REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2014 • ANO VIII • ISSN 2623-1177
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//Artigo

MEDICAMENTOS ESSENCIAIS E PROPRIEDADE INTELECTUAL: O DEBATE NA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE Claudia Chamas, pesquisadora do Centro de Desenvolvi

Na reunião do Conselho Executivo da Organização Mundial de Saúde (OMS), em janeiro passado, a proposta para o “Acesso a medicamentos essenciais” provocou discussões acaloradas, mas não tão novas. O texto foi apresentado pela China, Líbia, Coreia do Sul e África do Sul. Austrália, Bangladesh e Brasil também apoiaram o documento.

Além de destacar o acesso a medicamentos seguros, eficazes, custo-efetivos e de grande relevância em termos de saúde pública, o documento possui um ponto muito importante – a referência ao amplo uso das flexibilidades do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Acordo TRIPS), em alinhamento com a Estratégia Global e Plano de Ação para Inovação, Saúde Pública e Propriedade Intelectual (Resolução WHA61.21). Sem dúvida, a possibilidade de se lançar mão das flexibilidades como justo recurso foi suficientemente esclarecida na Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública, de 2001, que aclamou as prioridades de saúde pública prevalentes aos objetivos de comércio. O direito à saúde, tão bem defendido pela diplomacia brasileira nos fóruns internacionais, é, sobretudo, uma condição para o desenvolvimento.

Ainda que a interseção entre saúde pública, inovação e propriedade intelectual tenha sido abordada por várias resoluções e iniciativas na OMS, o tema está longe de ser pacífico. O debate foi marcado por várias intervenções de países em desenvolvimento. O ponto alto foi certamente o discurso de Malebona Precious Matsoso, diretora-geral do Departamento de Saúde da África do Sul. A especialista emocionou a audiência e fez duras críticas às ações da indústria farmacêutica multinacional, que tenta impor obstáculos à renovação da política de propriedade intelectual daquele país. O processo deverá trazer profundos impactos para a política de medicamentos por meio da construção de normas compatíveis com seu ambiente desafiante, marcado por epidemias e produtos de alto custo.

Atualmente, o país não realiza o exame de mérito para a concessão de patentes, dificultando a concorrência e a entrada de genéricos. Uma das medidas visa estabelecer procedimentos de exame, levando à rejeição de pedidos de má qualidade ou que não preencham adequadamente os requisitos de patenteabilidade. Outra disposição diz respeito ao estabelecimento de sistemas de oposição antes e após a concessão, o que ajudará a manter sob monopólio apenas invenções realmente valorosas.

A posição sul-africana recebeu solidariedade da Argentina, do Brasil, da Índia, entre outros. O debate não se deu sem manifestações discordantes dos Estados Unidos, que argumentaram sobre a pertinência de uma linguagem adequada à importância da proteção patentária para o desenvolvimento de novos medicamentos.

Ao final, o texto aprovado, que deverá ser apreciado pelos países na Assembleia Mundial da Saúde, em maio próximo, traz progressos. Entre as proposições, se sobressai a assistência técnica aos países-membros nas atividades de implementação das flexibilidades do Acordo TRIPS, inclusive em colaboração com outras organizações internacionais competentes, objetivando promover o acesso a medicamentos essenciais. Caso a proposta seja vitoriosa, será um passo necessário e fundamental para a disseminação de práticas que promovam o justo equilíbrio entre a proteção patentária e o direito dos pacientes a tratamentos eficazes e preços acessíveis. Será uma revalorização das conquistas alcançadas pela Declaração de Doha, concretizando uma vontade política em um avanço de cunho humanitário.

Essa questão parece crucial para diversos países do Sul que envidam esforços para harmonizar as carências da saúde pública, frequentemente pautada por recursos insuficientes para o desafio da demanda, com as obrigações geradas a partir da internalização de TRIPS. A escolha e aplicação das flexibilidades são decisões políticas complexas, que requerem competências específicas e nem sempre facilmente disponíveis nas nações em desenvolvimento. O suporte técnico de uma organização na esfera do sistema multilateral será de grande valia e contribuirá para uma agenda positiva e equilibrada, que privilegie as necessidades das pessoas e o desenvolvimento socioeconômico em detrimento das soluções de conveniência.

Claudia Inês Chamas
Claudia Inês Chamas
Pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz e professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em associação com a Fiocruz.
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