Em passado recente, nossa mídia deu amplo espaço para cobrir movimento non sense intitulado “não vai ter Copa”, que somente cessou quando um jornalista foi atingido e morto pela inconsequente ação de jovens ensandecidos pela cobertura midiática. O que temos ouvido e lido nestes últimos meses constituiu-se de matérias totalmente negativistas, propositalmente repetitivas, produzidas por analistas econômicos com claras vinculações político-partidárias, nitidamente orientadas para atacar o governo. Isso ocorreu, também, através de mensagem assustadora enviada por um banco a seus clientes.
Em passado recente, nossa mídia deu amplo espaço para cobrir movimento non sense intitulado “não vai ter Copa”, que somente cessou quando um jornalista foi atingido e morto pela inconsequente ação de jovens ensandecidos pela cobertura midiática. O que temos ouvido e lido nestes últimos meses constituiu-se de matérias totalmente negativistas, propositalmente repetitivas, produzidas por analistas econômicos com claras vinculações político-partidárias, nitidamente orientadas para atacar o governo. Isso ocorreu, também, através de mensagem assustadora enviada por um banco a seus clientes.
Vem sendo dito que a recessão “é inevitável” porque estamos convivendo com taxas pífias de crescimento, inflação alta e desequilíbrio fiscal em decorrência exclusiva dos desacertos do atual governo. Mas se silencia sobre o indispensável debate conjunto que deveria ocorrer sobre os fundamentos macroeconômicos da crise financeira internacional de 2008 e, ainda mais relevante, sobre as causas do persistente processo desindustrializante do País.
Evidentemente, correções de rumo cabem às políticas desenvolvidas pelo governo atual – muito especialmente aquelas visando nosso desenvolvimento industrial com o objetivo de tornar juridicamente mais seguros os procedimentos adotados através de Portarias e, assim, mais previsíveis os resultados esperados, bem como corrigir excessos na regulação de processos e de instalações produtivas, que oneram e até inviabilizam novos investimentos. A título puramente ilustrativo, podemos mencionar que a lei que regula o acesso à biodiversidade, editada em 2001, é um mostrengo jurídico e fiscalizatório que impede totalmente o aproveitamento de nossa biodiversidade – que é a maior do Planeta Terra.
Através de uma ladainha midiática diária, repetida sem cessar, analistas apresentados como “especialistas” afirmam que nossos problemas atuais são de natureza exclusivamente financeira e decorrem de deficiências encontradas na formulação de medidas administrativas nessa área, que deverão ser corrigidas simplesmente por uma mudança de gestão, ajustes fiscais e cortes nos gastos públicos. Nesse cenário não há como se evitar que políticos – e até boa parte da população – sejam contagiados por essa destrutiva emoção, que no fundo procura induzir o eleitor à ideia de que um modelo político e econômico totalmente diverso do atual é requerido.
Certamente, se objetiva com esse contágio emocional fazer ressurgir o laissez faire como o modelo indicado para essa mudança de status quo, propositalmente sendo “esquecido” que os ditames do Consenso de Washington levaram à crise financeira do Brasil em 1999 e jogaram o mundo na crise econômica de 2008 – ainda não resolvida. A maioria dos economistas atuantes na grande mídia é comprometida com interesses puramente especulativos do sistema financeiro e continua a defender o ultrapassado laissez faire criado pelos ricos países europeus no início do século XX, e retomado pelo tatcherismo e o reaganismo dos anos 80, rejeitando a necessidade de políticas industriais para o crescimento econômico, usando o argumento de sempre: que a indústria brasileira está ultrapassada – não é competitiva, não inova tecnologias e somente busca a proteção de mercado.
Ocorre que o grande equívoco do governo – atual e anteriores – é não ter implantado um Projeto de Desenvolvimento Industrial contido em uma Política de Estado para o desenvolvimento econômico, de caráter plurianual e aprovada pelo Congresso Nacional, conferindo segurança jurídica ao setor privado para investir a longo prazo, sem as alternâncias de gestão que ocorrem a cada novo mandato. Esse Projeto de Desenvolvimento Industrial deveria absorver os ensinamentos definidos por Alexander Hamilton no final do século XVIII, e que resultaram no desenvolvimento econômico baseado na industrialização do País. Não podemos eternamente exportar matérias-primas e importar manufaturas feitas com tais insumos a um valor agregado muito superior.
Por oportuno, a seguir reproduzimos editorial que escrevemos para esta revista da ABIFINA, publicado em junho de 2001, no qual comentamos as ações de Hamilton.
O IMPASSE DESENVOLVIMENTISTA
Antes de 5 de dezembro de 1791, quando Alexander Hamilton apresentou seu insuperável “Relatório sobre as Manufaturas” na Câmara de Deputados dos Estados Unidos, o “pensamento único” então dominante (à semelhança do “Consenso de Washington”, definido em 1989) estabelecia que o governo não deveria determinar o rumo para a indústria, à época entendida como todo o setor produtivo. A indústria deveria ser deixada em completa liberdade, pois de forma inevitável ela encontraria o seu próprio caminho, rumo à sua aplicação mais lucrativa, que, por sua vez, fomentaria mais eficazmente a prosperidade pública.
O “florescimento prematuro” de manufaturas, mediante a elevação de tarifas de importação, proibições e subsídios ou “outros recursos artificiais”, iria sacrificar os interesses de toda a comunidade em proveito dos de certa classe, estabelecendo virtuais monopólios e, em consequência, propiciando a subida dos preços. Como óbvio corolário, dizia-se, seria preferível que a população se dedicasse ao cultivo da terra, obtendo do exterior as mercadorias que os estrangeiros podem fornecer, de forma mais perfeita e favorável.
A tais argumentos opôs-se Hamilton, através de sua lúcida e profunda análise sobre mercados globalizados e sistemas produtivos internacionais, válida ainda hoje. O temor de fracassar em áreas ainda não exploradas, a consciência das dificuldades em competir com quem já tinha alcançado elevado grau de perfeição no exterior, inclusive contando com estímulos daqueles governantes, tudo isso constituía forte fator inibitório ao desenvolvimento de iniciativas locais, barreiras que somente poderiam ser ultrapassadas com a forte presença e apoio do Estado Nacional.
O temor do fracasso (o pior obstáculo, no entender de Hamilton) somente poderia ser contornado cultivando-se a confiança de capitalistas, nacionais ou estrangeiros. Isso requereria assegurar-lhes o apoio do governo para superar obstáculos inerentes a todas as iniciativas pioneiras em tais áreas.
A superioridade já desfrutada pela indústria localizada em outras nações atuantes nas mesmas áreas, beneficiadas por “subvenções, recompensas e demais auxílios”, dizia Hamilton, “torna impossível manter uma competição equitativa”. Assim, para os iniciadores de uma nova manufatura competir com sucesso, “é evidente que a intervenção e a ajuda de seu próprio governo são indispensáveis”.
Embora a teoria, tão aprazível aos economistas da Escola de Chicago, diga que medidas que obstaculizem a livre circulação de artigos estrangeiros tendem a elevar os preços, e isso pode ocorrer num primeiro momento, a realidade que surge em médio prazo, e permanece, é bem diversa. O estabelecimento de manufaturas locais cria a própria competição interna, eliminando possibilidades de abusos de mercado pelo exercício de monopólios, estes sim mais facilmente encontrados no comércio internacional, no qual é menor o número de global players.
A diversificação da pauta produtiva interna, além de sua importância em termos de geração de renda e criação de emprego, tem um fundamental valor estratégico para uma nação, especialmente na área de produtos mais sensíveis para a saúde da população, ou, como já registrava Hamilton, para compensar as variações na sazonalidade encontradas nos preços internacionais das mercadorias.
O capital externo, ainda na visão de Hamilton, constitui valiosíssimo instrumento de política industrial em aplicações diretas na indústria ou para financiamentos, mas em complementação aos recursos internos que precisam ser mobilizados. Em seu “First Report on Public Credit”, apresentado em 14/01/1790, o efeito da dívida interna consolidada foi apresentado como uma espécie de capital nacional. Embora a dívida consolidada em títulos não represente um aumento absoluto do capital, ao impulsionar a produção ela propicia o aumento da riqueza real de uma comunidade. Obviamente hoje se dispõe de um muito mais sofisticado elenco de alternativas para a captação da poupança nacional, embora ainda timidamente usado no Brasil.
Como reflexão geral sobre o tema, cabe lembrar textualmente o insuperável legado de Hamilton: “Não se deve esperar que a indústria de um povo possa se opor à força de condições desiguais ou superar, por si própria, todas as barreiras exógenas que a afastam do sucesso na competição, resultantes das vantagens naturais que a prática e a posse anterior do terreno dão aos seus competidores ou daquelas decorrentes de leis positivas e uma política artificial”.
A necessidade de uma política industrial é, ainda, magistralmente mencionada por Hamilton quando afirma que “não somente a riqueza, mas a independência e a segurança de um país, está intimamente relacionada à prosperidade de suas manufaturas. Toda nação que pretenda atingir esses grandes objetivos nacionais deve possuir o essencial para o abastecimento nacional. Aí se incluem meios de sustentação, habitação, vestimenta e defesa. A falta de qualquer um deles significa a carência de um importante órgão de vida e movimento político e, nas diversas crises que afetam o Estado, este sentirá profundamente os efeitos de tal deficiência”.
O impasse desenvolvimentista de hoje, no Brasil, reside na ausência de uma política industrial como definida por Hamilton e que resultou no que os Estados Unidos são atualmente.