Consideradas um modelo nacional e internacional de política integrada de desenvolvimento econômico e social, já foram firmadas 88 Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), destinadas a desenvolver e produzir 77 produtos para saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) já adotou 14 deles. A economia anual prevista para as 88 PDPs é de R$ 3 bilhões para o Ministério da Saúde. E o País assimilou tecnologia para produzir vacinas e medicamentos para câncer,AIDS, saúde mental, entre outros. Segundo o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, para dar continuidade ao trabalho os projetos com cronograma atrasado, cuja justificativa não foi aceita pelo comitê interministerial, podem ter a parceria reaberta, visando preservar a trajetória de desenvolvimento tecnológico. Para isso, o Ministério da Saúde começou a avaliar as parcerias em andamento, como o secretário conta a seguir.
Como o senhor avalia o andamento das PDPs enquanto incentivo à indústria nacional?
O balanço é altamente favorável. Posso dizer que a política de desenvolvimento produtivo e de inovação mais avançada no Brasil é a da área da Saúde, porque estamos integrando as políticas industrial, tecnológica, social e de saúde. Diria que é a política mais abrangente e transformadora, não só no Brasil, mas internacionalmente. O Brasil está sendo pioneiro ao ver a saúde como um setor estratégico para o desenvolvimento. Essa estratégia nos permitiu mudar a legislação de compras brasileira (Lei 8.666), que incorporou a possibilidade de fazer encomenda tecnológica no caso de produto estratégico para a saúde. Temos uma política que realmente aplica a Constituição brasileira, pois o mercado é visto como patrimônio nacional, a saúde é entendida como direito e é papel do Estado promover a ciência e a tecnologia. Estamos avançados na aplicação dos princípios e dispositivos de nossa Constituição.
O SUS recebeu quantos produtos desenvolvidos pelas PDPs? Quatorze produtos estão no mercado registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), incluindo vacinas e medicamentos para câncer, saúde mental, imunossupressores, entre outros. Temos 88 parcerias formalizadas entre 17 instituições públicas e 53 privadas. Sete parcerias envolvem vacinas (dentre elas Hepatite A, In¼uenza, Alergênica, HPV) e as demais, produtos para saúde e atividades de Pesquisa e Desenvolvimento. São ao todo 77 produtos, sendo 64 medicamentos, que aparecem como carro-chefe da política, mas também vamos avançar na área de equipamentos.
Esta não é só uma política bem concebida, mas uma política que está em prática. Eu costumo dizer que todo cidadão brasileiro que consome vacina de alguma forma tem a política tecnológica e industrial de saúde dentro dele. Porque 96% das vacinas que o Brasil produz são fruto dessa iniciativa. Estamos em processo acelerado de implantação de uma política inovadora, que envolve uma articulação pesada de governo. São 14 ministérios ou agências articulados pelo Ministério da Saúde para promover o desenvolvimento da tecnologia e da produção no País.
Qual é o impacto das parcerias na balança comercial? O valor aplicado atualmente na compra dos medicamentos já ofertados no SUS está na ordem de R$ 8 bilhões/ ano. É o poder de compra de maior envergadura no País usado para desenvolver tecnologia nacional, e a economia de divisas é da ordem de US$ 3 bilhões ao final dos projetos. Ou seja, essas PDPs vão permitir diminuir o déOcit comercial entre 25% e 30% no setor da saúde. Só na área de medicamentos, reduziremos em 40%.
O grande mote dessa política é reduzir a vulnerabilidade do SUS. Sem tecnologia nacional, não poderemos ter uma política para vacinação, câncer, AIDS, saúde mental. Não teremos condição de garantir a saúde como direito que está na Constituição. Ter capacidade tecnológica vai desde o medicamento até o cuidado domiciliar pela telemedicina. É dessa forma que poderemos enfrentar todas as questões que vão emergir em uma sociedade na qual a expectativa de vida nos próximos 10 anos vai passar de 80 anos.
Estamos avançando de forma importante para a soberania tecnológica. A farmoquímica brasileira estava morrendo. Incorporamos uma política de Estado. Há depoimento de empresa que, antes da política atual, trabalhava em um turno, precisando demitir pessoas, e hoje está com três turnos seguidos de trabalho, produzindo fármacos, empregando engenheiros químicos, gerando riqueza no País.
Quais são os próximos passos nessa política?Na última reunião do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Gecis), em junho, falamos do que estamos chamando de segunda geração das PDPs. A primeira geração foi uma política clássica de substituição de importação. Na segunda geração, que coincide com o lançamento de um pacote de parcerias para biotecnologia, o foco passa a ser também a inovação e o desenvolvimento tecnológico nessa área de fronteira.
Com isso, estabelecemos mecanismos competitivos entre as distintas PDPs – quem for mais eficiente, conseguir chegar primeiro e fizer tecnologia mais rápido e com mais qualidade para o Brasil, terá vantagem no atendimento da demanda do SUS. Migramos de uma parceria de substituição clássica das importações para uma parceria que começa a entrar no mundo da tecnologia de fronteira e na inovação. Nessa segunda geração, se insere também uma nova frente que vai se expandir na área de equipamentos e materiais.
Na reunião do Gecis, foram apontadas algumas parcerias que ainda não haviam identificado os fornecedores de tecnologia. Houve avanços?
A PDP é um compromisso do Ministério da Saúde com a instituição pública que apresenta um projeto considerado promissor e que atenda aos critérios de internalizar a tecnologia no Brasil – não fazemos parceria para empacotador de produto, pois para isso existe a licitação. O produtor precisa cumprir todo o ciclo tecnológico no País. Nesse sentido, a instituição pública às vezes está em negociação tecnológica de alguma etapa do processo produtivo e ainda não pode divulgar. Uma parceria dessas pode, por exemplo, ser fato relevante para a Bolsa de Valores. Antes de o contrato estar assinado, a instituição não pode divulgar porque isso poderia gerar ganhos ou perdas econômicas.
As parcerias mencionadas na reunião estavam em negociações avançadas. Agora entramos em um processo profundo de avaliação das PDPs. Aquelas com cronograma atrasado – e em processo de inovação, isso pode ocorrer -, vamos acompanhar de perto.
O que acontece nos casos de não cumprimento do cronograma? Vamos reabrir a parceria. Isso é um processo natural. O desenvolvimento tecnológico envolve risco, envolve acordo entre agentes públicos e privados, e muitas vezes o que parecia um arranjo promissor pode ter dificuldades entre os parceiros.
As parcerias não estão fechadas para o futuro. Se alguma PDP tiver resultados atrasados e sua justificativa não for aceita pelo comitê interministerial, ela poderá ser reaberta para não interromper o processo de avanço tecnológico. Isso é muito importante: as parcerias não são reserva de mercado. Elas são uma estratégia de desenvolvimento tecnológico, aberta para quem conseguir alcançar as metas fixadas pela política pública.
Os recursos financeiros relativos a vários produtos oncológicos das PDPs estão, atualmente, incluídos nos procedimentos de oncologia. O Ministério estuda centralizar a compra desses produtos pelo SUS?
Todas as parcerias que lançamos são passíveis de centralização de compra. Os estados e municípios muitas vezes querem que o governo federal centralize as compras porque conseguimos um poder de barganha muito maior. Só na área de oncologia tivemos economia de cerca de R$ 200 milhões pela centralização das compras. Se considerarmos todas as Parcerias assinadas do Ministério da Saúde como um todo, a economia estimada será de R$ 3 bilhões/ano. O importante é que não fazemos a centralização pela centralização. Ao mesmo tempo em que centralizamos, usamos o mercado público para estimular a produção nacional.
Como o senhor vê o processo de transparência das PDPs?
As PDPs talvez sejam um dos processos mais abertos de política industrial já vivenciados no País. Para você ter uma ideia, no Gecis da biotecnologia os ofícios que chamaram cada laboratório público a apresentar projetos foram publicados na internet. A avaliação dessas propostas envolveu não só o Ministério da Saúde, como o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o da Ciência, Tecnologia e Inovação, o BNDES e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Depois divulgamos no Gecis todas as parcerias firmadas, inclusive as demandas do SUS ainda não atendidas. Há espaço para novas parcerias.
Não há qualquer tipo de discriminação quanto às empresas estrangeiras. São 53 empresas privadas que já participam, e mais de 50% são estrangeiras. Basta estarem comprometidas com a produção e a inovação no Brasil. Nosso critério é colaborar para o Brasil reduzir a dependência, ter capacitação tecnológica e produtiva na Saúde. Outro ponto importante: o ministro Alexandre Padilha publicou a Portaria no 837, de 18 de abril de 2012, que regulamenta as PDPs, colocando claramente as regras e critérios. Aprovamos a Lei de Compras na Câmara e no Senado, sancionada pela Presidente Dilma. Ou seja, temos uma lei que permite fazermos as PDPs. Há um processo transparente, claro e competitivo na definição das parcerias. E estamos abertos para contribuições.
Outro programa fundamental do Ministério é o Farmácia Popular. Quais são os impactos para a população?
Nosso objetivo não é o medicamento. É o cidadão. O Programa Farmácia Popular tem sido sucesso absoluto nesse sentido, porque está permitindo melhorar a qualidade de vida por meio da capilaridade. Mais de 20 milhões de brasileiros foram beneficiados pelo programa desde a criação da ação Saúde Não Tem Preço, em fevereiro de 2011. Conseguimos reduzir as internações de paciente por conta de complicações da diabetes em 6,6 mil pessoas entre 2010 e 2012. Com 551 unidades próprias e 25.624 farmácias credenciadas, o número de pacientes diabéticos beneficiados aumentou 426% e de hipertensos,571%, entre janeiro de 2011 e junho de 2013. O Programa Farmácia Popular é um belo exemplo do alicerce de nossa política.