Indústria mostra produção mais limpa, porém aponta que
as soluções dos próximos 20 anos demandam envolvimento
maior do poder público para o desenvolvimento tecnológico
Apesar do tímido acordo final, a Rio+20 contabilizou
um grande resultado: sensibilizou
a sociedade civil para as transformações do
sistema produtivo promovidas pela indústria
desde a Eco-92. No entanto, também
mostrou que o governo precisa oferecer incentivos
para que o setor possa investir mais em
inovação tecnológica. Precisa, além disso, conferir
segurança jurídica para a produção agrícola se
manter como fonte de alimento para milhares de
pessoas no mundo, ao mesmo tempo preservando
o meio ambiente. Com especialistas dos segmentos
farmacoquímico, fitoterápico e agro, a ABIFINA
participou de todo esse debate, na programação
paralela à conferência de 18 a 22 de junho, contribuindo
para que o Brasil se torne ainda mais
sustentável nos próximos 20 anos, sem abrir mão
do desenvolvimento econômico.
O maior símbolo do anacronismo das políticas
públicas brasileiras no tema sustentabilidade ficou
evidente com as dificuldades de acesso ao
patrimônio genético nacional e ao conhecimento
tradicional associado para fins de pesquisa e desenvolvimento.
Isso acontece em decorrência da
insegurança jurídica da Medida Provisória (MP)
2.186/01. Visando a reformulação do marco legal,
a Abifina lançou o projeto para consulta pública
com o setor regulado e também no fórum Humanidade
2012, promovido pela Federação das
Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan)
e pela Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (Fiesp).
O trabalho foi apresentado por Ana Cláudia Oliveira, gerente
de Biodiversidade e Propriedade Intelectual da ABIFINA,
no painel “Biodiversidade no contexto da sustentabilidade”.
O documento com as propostas de mudança da
MP 2.186/01 será aberto à contribuição de comunidades
tradicionais, academia, indústria e sociedade civil. Trata-se
de uma parceria com o Instituto Nacional da Inovação em
Fármacos e Medicamentos (IPD-Farma).
O documento prévio será apresentado em agosto no 6º
Encontro Nacional de Inovação em Fármacos e Medicamentos
(ENIFarMed), em São Paulo, e sua versão final será
apresentada ao governo durante o Workshop de Biodiversidade,
previsto para setembro, e em audiências agendadas
com os diversos Ministérios envolvidos no tema.
Os projetos de pesquisa de medicamentos com recursos da
biodiversidade brasileira, que antes da MP levavam de nove
a dez anos do início da pesquisa até o registro do produto,
hoje estão levando 12 anos ou mais para serem finalizados.
Por essas e outras dificuldades, um estudo promissor
da Universidade Estadual Paulista (Unesp) sobre medicamentos
contra malária, na calha do Rio Negro, está prestes
a parar.
“Atualmente um medicamento fitoterápico pode deixar de
chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS) devido aos entraves
que a legislação de acesso tem ocasionado, tanto para
universidades quanto para as indústrias”, disse Ana Cláudia
durante a apresentação.
Benefícios em cadeia
Para a diretora de estudos da biodiversidade da ABIFINA,
Vânia Rudge, a repartição de benefícios deve ser um importante
instrumento para que a cadeia de abastecimento se
organize no sentido de viabilizar o uso sustentável da biodiversidade.
Esse foi um dos temas que a gerente de Sustentabilidade
do Grupo Centroflora abordou no BioTrade
Congress, evento organizado pela Conferência das Nações
Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad).
“Muitas vezes trabalhamos com comunidades que têm baixo
nível de instrução e organização social, distantes, com
pouco acesso a informação e pouco conhecimento a respeito
da formalidade do mundo dos negócios”, argumentou
Vânia no painel “Repartição equitativa de benefícios no
suprimento ético de biodiversidade”.
Ela apresentou a experiência da Centroflora na articulação
de suprimento ético de matéria-prima vegetal pelo programa
Parcerias para um Mundo Melhor. Por meio dele,
todos os elos da cadeia produtiva se comprometem desde
o planejamento do campo – visando a garantia da compra
programada de safras, o pagamento de preços justos – até a
sensibilização dos consumidores e prescritores sobre o biocomércio
ético.
“Seria importante que atividades desenvolvidas pelo setor
privado como assistência técnica, capacitações, suportes
administrativos e apoio a certificações oferecidas a comunidades
locais também fossem encaradas como parte da repartição
de benefícios. As discussões do novo marco legal
de acesso e repartição de benefícios precisam internalizar
esta demanda, uma vez que isto é essencial para viabilizar o
uso sustentável da biodiversidade”, defende Vânia.
Preservação no agronegócio
A produção agrícola, mesmo sendo a atividade que garante
o superávit comercial brasileiro, também enfrenta barreiras a
seu desenvolvimento. Segundo apresentação feita no Humanidade
2012 por Rodrigo Lima, gerente-geral do Instituto
de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone),
um único funcionário é responsável por fiscalizar 186
mil hectares de unidade de conservação da Amazônia, e não
há conselhos gestores, o que torna o sistema ineficaz tanto do
ponto de vista da produção como da gestão ambiental.
Diante da falta de estrutura de fiscalização – o que pode vir
a travar a produção agrícola -, Lima expressou preocupação
com a forma como o Brasil vai aderir ao Protocolo de
Nagoya, que prevê compromisso dos países signatários em
aumentar as áreas terrestres protegidas (unidades de conservação)
de 12% para 17%.
O mesmo evento discutiu, na mesa “Sustentabilidade no
Agronegócio”, novas restrições à produção agrícola que devem
surgir com o Código Florestal. Necessário para a preservação,
ele deveria prever, no entanto, o financiamento pelo
governo das medidas exigidas no documento, na visão do setor
produtivo, como a recuperação das áreas de preservação.
O vice-presidente agroquímico da ABIFINA, Luis Henrique
Rahmeier, diretor de Desenvolvimento e Registro
da Nufarm, acompanhou os debates. Segundo ele, o setor
demonstrou suas necessidades em políticas regulatórias, no
seguro da lavoura, no incentivo às exportações e à produção
de agroquímicos. “Outro fator importante é a logística de
escoamento, pois há muita perda no transporte dos produtos
da lavoura até o porto ou até o lugar de processamento”,
detalhou.
Os defensivos agrícolas foram citados como importante
ferramenta tecnológica para o aumento de produção, mas
eles também necessitam de uma estratégia do governo para
aumentar a competitividade do agronegócio brasileiro. Entre
as medidas sugeridas no encontro, estão a fiscalização
das fábricas no exterior para a garantia de qualidade dos
produtos que, em sua maioria, são hoje importados prontos,
e a exigência aos importadores de arcarem com eventuais
problemas ambientais ocasionados por possíveis acidentes
durante o transporte dos produtos.
Falta planejamento
No Humanidade, Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura,
mencionou que o último planejamento estratégico
para o agronegócio foi feito no governo Geisel (1974-79).
Desde lá, as melhorias e inovações no setor foram pontuais,
sem uma organização ou liderança que promovesse a convergência
de todas essas ações para um objetivo comum.
Na intenção de retomar justamente o planejamento do setor
em consonância com práticas sustentáveis, a presidente da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),
senadora Kátia Abreu, entregou ao ministro da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento, Mendes Ribeiro, um documento
com o posicionamento do agronegócio brasileiro para a
Rio+20. O fato aconteceu durante visita ao Espaço Agro-
Brasil, no Píer Mauá.
Durante o evento, a senadora destacou o envolvimento
cada vez maior dos produtores rurais com a preservação
ambiental, devido às inovações tecnológicas implantadas
no Brasil, que permitiram o aumento de produtividade. Já
Mendes Ribeiro visitou as instalações do Espaço AgroBrasil
e destacou as parcerias entre o ministério e a CNA em
benefício da produção sustentável.
O ministro citou os exemplos do Projeto Biomas, desenvolvido
pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), para garantir a proteção e o uso sustentável dos
biomas brasileiros, e a Plataforma de Gestão Agropecuária,
que permitirá a integração das informações sobre os principais
produtos agropecuários do País.
Investimento em inovação
No “Encontro da indústria para a sustentabilidade”, promovido
pela Confederação Nacional da Indústria (CNI),
representantes do setor produtivo questionaram como as
empresas vão investir em inovação, se além do Custo Brasil
enfrentam a enxurrada de importados baratos, favorecidos
pelo câmbio e por custos de produção menores no exterior.
Carlos Calmanovici, representante da Associação Brasileira
da Indústria Química (Abiquim), destacou que inovação
e sustentabilidade estão intrinsecamente relacionadas neste
setor, especialmente no que toca à busca de matérias-primas
renováveis e ao desenvolvimento de produtos ecoeficientes
em todo seu ciclo de vida. Porém, para que o movimento
ganhe fôlego, o investimento público é determinante.
Segundo ele, por falta de políticas públicas adequadas o
País perdeu a posição de terceiro produtor mundial de antibiótico,
produto de alto valor agregado. Ele destacou, por
exemplo, o chamado “vale da morte”, em que vários projetos
de inovação sucumbem por falta de linhas de fomento
que sustentem esta etapa de transição da pesquisa para o
mercado. “A sustentabilidade pode agregar valor, mas não
é um processo automático. Precisamos de um sistema de
precificação adequado e de compras públicas”, avaliou.
Segundo os participantes do debate, o governo precisa compartilhar
o risco da inovação. Não apenas isso: precisa usar
seu poder de compras para estimular a tecnologia nacional,
em vez de comprar produtos do exterior mais baratos e
feitos, muitas vezes, por sistemas exploratórios. Da mesma
forma, a sociedade precisa se conscientizar de que produtos
sustentáveis carregam no preço o investimento feito em
inovação. Sim, a sustentabilidade tem seu preço. E, nisso,
cada um também precisa dar sua parcela de colaboração.