REVISTA FACTO
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Jul-Set 2012 • ANO VI • ISSN 2623-1177
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A importância da fiocruz para a política de saúde
//Entrevista Paulo Gadelha

A importância da fiocruz para a política de saúde

“A empresa pública
é crucial para que
a Fiocruz possa
cumprir sua missão
de garantir o acesso
da população a
imunobiológicos”

Instituição centenária e tradicional na promoção da
saúde brasileira, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
passa por um período de grande inovação. Para cumprir
sua missão de ser um agente do desenvolvimento social,
científico e tecnológico, a Fiocruz vai transformar sua
unidade de imunobiológicos Bio-Manguinhos em empresa
pública. O objetivo é ter maior flexibilidade jurídica
para inovar e investir em atividades industriais,
podendo assim atender à demanda por vacinas e kits para
diagnóstico no Brasil, América Latina e África.

Mas esse não é um movimento isolado. A Fiocruz abrirá
novas frentes de pesquisa a partir de sua expansão para
11 estados brasileiros. Também se internacionaliza, com a
criação de uma fábrica de medicamentos em Moçambique,
se tornando a primeira instituição pública do setor farmacêutico
no continente africano.

O presidente da Fundação, Paulo Gadelha, detalha esse
novo momento da instituição. Médico especializado em
saúde pública, ele é membro da Comissão Intersetorial de
Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Saúde. Pesquisador
e gestor de longa data, Gadelha também expõe
a seguir sua visão sobre as políticas públicas para o setor.

Quais as principais ações da Fiocruz para fortalecer o SUS e
permitir o aumento do acesso da população a bens e serviços?

O Sistema Único de Saúde (SUS) é uma “bandeira” da
reforma sanitária que teve início há mais de 20 anos tendo
na Fiocruz uma de suas lideranças. Historicamente todas
as ações empreendidas pela Fiocruz visam fortalecer o
SUS, sejam ações na área de assistência, pesquisa, ensino,
ambiente ou produção e inovação. É importante lembrar
que a Fiocruz é uma instituição pública estratégica para a
saúde. Como consta na publicação “A saúde no Brasil em
2030″, desenvolvida no bojo de cooperação técnica assinada
pela Fiocruz com a Secretaria de Assuntos Estratégicos
(SAE) da Presidência da República e o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) e convênio com o Ministério da
Saúde, “é agente da dinâmica do desenvolvimento do Estado
brasileiro e assim se apresenta ao Governo e à sociedade”.
A complexidade das atividades desenvolvidas pela Fiocruz
fortalece o SUS, consolida as bases para a reforma sanitária
com a qual tanto lutamos e contribui para a melhoria das
condições de saúde e de vida de nossa população.

Recentemente foi divulgado que uma das unidades da Fiocruz
será transformada em empresa. Qual o significado disto para a
Fiocruz? O que o senhor espera em termos de benefícios para a
população dessa nova e inovadora iniciativa?

O modelo jurídico proposto, conforme deliberação do VI
Congresso Interno, é o de uma empresa pública em que o
seu controlador exclusivo seja a Fiocruz. Destina-se à área
de produção da Fiocruz para que possa usufruir de uma modelagem
jurídica que atenda às atividades industriais, já que
o atual modelo autárquico é inadequado para esta atividade.
A criação de uma empresa pública viabilizaria capital de
giro, necessidade intrínseca à atividade industrial, e melhor
gestão orçamentária em função da flexibilidade de alocação
de recursos de custeio e capital. Além disso, há possibilidade
de busca de financiamento reembolsável junto a bancos
e agências de fomento público, tais como Finep e BNDES,
mecanismo vedado à fundação autárquica, condição atual da
Fiocruz. Com tudo isso, aumentaremos enormemente a capacidade
da Fiocruz de responder com maior agilidade e em
maior escala às demandas do SUS.

Pode-se mesmo afirmar que a empresa pública é crucial
para que a Fiocruz possa efetivamente cumprir sua missão de
garantir o acesso da população a imunobiológicos. Este papel
não se resume à demanda nacional, uma vez que Biomanguinhos
é responsável hoje, entre outras ações, pela oferta de
vacina de febre amarela aos países da América Latina e da
África. Outro aspecto relevante será o papel da empresa na
cadeia de inovação, a partir de uma visão integrada pesquisa-
-desenvolvimento-produção. Dessa forma o novo modelo
jurídico para Biomanguinhos poderá favorecer essa relação,
potencializando ações de pesquisa e inovação no conjunto
da Fiocruz.

Quando se fala em Fiocruz pensa-se no Castelo Mourisco de
Manguinhos. No entanto, sabemos que a Fiocruz está presente
em outras unidades da federação. Qual a importância da presença
da Fiocruz no território nacional? Existe algum plano de
expansão no Brasil?

Nos últimos anos, o Governo Federal vem desempenhando
uma política de expansão e regionalização das
atividades de ciência e tecnologia, com vistas ao fortalecimento
da capacidade de intervenção do Estado, aliada a
uma política de redução das desigualdades regionais. Esta
política permitiu a formulação de um projeto de ampliação
da presença nacional da Fiocruz, criando as bases para
a institucionalização de unidades no Ceará, Mato Grosso
do Sul, Piauí e Rondônia. A Fiocruz, instalada em 11 estados
e atuando em rede, tem como objetivos estabelecer
novos objetos de pesquisa relacionados aos quadros ambiental
e epidemiológico e otimizar a cooperação regional
entre os setores acadêmico e empresarial.

A cobertura nacional da Fundação está alinhada a um princípio
fundamental do SUS: a regionalização, que orienta o
processo de descentralização das ações e serviços de saúde
e os processos de negociação e pactuação entre os gestores.
Esta dinâmica contribui para a racionalização de gastos e a
otimização de recursos, o que é fundamental para garantir o
acesso, a resolutividade e a qualidade dos serviços, a integralidade
e a equidade na atenção à saúde.

A implantação de unidades com capacidade de produção
científica e tecnológica em saúde em todas as regiões do País
é fator preponderante para o desenvolvimento nacional: além
de ampliar a geração de conhecimentos e tecnologias capazes
de melhorar as respostas do setor saúde aos problemas
regionais da população brasileira, contribui para o desenvolvimento
econômico, fixando trabalhadores especializados
nas várias regiões e fomentando a cadeia de produção, com
participação do setor produtivo regional e local.

A instalação da Fiocruz em todo o País é importante também
para a definição de novos objetos de pesquisa, relacionados
aos quadros ambiental e epidemiológico de cada região,
e para aprimorar a cooperação regional entre os setores acadêmico,
produtivo e industrial.

Recentemente foi noticiada a inauguração de uma fábrica de
medicamentos em Moçambique. Qual o papel da Fiocruz nessa
iniciativa?

Esse projeto foi desenvolvido em colaboração com o Ministério
da Saúde de Moçambique e especialistas do Instituto
de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), unidade
de produção de medicamentos da Fiocruz. Na pauta
de ações futuras da Fiocruz no continente africano também
está prevista cooperação na área de transferência tecnológica
para produção de vacinas e kits para diagnósticos.
A unidade fabril é a primeira instituição pública no setor
farmacêutico do continente africano. Realizou-se um
trabalho excelente no campo das relações externas e certamente
único na área da saúde. Por meio de uma cooperação
horizontal, de identificação de quais são as vulnerabilidades
e as demandas de um país africano, foi montada uma parceria
e se viabilizou uma fábrica que será dos moçambicanos.
Nós ajudamos a constituir essa fábrica. O Governo
brasileiro doou os equipamentos e houve também doções
de empresas privadas que atuam em Moçambique. Haverá
ainda capacitação de pessoal para a área, o que inexistia em
Moçambique, e vamos ajudar o país a construir um aparato
regulatório na área de saúde – que a Anvisa ajudará a configurar.
Esse processo significará que teremos uma fábrica
não somente qualificada para Moçambique, mas também
com a perspectiva de ser certificada internacionalmente
pela Organização Mundial da Saúde e fornecer medicamentos
para toda a África subsaariana.

O Governo Federal tem implantado uma série de programas e
ações, entre eles o Plano Brasil Maior, Ciência sem Fronteiras,
Brasil sem Miséria. Como a Fiocruz se insere nesse contexo?

De fato, a Fiocruz, como instituição estratégica de Estado,
tem tido destacada atuação em diferentes programas
do Governo Federal. A partir da definição do macroprojeto
Saúde, Ciência e Educação contra a Miséria, por exemplo,
a Fiocruz tornou-se uma das instituições participantes do
Programa Brasil sem Miséria, que opera em três eixos: distribuição
de renda, inclusão solidária e promoção de novos
empregos e qualificação da força de trabalho. Neste contexto,
o Ministério da Saúde delegou à Fundação o papel
de integração das ações da pasta relacionadas à iniciativa,
na lógica de percorrer territórios e mapear conhecimentos e
tecnologias sociais para ações de combate à miséria. Como
parte deste processo, a Oficina de Integração Estratégica da
Fiocruz no Plano Brasil sem Miséria reuniu representantes
dos ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome, além da própria Fundação, para estruturar
os planos, ações e projetos das unidades da instituição que
poderão contribuir com o programa do Governo federal.
No âmbito do ensino de pós-graduação, esse alinhamento
se dará por meio da oferta de bolsas especiais Fiocruz/
Capes com o objetivo de incentivar projetos de pesquisa de
doutorado e pós-doutorado desenvolvidos em seus programas
de pós-graduação.

Em outra frente, a Fiocruz contribui para o desenvolvimento
das redes de atenção à saúde e do projeto Qualisus
Rede, financiado pelo Governo Federal e o Banco Mundial.
A Fundação participa dos processos de gestão de projetos
e na base de sua formulação, com pesquisas voltadas para a
análise das tecnologias de redes assistenciais.
Por sua vez, o Programa Farmácia Popular do Brasil, lançado
em junho de 2004, conta atualmente com uma rede
própria composta por 552 unidades em funcionamento,
sendo 32 oficialmente ligadas à Fiocruz, e as demais em
parceria com estados e municípios. O programa tem como
objetivo ampliar o acesso da população aos medicamentos
para as doenças mais comuns. Além da rede própria, o programa
conta ainda com outro modelo que, em parceria com
drogarias da rede privada, também fornece medicamentos,
que é o Aqui Tem Farmácia Popular. Por meio do programa,
estão sendo fornecidos, gratuitamente, medicamentos
indicados para o tratamento da hipertensão e do diabetes.
A ação beneficia 33 milhões de brasileiros hipertensos e 7,5
milhões de diabéticos.

Já o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança
e do Adolescente Fernandes Figueira, da Fiocruz, participa
da coordenação do projeto Rede Cegonha, em parceria com
as áreas técnicas de Saúde da Mulher, de Saúde da Criança
e Aleitamento Materno e Política Nacional de Humanização
do Ministério da Saúde. O instituto é diretamente
responsável pelos seguintes componentes do Projeto de
Apoio à Implementação da Rede Cegonha: qualificação de
quadros estratégicos do SUS para a melhoria do cuidado e
dos indicadores materno-infantis, com destaque para ações
de formação de profissionais da área assistencial e da gestão
nos estados e municípios brasileiros; e implantação de
Sistema de Informação para o Monitoramento do Cuidado
Obstétrico e Neonatal em maternidades, visando identificar
práticas assistenciais, a redução da distância entre as
práticas em uso e as boas práticas obstétricas e neonatais e
a melhoria de resultados do cuidado materno e neonatal.

Outro exemplo é o Ciência sem Fronteiras. Ao definir
como um dos eixos estratégicos do seu Plano Quadrienal
(2011- 2014) o mote Ciência e Tecnologia, Saúde e Sociedade,
a Fiocruz considerou que a organização, a coordenação
e o aperfeiçoamento dos programas de ensino da
pós-graduação fortalecem, ao mesmo tempo em que se nutrem,
das atividades de P&D. Os macroprojetos que integram
este eixo estão em sintonia com o programa, lançado
em 2011. O Ciência sem Fronteiras é um programa que
promove a consolidação, a expansão e a internacionalização
da ciência e da tecnologia, da inovação e da competitividade
e que prevê a concessão de até 75 mil bolsas em quatro
anos, em modalidades que abrangem do estudante de graduação
ao pesquisador altamente qualificado. Assim, a Presidência
da Fiocruz estimulou com bastante ênfase que os
programas de pós-graduação e as redes de pesquisa submetessem
propostas para a chamada pública para pesquisador
visitante especial, com recursos da Capes e do CNPq, com
o propósito de atrair lideranças internacionais para o País,
oferecendo bolsas para pesquisadores.

“A instalação da
Fiocruz em todo o país
é importante também
para a definição de
novos objetos de
pesquisa”

O que podemos esperar da Instituição para os próximos anos?

Há 112 anos a Fiocruz contribui para o desenvolvimento
nacional e para o sistema de atenção à saúde da população
brasileira. A capacidade propositiva, a liderança nos processos
de mudanças do setor de saúde, a excelência no campo
da ciência e tecnologia e a reconhecida competência de
seu quadro de funcionários têm sido nossa carta de apresentação
à sociedade. Para continuar cumprindo este papel
singular para o País, a Fundação estabeleceu, por meio de
seu VI Congresso Interno, um conjunto de metas para os
próximos anos que expressam a projeção para as próximas
décadas e o seu papel de instituição estratégica de Estado
pertencente ao SUS.

Neste sentido, podemos destacar um rol de ações projetadas,
entre as quais a qualificação dos institutos Fernandes
Figueira e Evandro Chagas, enquanto, respectivamente,
Instituto Nacional da Mulher, da Criança e do Adolescente
e Instituto Nacional de Infectologia; a consolidação de um
escritório em Moçambique; a participação em organismos
multilaterais, como o Mercado Comum do Sul (Mercosul);
a Organização do Tratado da Cooperação Amazônica
(OTCA) e a União de Nações Sul-Americanas (Unasul);
as parcerias com Estados Unidos, União Europeia e Japão;
a liderança do Programa Iberoamericano de Bancos de
Leite Humano (IberBLH); além da ampliação da tradicional
cooperação com a OMS/Opas.

Como instituição de suporte ao Ministério da Saúde, a
Fundação seguirá atuando estrategicamente para articular
as vertentes produtiva sociossanitária do Complexo
Econômico-Industrial da Saúde e fomentar o avanço da
produção nacional e da inovação em saúde. A estruturação
do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde
(CDTS) e do Centro Integrado de Protótipos, Biofármacos
e Reativos para Diagnóstico (CIPBR) na Fiocruz também
preencherão uma lacuna persistente no sistema nacional
de produção e inovação em saúde, contribuindo para
a superação de gargalos no desenvolvimento de insumos
para a saúde, como vacinas, medicamentos, reagentes para
diagnóstico e outros produtos biotecnológicos, além de diminuir
a dependência tecnológica e o déficit na balança
comercial do setor.

No campo da pesquisa clínica, a Fiocruz investe na consolidação
institucional da atividade, com destaque para a
inserção na Rede Nacional de Pesquisa Clínica em Hospitais
de Ensino (RNPC), a estruturação da Plataforma
de Pesquisa Clínica, a criação do Registro Brasileiro de
Ensaios Clínicos (Rebec) e desenvolvimento do primeiro
registro de ensaios clínicos em código aberto no mundo.

Paulo Gadelha
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