“Câmbio, custos,
produtividade e
estrutura industrial
precisam ser
melhorados no Brasil
para voltarmos a
ter competitividade
e resistirmos à
importação”
A recente queda na tarifa de energia elétrica e a desoneração
tributária setorial que vem sendo conduzida
por meio do Plano Brasil Maior podem ter
impactos positivos no setor produtivo. Porém, para
que a indústria de transformação retome de fato o
crescimento, a agenda do Governo precisa ser consideravelmente
mais ampla. Nesta entrevista, o economista
Julio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos
para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), aponta a necessidade
de o Governo manter a cotação do dólar na faixa
dos R$ 2, reduzir o custo logístico e melhorar as condições
de acesso ao crédito. Segundo ele, este será o caminho para
o País recuperar a competitividade da indústria de forma
a aproveitar o crescimento do mercado interno, freando o
processo de desindustrialização.
Quais são as expectativas para o crescimento brasileiro nos
próximos anos?
A perspectiva de crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) em 2012 é de 2%. Mas a estimativa conservadora é
de crescimento ainda menor, na faixa de 1,5%. E para o ano
que vem esse crescimento pode ser maior, de 3,5% ou até
4%, segundo algumas projeções. Mas tudo vai depender da
indústria, que no ano passado teve crescimento zero e puxou
para baixo nosso PIB. O resultado foi de 2,7%, em função da
agricultura e do setor de serviços. Não fosse o baixo desempenho
da indústria, o Brasil poderia ter crescido 3,5% ou até
mais. Agora a mesma questão se coloca. O setor teve queda
de 3,8% na produção no primeiro semestre. E todo mundo
acha que deverá melhorar no segundo semestre porque o
Brasil adotou medidas de corte de juros e de política industrial,
e o câmbio está um pouco mais favorável. Mas é preciso
uma reviravolta na indústria para conseguirmos crescer mais.
As commodities não conseguirão sustentar o crescimento?
Nem o setor de serviços. Precisamos alargar nossos setores
dinâmicos. A indústria é um setor extremamente importante
em uma economia, porque impulsiona o crescimento,
funciona como um amplificador. Por suas relações internas,
acaba incentivando outros setores, como o de serviços, podendo
inclusive transformar o dinamismo das commodities
em fator de desenvolvimento. Por isso, ela deve estar bem,
competitiva, com capacidade de concorrer no exterior e no
mercado interno. Podemos crescer mais este ano e no próximo
se a indústria for bem.
Como dar novo fôlego à indústria de transformação?
A indústria extrativa é muito importante, mas ela, em geral,
aproveita o dinamismo de outro país. Já a de transformação é
o coração do setor industrial. Para retomar seu crescimento,
seria necessário manter a cotação do dólar na faixa dos R$ 2
e não permitir uma onda adicional de valorização.
Os custos industriais subiram muito nos últimos anos, e
não só no Governo da presidente Dilma, ou do Lula, ou do
Fernando Henrique Cardoso. São custos de uma logística
cada vez mais ineficiente e de programas importantes de investimento
que não conseguiram até agora compensar esse
processo. O custo do financiamento também é muito alto
para aqueles que não têm acesso ao BNDES. Ainda assim,
ninguém tem acesso total a ele.
O Governo está tentando melhorar o problema dos altos
custos de produção com a desoneração da folha de pagamentos,
mas ainda há preços elevados. O impacto é em todos os
segmentos da economia, mas a indústria perde competitividade
para concorrer com o produto estrangeiro. O produtor
chinês, coreano ou mexicano que não tem esse conjunto
combinado de aumento de custos acaba tendo maior competitividade
e ganhando o mercado brasileiro.
Do lado do empresariado, o que precisa ser feito?
Nossa indústria precisa ampliar a produtividade em alguns
setores, caprichar na modernização fabril, na automação.
Também precisa incorporar segmentos novos da indústria
mundial. O nosso setor eletrônico é pouco presente na estrutura
industrial brasileira, mas é muito dinâmico. E o farmacêutico
pode crescer mais. Em geral, os segmentos de média
e alta tecnologia – este último é o caso da química fina – são
pouco representados em nossa estrutura industrial. Para resumir:
câmbio, custos, produtividade e estrutura industrial
precisam ser melhorados no Brasil para voltarmos a ter uma
grande competitividade e maior capacidade de resistir à importação,
além de exportar.
Quais são as causas da desindustrialização brasileira?
Há fatores antigos e novos. Nos últimos 20 anos ou mais,
o mundo teve uma onda de desenvolvimento no setor de
bens intermediários e de bens finais, como os eletrônicos. O
Brasil não acompanhou este movimento. Outros problemas
remontam a nossa estrutura tributária nos últimos 15 anos
e ao sucateamento da infraestrutura logística nos últimos 30
anos. Entre os entraves recentes, está o câmbio valorizado de
2004 até hoje, com exceção do primeiro semestre de 2012.
Isso tudo fez com que a indústria não introduzisse no País
setores dinâmicos, o que, para mim, é uma forma de desindustrialização.
Por exemplo, há 30 anos a estrutura industrial
brasileira deixava a desejar, salvo em setores muito específicos.
Porém, entre os países emergentes, era uma estrutura
industrial mais avançada. Atualmente já não é mais.
Um dado relevante é que nossa indústria produz hoje 5%
menos do que em 2008, ano da crise. Nesse período, nosso
mercado consumidor cresceu seguramente mais de 7%
em termos reais, como média ao ano. Isso significa dizer
que o País andou para trás em termos de desenvolvimento
industrial. É um sintoma de desindustrialização. Serão
necessários anos de políticas para conferir à indústria novo
dinamismo, que a possibilite acompanhar nosso mercado
consumidor interno.
O Brasil já se destacou na exportação de produtos básicos até
os de alta tecnologia. Seremos capazes de retomar esse espaço
em meio à crise internacional?
Acredito que sim. O Brasil tem um mercado consumidor
interno, então o importante é que as nossas empresas invistam
mais e que o Governo incentive o crescimento. Precisamos
fazer tudo que mencionei antes: atrair setores modernos,
reduzir custos, aumentar a produtividade, ampliar o
crédito, e sustentar um câmbio minimamente competitivo.
Muitas dessas tarefas são de responsabilidade do Governo.
E outras coisas ele pode incentivar. É o caso, por exemplo,
da inovação. Mas é importante também que nosso empresário
não deixe de investir por receio da crise. Ele precisa
apostar no futuro, especialmente na inovação. Se fizermos
tudo isso, daqui a três anos a nossa indústria vai ganhar
muita competitividade.
As parcerias público-privadas constituem o melhor caminho
para a retomada da industrialização?
Sim. Vamos definir parceria público-privada como algo
amplo, como o último pacote que o Governo anunciou na
área de concessões ao setor privado de rodovias e ferrovias.
O modelo também é uma boa solução para o setor químico
e farmacêutico. São investimentos de risco e o Governo
pode reviver o que fez na petroquímica, se tornando parceiro
de empresas privadas ou se associando em etapas iniciais de
processos de desenvolvimento tecnológico. Há muitos campos
para se criar parcerias público-privadas na área da química
fina.
O senhor acha viável aumentar o prazo de recolhimento de impostos
para aumentar o capital de giro das empresas?
Sim. Até agora o Governo tem preferido desonerar certas
decisões empresariais. Ontem o exportador pagava mais impostos
do que paga hoje, então a decisão de exportar agora
é menos tributada. Outra alternativa seria essa de aumentar
prazos para pagamento de impostos, sobrando capital de giro
para as empresas. Isso significa que as empresas vão precisar
de menos crédito, o que ajudaria o Governo na redução da
taxa de juros. Ampliando o prazo para recolhimento, o Governo
não deixa de arrecadar volume de impostos – não é
uma desoneração, e sim uma postergação. A medida significaria
um novo fôlego do ponto de vista financeiro para as
empresas, que pagam imposto até mesmo antes de produzir.
A indústria precisa de medidas de estímulo horizontais, uma vez
que o Plano Brasil Maior desonera setores específicos?
Exatamente. Precisamos de boas políticas horizontais,
que afetem todos os setores industriais, desafogando a liquidez
das empresas e reduzindo a dependência do sistema
bancário.