Em meio ao cenário de baixa recuperação da atividade
industrial no Brasil e de previsões nada animadoras para a
economia, um exemplo de resistência vem de um dos setores
menos prováveis – o farmoquímico. Depois de sobreviver
à crise que assolou o setor nos anos 1990, o laboratório
Cristália apresenta hoje um amplo portfólio de medicamentos
desenvolvidos com tecnologia própria, inclusive os princípios
ativos. É um dos poucos que apostou na produção verticalizada
em solo nacional. O resultado da estratégia se expressa nos
números. São 52 patentes registradas, um complexo industrial
de 110 alqueires em Itapira (SP) e aproximadamente 5 mil
empregos diretos e indiretos mantidos. E 2013 promete mais,
pois três plantas serão inauguradas nos próximos 18 meses
“Fazemos as matériasprimas difíceis de serem
obtidas no exterior, mas apenas para autoabastecimento
e exportação. Assim, nosso portfólio é mais diferenciado”
Ogari Pacheco
Com investimentos de cerca de R$ 160 milhões, as novas
unidades consistem em uma fábrica de princípios ativos oncológicos, outra de biofármacos, e ainda outra
de peptídeos. Duas delas são farmoquímicas, área
considerada pelo mercado como “jogo perdido” (a
indústria brasileira não teria chances de correr atrás
do tempo perdido e competir). Porém, o presidente do
Cristália, Ogari Pacheco, discorda e enfatiza que o segmento
está na mira do laboratório.
“Em farmoquímica podemos competir nos produtos mais
complexos, de maior valor agregado. Tanto que o Cristália
produz um número razoável destas moléculas. Agora investimos
também na área oncológica, com produção que demanda grande especialização”, explica.
No caso dos peptídeos, trata-se de moléculas sintetizadas
a partir de aminoácidos, cuja manipulação também requer
alto grau tecnológico. “Sua síntese é delicada, pois os aminoácidos
precisam ser encadeados perfeitamente para que se chegue ao resultado planejado. Hoje o Brasil importa todas essas moléculas. E são substâncias muito importantes para tratar diversas doenças, como câncer, doenças degenerativas e metabólicas”, afirma Pacheco.
Saindo na frente
Nos próximos meses, o Cristália vai inaugurar o primeiro
dos três empreendimentos – a planta piloto para produtos
biotecnológicos (MABs), que passa por testes de validação.
Esta é a primeira fábrica de biotecnologia privada
do País. Há oito anos, o laboratório começou a fazer seus
primeiros desenvolvimentos nessa área, que é considerada
a portadora de futuro. Portanto, a nova planta é o salto que
faltava para os produtos ganharem escala.
Em formato similar a asas de borboleta, a unidade tem
duas alas. Uma trabalha com células animais e outra com
microorganismos.
“Quando se vai produzir biotecnológicos, é preciso esperar
o longo processo de cultivo, crescimento celular e fermentação.
Um lote às vezes leva meses para ficar pronto.
Você pode investir o dinheiro que for, mas esse processo
não se acelera. É preciso respeitar o processo biológico.
Ao mesmo tempo, necessitamos atender à demanda do
País. Então, usaremos unidades estanques para fabricar
o produto, em vez de planta multipropósito”.
A planta piloto de biotecnológicos do Cristália vai servir
de base para as atividades iniciais da superfarmacêutica
Orygen Biotecnologia, joint venture formada pelo laboratório
em associação com a Biolab e a Eurofarma, com apoio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O objetivo é produzir medicamentos biossimilares.
A Orygen pretende desenvolver sete medicamentos
prioritários para o governo federal. Desses, dois já
foram desenvolvidos e produzidos em pequena escala
pelo Cristália. Além disso, o laboratório já participa de
24 das 56 parcerias do programa de desenvolvimento
produtivo (PDPs) firmadas com o governo para transferência
de tecnologia, em razão da produção dos insumos na farmoquímica.
“O Brasil importa 85% de seus insumos, e o Cristália produz
50% das matérias-primas que usa. Portanto, não oneramos
a balança comercial”
Odilon Costa
Crescimento
Atualmente, o complexo industrial do Cristália conta
com duas unidades farmacêuticas, uma farmoquímica,
uma de produtos oncológicos e um centro de pesquisa,
desenvolvimento e inovação (PD&I). Preparando-se para
se tornar uma sociedade anônima (S.A.), o laboratório comercializa
cerca de 180 medicamentos, com mais de 300 apresentações. A receita bruta da empresa, em 2012, foi de R$ 1,2 bilhão.
A persistência do Cristália no mercado nacional tem reflexos
na economia do País, destaca o diretor de Relações
Institucionais, Odilon Costa. “O Brasil importa 85% de
seus insumos, e o Cristália produz 50% das matérias-primas
que usa. Portanto, não oneramos a balança comercial.
Se toda farmacêutica pudesse ter algum grau de verticalização,
o déficit do setor, que soma US$ 12 bilhões, poderia ser menor”, defende.
Produtos inovadores
Segundo Ogari Pacheco, sustentar um negócio na área
farmoquímica requer altos investimentos, tecnologia e
insistência. “É muito mais fácil importar do que produzir
o princípio ativo. Faço matéria-prima para autoabastecimento
e para exportação. Escolho aquelas difíceis de serem obtidas no exterior. Assim, nosso portfólio é mais diferenciado. Por exemplo, somos líderes em anestésicos e narcoanalgésicos na América Latina. O produto líder em anestesia inalatória é feito por apenas uma multinacional e o Cristália, pois somente nós dois temos o insumo e não o vendemos. A partir da tecnologia própria, o Cristália
concorre com as multinacionais”.
O laboratório é a única empresa farmacêutica brasileira
que realiza a cadeia completa de PD&I – concepção do
projeto, desenvolvimento do princípio ativo farmoquímico
ou biotecnológico, prospecção da propriedade intelectual
e industrial, tecnologia farmacêutica, estudos de
estabilidade, testes clínicos para comprovação da eficácia
e segurança, fabricação do produto e sua disponibilização
no mercado.
Com isso, o Cristália obteve o reconhecimento da United
States Pharmacopeia, órgão americano de influência
mundial que fornece padrões de qualidade para produção
de farmoquímicos. Cinco substâncias, entre as quais ropivacaína,
sufentanil e droperidol, produzidas no centro de pesquisa do Cristália, se tornaram padrões de referência para o órgão.
Isso significa que, tanto os Estados Unidos quanto os 36
países que adotam tal farmacopeia como referência, devem
empregar as substâncias sintetizadas pelo Cristália
como padrão primário para, então, aferir a qualidade dos
princípios ativos fabricados ou usados na produção de
seus medicamentos.
Outro reconhecimento é o Prêmio SBQ de Inovação –
Fernando Galembeck 2010, concedido pela primeira vez a
uma empresa, devido à excelência na inovação tecnológica
em química. Até então, somente instituições, centros de
pesquisas e universidades tinham recebido o título.
Em 2009, o Cristália recebeu o Prêmio Inovar para Crescer
como empresa mais inovadora do País (categoria
Grande Empresa), oferecido pela Sociedade Brasileira
Pró-Inovação Tecnológica (Protec), em conjunto com o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).
No mesmo ano, arrematou o II Prêmio de Excelência em
Gestão da Saúde e Segurança do Trabalho, instituído pelo
Sindicato da Indústria Farmacêutica no Estado de São
Paulo (Sindusfarma). O Prêmio Finep de Inovação Tecnológica
2007 (categoria Médias e Grandes Empresas) é
outro que coroa a trajetória do Cristália.