REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2015 • ANO IX • ISSN 2623-1177
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//Editorial

A RETOMADA INDUSTRIAL DA QUÍMICA FINA NA NOVA GEOGRAFIA MUNDIAL

As vendas globais da indústria química atingiram, em 2013, a cifra de € 3.156 bilhões, segundo os dados mais recentes publicados pelo European Chemical Industry Council (Cefic)

As vendas globais da indústria química atingiram, em 2013, a cifra de € 3.156 bilhões, segundo os dados mais recentes publicados pelo European Chemical Industry Council (Cefic), com um crescimento médio de cerca de 7% a.a. nos últimos 25 anos, média bem superior à da economia como um todo. Entretanto, a disparidade entre o crescimento da produção apresentado nas diversas regiões do mundo mudou radicalmente a geografia da indústria, inclusive na indústria química: a Ásia, liderada pela China, responde hoje por mais de 50% das vendas globais de produtos químicos; a Europa tem 20%; o Nafta, pouco menos de 17%; e a América Latina, magros 4,5%. As projeções do Cefic para 2030 preveem um crescimento de 3% a.a. concentrados principalmente na Ásia, o que projeta, para aquele ano, que dois terços do mercado mundial de produtos químicos serão supridos por aquela região.

Desde meados dos anos 80, assiste-se a uma intensa migração de indústrias para os países asiáticos, não apenas indústrias químicas, mas também de diversos outros setores, como têxtil, automobilístico, brinquedos, eletroeletrônico, computação, construção, etc., todos consumidores de produtos químicos. Esta intensa migração industrial para o Leste foi causada pelo enorme diferencial de custos de produção em relação ao Ocidente, com ambiente regulatório frouxo, política de fortes incentivos governamentais – inclusive cambiais – e, no caso dos países do Oriente Médio, a abundância de matéria-prima para fomentar a indústria petroquímica. Esta migração, que se iniciou timidamente nos anos 80 em função de barreiras logísticas, baixa produtividade da mão de obra, má qualidade de produtos, etc., foi se acelerando à medida que estas dificuldades foram sendo superadas com a prática. Hoje inúmeros países asiáticos já contam com qualidade e produtividade da mão de obra, regulações e logística equivalentes aos países ocidentais. A China é inegavelmente a líder neste processo, mas Indonésia, Índia, Coreia do Sul, Malásia e Vietnam estão seguindo seus passos. A nova onda migratória é agora de indústrias de alta tecnologia e centros de pesquisa e desenvolvimento. Ao consumo local destas indústrias migrantes, vem se somar o enorme mercado interno populacional asiático (cerca de 4 bilhões de habitantes, cujos padrões de consumo vêm crescendo paulatinamente) e a agressiva política de exportações, calcada em preços altamente competitivos em função da escala e das políticas industrial e cambial muito ativas, permanentes e extremamente favoráveis, bem como dos reduzidos custos sociais e de meio ambiente.

Nas décadas de 60 e 70, o Brasil assistiu a um crescimento acelerado da produção local apoiado em uma agressiva política de substituição de importações. Este impulso perdeu força nos anos 80 em função de uma persistente crise econômica que perdurou ao longo da década e que forçou o País a alterar radicalmente suas diretrizes políticas de desenvolvimento. No início dos anos 90, o abandono da política de incentivo à industrialização local, com a adoção de uma abertura comercial ampla e a remoção de barreiras a importações, fez com que o dinamismo industrial perdesse vigor. Uma nova política industrial só veio a ser retomada a partir de 2004, mas seu caráter pouco abrangente e de características defensivas já não tinha a eficácia necessária para garantir sucesso diante das novas condições mundiais e o País perdeu posições no quadro geral das nações. Em 1980, o Brasil era o sétimo colocado no ranking dos países industrializados, à frente de todos os emergentes, com 2,7% do valor agregado da produção. Hoje está em 11°, com apenas 1,6% do valor agregado. A partir do final dos anos 90, o aumento do consumo interno de produtos industrializados passou a ser crescentemente atendido por importações e a indústria química não foi exceção.

Apesar da perda de dinamismo industrial, o Brasil é ainda um País relevante no espectro do consumo de produtos químicos e guarda um potencial expressivo de crescimento em setores importantes desta indústria. Segundo dados de 2013 da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), o Brasil situa-se em sexto lugar entre os dez maiores mercados mundiais de produtos químicos, pouco à frente de França, Índia, Itália e Reino Unido, como ilustra a figura a seguir. A perda de dinamismo da economia brasileira, aliada ao continuado crescimento dos países asiáticos, torna provável que o Brasil ainda perca posições para a França e a Índia, e talvez Taiwan, em futuro próximo. 

Ainda segundo dados da Abiquim, o faturamento total das indústrias químicas brasileiras atingiu US$ 156,7 bilhões em 2014, com importações totais de US$ 46 bilhões e exportações de apenas US$ 14,4 bilhões. Disso resultou um déficit recorde de US$ 31,6 bilhões, que vem crescendo desde meados da década de 90. O descompasso entre o crescimento da produção interna e a evolução do consumo doméstico e o aumento do valor agregado dos produtos importados tem sido apontado como a causa da evolução do déficit, mas a causa primária é, evidentemente, a perda de competitividade da indústria local frente a seus concorrentes internacionais da Europa, dos Estados Unidos e, crescentemente, da Ásia.

A maior parte das importações brasileiras de produtos do complexo industrial da química fina e suas especialidades (Ciquife) ainda provém dos Estados Unidos e da Europa, mas é crescente a participação de empresas asiáticas no nosso mercado. Em 2014, um total de 77,5% das importações de medicamentos acabados das posições NCM 3002, 3003 e 3004 e 64% das importações de defensivos acabados da posição NCM 3808 provieram dos Estados Unidos e países da União Europeia. A maior inserção de países da Ásia no mercado brasileiro deu-se nos intermediários de síntese e princípios ativos das posições NCM 2920, 2930 e 2940. Nestas posições, a participação dos EUA e da União Europeia caiu para 52%, com os países asiáticos, especialmente China e Índia, ficando com 38% do total importado.

As condições estruturais da economia brasileira tornam problemática a elevação da competitividade da indústria local vis-à-vis seus concorrentes internacionais, sobretudo os asiáticos. Parece evidente que as grandes empresas químicas e farmacêuticas ocidentais que migraram parte de suas operações para a Ásia fazem uso da produção mais barata daqueles países a partir de matérias-primas locais, para então agregar valor em seus países de origem e exportar para o resto do mundo.

Estudo recente contratado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) identificou e analisou mais de 60 segmentos do Ciquife, destacando a relevância econômica de alguns deles com vistas à conveniência e viabilidade do adensamento de suas cadeias produtivas.

O crescimento anual do mercado interno desse complexo industrial tem sido constante, embora tenha sofrido uma estagnação pela crise de 2008/2009. A produção interna, no entanto, não acompanhou a evolução do mercado, tendo como resultado um crescimento significativo das importações e uma virtual paralisia nas exportações. O gráfico a seguir apresenta a evolução do déficit comercial para setores selecionados desse complexo no período 2005/2013.

O estabelecimento de uma política industrial para o Brasil não deve mais se limitar aos aspectos defensivos e protecionistas que caracterizaram as décadas de 60 e 70. É indispensável que uma nova política industrial tenha como eixo condutor o alcance de níveis de produtividade e criatividade inovadora que tornem o produto nacional competitivo nos mercados globais. É claro que isto será impossível de se alcançar em todo o espectro da produção industrial, mas certamente haverá nichos em que a pujança do mercado interno ou a disponibilidade de matérias-primas da base da cadeia auxiliem no ganho de competitividade. Há no Ciquife exemplos de setores que são promissores considerando estes aspectos, como o farmacêutico, o de defensivos agrícolas e o de cosméticos e produtos de higiene pessoal.

O mercado farmacêutico brasileiro já é o sexto do mundo segundo a consultoria IMS Health, e se fortalece graças a uma política de universalização dos cuidados com a saúde, dentro da qual tem espaço privilegiado o esforço para o aumento da acessibilidade da população a medicamentos em programas do Sistema Único de Saúde (SUS). Estima-se que as compras governamentais de medicamentos alcancem cerca de 30% do mercado nacional e este elevado poder de compra vem sendo colocado a serviço da produção local através da exitosa Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) aplicada ao Complexo Industrial da Saúde (CIS). Esta política faz uso de parcerias público-privadas que, através de uma garantia de compra por determinado período de tempo, reduz os riscos empresariais da inovação em novos produtos e favorece absorção e geração de novas tecnologias. O salto inicial foi dado com a regulamentação dos medicamentos genéricos e, a partir daí, o fortalecimento econômico das empresas locais já começa a permitir avanços em inovações tecnologicamente mais avançadas. A participação dos genéricos no mercado brasileiro ainda se encontra em percentuais bem abaixo dos alcançados em outros países, havendo, portanto, um espaço considerável para crescimento até que se consolide a capacitação de tais laboratórios nacionais no desenvolvimento de produtos realmente inovadores. O desenvolvimento de produtos farmacêuticos inovadores já começa a produzir seus primeiros resultados especialmente pelas Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), ainda que tímidos.

A agricultura e a pecuária brasileiras, por sua dimensão e modernidade, representam um mercado pujante para defensivos agrícolas e animais. O mercado brasileiro de defensivos agrícolas é o segundo maior do mundo, com vendas superiores a US$ 12 bilhões, cerca de 20% do mercado global. A exemplo dos medicamentos, o mercado de defensivos é formado por produtos de alto valor agregado e, até aqui, majoritariamente suprido por importações. O preço médio dos defensivos acabados importados, em 2014, foi de cerca de US$ 12 por quilo. As importações de produtos técnicos e acabados representaram mais de 50% do mercado, número alarmante quando se recorda que, há meros 20 anos, a maior parte da síntese de produtos técnicos e da fabricação dos produtos finais era feita localmente, ficando a importação basicamente limitada aos intermediários de síntese. A pujança do mercado interno, a forte base tecnológica representada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a existência de uma rede abrangente de cooperativas, entre outros fatores, podem formar a base de uma política de desenvolvimento da produção local que alcance níveis de competitividade adequados para sua inserção em mercados mundiais.

O mercado brasileiro de cosméticos e produtos de higiene pessoal atingiu, em 2012, a cifra de US$ 41,8 bilhões, representando cerca de 10% do mercado mundial, sendo o terceiro maior mercado para este tipo de produtos. As importações e exportações não são relevantes, e a indústria de cosméticos não explora convenientemente todas as oportunidades oferecidas pela biodiversidade brasileira, muito em função de dificuldades oriundas do atual marco regulatório do setor. Amparada por uma política proativa, a indústria de cosméticos e produtos de higiene pessoal pode contribuir em muito para a melhora da balança comercial do setor, explorando as oportunidades de avanço em mercados externos.

O crescimento econômico e social do Brasil, no atual mundo globalizado, não poderá ser impulsionado exclusivamente por uma indústria extrativa e exportadora de produtos com baixo valor agregado, como é o caso atual do agronegócio brasileiro. Este setor apenas exporta algumas matérias-primas naturais com pequena agregação de valor, ao mesmo tempo em que importa, nestas mesmas cadeias produtivas, mercadorias fabricadas a partir daquelas matérias-primas para atender o mercado brasileiro. 

Assim como, em processo inverso, para atender a demanda local, são fabricados no Brasil produtos finais através de simples montagem, cujos componentes vitais são importados, como é o caso de significativa parte da indústria farmacêutica localizada no País, notadamente multinacional. Neste caso, é inadiável buscarmos maior agregação de valor à produção interna via verticalização de cadeia produtiva de cima para baixo, ou seja, partindo dos produtos de maior valor agregado consumidos localmente, verticalizando suas cadeias produtivas passo a passo, a partir da etapa “n”, depois “n-1”, e assim por diante, sempre buscando produtos e processos inovadores que possam ser competitivos internacionalmente.

Há um razoável consenso de que a recuperação do dinamismo industrial brasileiro passa por uma revisão de macropolíticas nacionais – tributária, cambial, etc. -, por uma mais estreita vinculação da política industrial com a de comércio exterior e por uma maior sinergia entre os diversos entes estatais responsáveis pela condução da política industrial, efetivamente colocada sob uma direta coordenação de um ministério próximo à Presidência da República, por se tratar de uma Política de Estado.

Conclusivamente, no contexto do complexo industrial da química fina, deverão ser implementadas medidas de política industrial a serem adotadas na forma de uma Política de Estado, com longo horizonte de tempo, visando-se:

A ampliação do uso do poder de compra do Estado, em especial para o setor de fármacos e medicamentos, dada a relevante necessidade de atendimentos inadiáveis à população em programas do SUS, mostrados plenamente viáveis através das PDPs.

A adequação do sistema tarifário de comércio exterior às necessidades do setor produtivo local via maior proteção tarifária aos produtos com maior agregação de valor, em especial na área de defensivos agrícolas, em que ainda se encontram marcantes disparidades.

A plena compatibilização das ações dos órgãos regulatórios nas áreas sanitária e de propriedade intelectual com os objetivos da política industrial, inclusive a priorização das análises conduzidas pelos referidos órgãos regulatórios aos produtos fabricados localmente. 

Por último, mas não menos importante, deverá ocorrer um pleno e integral envolvimento de todas as agências públicas reguladoras da atividade industrial numa única Política Industrial de Estado, a ser desenvolvida por todos os órgãos executores de políticas públicas do País sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República.

Marcos Henrique Oliveira
Marcos Henrique Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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