O estabelecimento de uma agenda regulatória foi a marca das duas gestões de Dirceu Barbano à frente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o dirigente, esse planejamento possibilitou maior previsibilidade e estabilidade nas ações do órgão, abriu espaço para a indústria se incluir no debate e levou à redução na edição de normas, que de 2008 para cá diminuíram de 250 para 65 por ano. Barbano, que deixa a presidência da Anvisa em outubro, defende que, polêmicas à parte, as normas adotadas para medicamentos biológicos se mostraram positivas e viraram modelo para outros países latino-americanos, e que os próximos temas da agenda regulatória estão em debate avançado, como o controle sanitário sobre as pesquisas clínicas.
O estabelecimento de uma agenda regulatória foi a marca das duas gestões de Dirceu Barbano à frente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo o dirigente, esse planejamento possibilitou maior previsibilidade e estabilidade nas ações do órgão, abriu espaço para a indústria se incluir no debate e levou à redução na edição de normas, que de 2008 para cá diminuíram de 250 para 65 por ano. Barbano, que deixa a presidência da Anvisa em outubro, defende que, polêmicas à parte, as normas adotadas para medicamentos biológicos se mostraram positivas e viraram modelo para outros países latino-americanos, e que os próximos temas da agenda regulatória estão em debate avançado, como o controle sanitário sobre as pesquisas clínicas.
Quais foram os principais avanços regulatórios realizados pela Anvisa nos anos em que esteve como diretor e como diretor-presidente?
Nesse período, a agência amadureceu bastante no campo das boas práticas regulatórias. Uma das ferramentas desenvolvidas foi a agenda regulatória, estabelecida por meio de amplo debate público, que permite uma atuação mais coerente com as expectativas da sociedade. Os próprios setores econômicos interessados interagem e sugerem temas a serem tratados nos períodos de vigência da agenda. Isso permite maior previsibilidade e estabilidade na atuação regulatória da Anvisa. No mesmo período, foram fortalecidas as estruturas de vigilância pós-mercado, o que permitiu uma ação normativa mais equilibrada. Entre os anos de 2004 e 2008, eram expedidas, em média, 250 normas anualmente. Depois de 2008, essa média caiu para 65 normas anuais.
De forma mais específica, poderia ser citada a revisão do marco de regulação para os medicamentos biológicos, que fixou as regras para a entrada dos biossimilares no mercado. Destacaria, ainda, o novo marco de regulação para os medicamentos fitoterápicos, abrindo grandes oportunidades para o fortalecimento da indústria farmacêutica que atua no segmento. Além disso, foram significativos os avanços na regulação de insumos farmacêuticos, orientada para a garantia de tratamento isonômico aos produtos nacionais em relação aos importados. Mais recentemente, a norma que permite a prioridade de análise para as petições envolvendo medicamentos a serem fabricados com insumos farmacêuticos produzidos no Brasil agregou importante mecanismo de fortalecimento do setor farmoquímico nacional.
O que o senhor deixa preparado como resoluções da agência no curto prazo?
Existem temas de extrema relevância em debate avançado. A revisão do marco de regulação para o controle sanitário sobre as pesquisas clínicas é um deles. As Consultas Públicas nº 64/2014 e 65/2014 devem ser finalizadas ainda no início do mês de outubro. Elas agregam importantes dispositivos que visam ampliar a segurança dos participantes de estudos clínicos no Brasil e que geram maior previsibilidade em relação aos prazos para aprovação e início dos estudos a serem conduzidos no País. Outro tema em fase final de debates refere-se à revisão do marco regulatório para registro de medicamentos das diferentes categorias. Nele, são acolhidos os requisitos para registro de produtos oriundos de inovações incrementais, abrindo um canal de chegada ao mercado de produtos mais adaptados às necessidades dos pacientes.
No plano organizacional, quais são as principais conquistas e o que ainda falta ser feito?
A reestruturação organizacional levada a cabo nos últimos três anos já apresenta resultados objetivos de melhoria dos processos decisórios e da relação intrainstitucional, com reflexos externos importantes. Desfragmentamos o processo decisório e substituímos o modelo hierárquico por um modelo matricial com a criação das cinco diretorias orientadas pelos macroprocessos de registro e pelas autorizações sanitárias; pela articulação e coordenação do sistema nacional de vigilância sanitária; pelas boas práticas regulatórias; pela gestão e, por fim, pelo monitoramento e controle sanitários.
Essa medida foi acompanhada da criação de nove superintendências que funcionam como elo estratégico entre a Diretoria Colegiada e as Diretorias com as áreas técnicas. Esse modelo está em fase de consolidação e requer muito empenho de todos para que, de fato, resulte em mais eficiência nas respostas da Anvisa no cumprimento do seu papel e na resposta de análise dos centenas de milhares de processos que tramitam anualmente na agência.
Como percebe a inserção da Anvisa no circuito internacional de agências regulatórias de saúde?
Cada vez mais países compreendem que a ação de regulação e vigilância sobre produtos relacionados à saúde não se esgota nas suas fronteiras. Nessa perspectiva, o nível de segurança local e global depende da capacidade de cada um dos países em realizar bem o seu trabalho. A Anvisa tem protagonizado essa discussão em vários fóruns internacionais, tendo conquistado grande visibilidade e inserção no cenário mundial, com posições-chaves, por exemplo, nas áreas de produtos para saúde, medicamentos, cosméticos, e outros.
Na última semana de agosto, a Anvisa organizou no Rio de Janeiro a 16ª Conferência Internacional de Agências Reguladoras de Medicamentos, em conjunto com a Organização Mundial da Saúde. Estiveram presentes mais de 600 representantes de 122 países. Essa foi a primeira vez que a conferência foi realizada na América do Sul, permitindo a participação missiva dos países da região. Ainda em 2015 a Organização Panamericana de Saúde (Opas) deverá renovar o reconhecimento da Anvisa como agência de referência para as Américas, juntamente com Estados Unidos, Canadá, Argentina, Cuba, Colômbia e México.
É possível afirmar que, em pouco mais de 15 anos de existência, a Anvisa figura entre as principais agências sanitárias do planeta. Essa conquista deve ser atribuída ao alto nível de capacitação da equipe de servidores e aos movimentos estratégicos da gestão. Essa condição coloca toda a indústria regulada pela Anvisa em condições de competitividade com as indústrias das economias altamente reguladas no campo sanitário.
Como vê os esforços brasileiros para instituir uma normativa que equilibre segurança e ampliação do acesso a medicamentos com base em macromoléculas?
A opção brasileira está retratada nas normas sobre medicamentos biológicos e aponta dois caminhos para o desenvolvimento dos chamados biossimilares: a via da comparabilidade e a via do desenvolvimento individual. Nesse segundo caso, há previsão de desenvolvimento e produção de um medicamento biológico conhecido por um processo biotecnológico novo. Inicialmente, essa decisão gerou muita discussão, pois, de um lado, havia o entendimento de que esse caminho seria inviável tecnicamente e, de outro, que a exigência de estudos clínicos para produtos conhecidos poderia inviabilizar o interesse em medicamentos desenvolvidos por essa via.
O modelo normativo brasileiro tem servido de base para outros países, como a Argentina, Colômbia e México. Hoje já existem medicamentos sendo desenvolvidos por essas duas vias, cujos estudos clínicos estão em andamento no Brasil. Essa é uma demonstração clara de que o modelo está correto. O equilíbrio normativo é possível desde que exista abertura ao diálogo e compreensão sobre a dinâmica do mercado farmacêutico. Não se pode construir ampliação do acesso às custas de incertezas quanto à eficácia e à segurança dos produtos, ao mesmo tempo em que há a necessidade de busca constante do embasamento técnico que permita a melhor decisão quanto ao acesso.
Faltam profissionais de saúde na composição da diretoria da Anvisa?
A vigilância sanitária é uma atividade interdisciplinar. Não se pode considerar que somente os profissionais da área da saúde possuem habilidades ou conhecimentos para atuarem na gestão da vigilância sanitária em qualquer esfera do sistema de saúde. A diretoria da Anvisa é um colegiado de cinco diretores, todos indicados pela Presidência da República, sabatinados e aprovados pelo Senado Federal, tendo demonstrado competência para ocuparem os cargos. Durante meus seis anos na agência, convivi com médicos, farmacêuticos, advogados e economistas na diretoria e todos contribuíram muito com os trabalhos. Há uma situação particular no momento, com quatro diretores cujas formações não se originam na área da saúde, e isso naturalmente gera expectativas quanto à condução de questões em que o componente técnico seja decisivo. Acredito que a Diretoria Colegiada vem tratando adequadamente das questões técnicas e manterá esse caminho após o término do meu mandato, contanto com o apoio do corpo técnico da instituição, que é altamente qualificado. Espero, também, que o diretor que me substituirá considere a importância da presença de profissionais da área da saúde, com conhecimentos no campo da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e com capacidade de agir na proteção da saúde, articulando medidas para o desenvolvimento econômico e social doPaís.
Qual é sua avaliação do funcionamento da nova tramitação dos processos de anuência prévia entre a Anvisa e o INPI?
Tanto a diretoria da Anvisa como a do INPI, com o envolvimento dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, agiram de forma pragmática para melhorar o processo de concessão de patentes farmacêuticas no Brasil. O caminho da cooperação entre as duas instituições teve sempre o objetivo de tornar o ambiente mais transparente e seguro para aqueles que querem registrar suas patentes no País. Não há dúvidas de que a publicação da RDC nº 21/2013 e da Portaria MS nº 736/2014 estabeleceu de maneira clara e precisa a forma de participação da Anvisa, por meio da análise visando a prévia anuência, em cumprimento ao que estabelece o artigo 229-C da Lei de Patentes. Com isso, a Anvisa tem agido de forma mais rápida, retornando os pareceres em prazos bastante razoáveis ao INPI. Esta instituição, por sua vez, está adotando as medidas necessárias para dar seguimento às decisões da Anvisa. Considero que o momento é de adaptação das instituições a uma efetiva cooperação.
No momento em que deixa a Anvisa, que mensagem deixaria para o segmento industrial da química fina voltado à saúde?
Vamos seguir em frente. Há um conjunto de oportunidades em fase de consolidação, oriundas das políticas públicas de incentivo ao setor farmacêutico no Brasil, que estão fazendo a diferença e gerando o renascimento da convicção de que é fundamental para o País o domínio da capacidade de produzir fármacos estratégicos para as políticas de saúde. O programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) do Ministério da Saúde é um bom exemplo. Vamos continuar acreditando nas instituições e vigilantes para que elas não deixem o compromisso com o desenvolvimento social e com a soberania regulatória, para que possam preservar os interesses mais legítimos do nosso País.