Em sua avaliação, quais são as perspectivas do Brasil para o futuro?
Melhorado o cenário macroeconômico, vai ser mais fácil tomar decisões sobre investimento, e isso vai permitir o retorno do crescimento. Mas é preciso oferecer ao empresário um cenário que permita a decisão de investimento.