REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2014 • ANO VIII • ISSN 2623-1177
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O USO DO SISTEMA DE PDPs PARA O INCENTIVO À PRODUÇÃO NACIONAL E AO ACESSO A MEDICAMENTOS - O PAPEL DO SUS
//Artigo

O USO DO SISTEMA DE PDPs PARA O INCENTIVO À PRODUÇÃO NACIONAL E AO ACESSO A MEDICAMENTOS - O PAPEL DO SUS

Desde fevereiro passado, a Política de Desenvolvimento Produtivo em Saúde, inscrita como prioritária na política industrial desde 2008, está sob o comando de um novo (o terceiro consecutivo) ministro da pasta. A contar com as declarações publicadas pela imprensa, que dão conta de que a missão de Arthur Chioro estará centrada na continuidade e no aperfeiçoamento das políticas deixadas por Alexandre Padilha, não é difícil imaginar que as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), uma das mais bem sucedidas políticas no campo da saúde nos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma, continuarão tendo o apoio do novo ministro. E nos parece uma evidência cabal dessa assertiva o fato de as PDPs seguirem sob a condução do secretário Carlos Gadelha, que as coordena desde 2011.

Segundo as últimas declarações do secretário, já são mais de 100 parcerias entre medicamentos, equipamentos de saúde, vacinas e diagnósticos. O sucesso integral desse conjunto resultará em uma economia de cerca de R$ 2 bilhões anuais no Programa Nacional de Imunizações, na assistência farmacêutica e na assistência à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS).

A política de desenvolvimento produtivo foi concebida e implantada a partir de um deslocamento conceitual importante ocorrido no âmbito do Ministério da Saúde, que se expressou numa compreensão ampliada das relações entre saúde e desenvolvimento. Recuperando elementos importantes na obra de pensadores brasileiros nessa área, tais como Josué de Castro e Celso Furtado, aquelas relações foram assumidas em sua dupla direção: o desenvolvimento como gerador de saúde e a saúde como geradora de desenvolvimento. A valorização dessa determinação em seus dois sentidos forneceu as bases para uma ação política do Ministério e de outras instâncias do SUS em direção à política industrial no que se refere ao Complexo Industrial da Saúde. E a principal expressão operativa desse enquadramento foram as PDPs.

Nesse contexto, as PDPs devem ser compreendidas também como tendo um duplo impacto. De um lado, sobre o estado de saúde da população, mediante a ampliação do acesso ao uso racional dos medicamentos e outros dispositivos industriais de saúde. De outro, sobre a esfera da produção industrial, fortalecendo o Complexo Industrial da Saúde em particular (mas não exclusivamente), o seu componente sob o controle de capitais nacionais. Eu ousaria afirmar que houve dois momentos históricos cruciais para a consolidação de um parque industrial de medicamentos no Brasil. Seguindo a cronologia, o primeiro deles foi quando a política de medicamentos genéricos foi implantada; o segundo foi a instituição das PDPs.

A produção local de medicamentos no Brasil vive hoje uma situação de transe. Temos um mercado que se poderia chamar de “em situação decatching up”, quando comparado com os mercados maduros dos países desenvolvidos. E com a vantagem de apresentar taxas de crescimento anual muito acima das que se apresentam naqueles países, em função da inclusão de imensos contingentes populacionais no mercado de consumo de massas ocorrido na última década. Entendo que, para o amadurecimento completo de nosso mercado, será necessário que as nossas taxas de inovação cresçam consistentemente nos próximos anos, seja em nichos bem identificados no terreno da síntese química, seja na capacitação tecnológica e produtiva no terreno dos biológicos. E creio que, nessa nova etapa, o aprofundamento da política das PDPs poderá ter um papel ainda mais relevante, haja vista a atuação do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Gecis) no terreno dos biológicos em sua penúltima reunião.

É a própria centralidade da política das PDPs no presente e no futuro da produção local de medicamentos e outros dispositivos industriais de saúde que permite enfatizar desafios que se colocam para aquela política. Permito-me relembrar alguns deles, que já haviam sido publicados em outro número da FACTO.

1  A necessidade de maximizar a taxa de sucesso das parcerias estabelecidas no que se refere à entrega de produtos. Entre o estabelecimento de uma parceria e a efetiva entrega dos produtos ao SUS, há uma série de etapas (detentoras de graus variados de risco) a serem devidamente cumpridas. Parcerias anunciadas e não efetivamente estabelecidas, ou parcerias estabelecidas que não tenham sucesso em atingir os seus objetivos, podem vir a fragilizar a estratégia, dando argumentos aos que a ela se opõem.

2  A necessidade de maximizar a taxa de sucesso no efetivo desenvolvimento autóctone ou na efetiva transferência de tecnologia aos produtores nacionais, privados e públicos. Do ponto de vista das empresas e da política industrial, as parcerias têm como objetivo mais nobre a elevação da competitividade das firmas. Para isso, a capacitação tecnológica das empresas torna-se um componente essencial, posto que, entre outros aspectos, é mediante essa capacitação que as empresas impulsionarão sua capacidade de inovar, bem como aumentarão a qualidade das suas atividades de inovação.

3  A necessidade de verticalizar, no País, o processo produtivo dos componentes farmoquímicos e farmacêuticos envolvidos nas parcerias. É verdade que as cadeias produtivas de medicamentos são cada vez mais globalizadas e caberá aos parceiros produtores e aos órgãos governamentais a definição sobre quais deverão ser os componentes essenciais e estratégicos a serem verticalizados, em particular do ponto de vista de agregação de valor ao produto final. Pretender produzir localmente tudo pode vir a ser uma opção tão ruim quanto contentar-se apenas com o acabamento de produtos.

4  A necessidade de garantir a qualidade dos produtos envolvidos nas parcerias estabelecidas. Este é o desafio máximo quando se olha o programa do ponto de vista do SUS e do destino final dos produtos envolvidos, isto é, dos pacientes. Ao estabelecimento de requisitos regulatórios equilibrados e eficientes, deve sempre se corresponder uma especial atenção dos produtores com o controle de qualidade dos produtos ex-fabrica.

5  A necessidade de manter uma permanente trajetória de baixar custos e preços finais dos produtos envolvidos, de modo a diminuir a pressão sobre o orçamento do SUS. Em 2003, os gastos do Ministério da Saúde com medicamentos atingiram pouco menos de R$ 2 bilhões, então correspondentes a 5,8% do seu orçamento. No ano de 2012, o Ministério comprometeu R$ 9,6 bilhões, correspondentes a 13% do orçamento. Não se deve esperar que porcentagens orçamentárias acima desta venham a ser comprometidas com medicamentos. Por outro lado, a entrada dos biológicos – de custo por vezes muito elevados – nas diretrizes terapêuticas do SUS não ajudará a diminuir a pressão sobre os gastos com medicamentos.

Reinaldo Guimarães
Reinaldo Guimarães
2º vice-presidente da ABIFINA.
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