Nos últimos 20 anos a indústria brasileira vem perdendo a importância relativa que possuía na formação do PIB brasileiro, caindo hoje para algo próximo de 17%, o que é muito pouco para um país que ambiciona estar entre as maiores economias do mundo. Nesse contexto, é de grande relevância lembrar que todos os países de desenvolvimento tardio que saíram desse estágio de subdesenvolvimento elegeram a indústria como prioridade para a retomada do seu desenvolvimento. Esta orientação política tem sido o carro-chefe do desenvolvimento de todos eles, como verificado na situação do Japão pós-guerra, da Coreia do Sul nos anos 60, da China nos anos 80 da Índia, no século XXI. O Brasil marcou o início de seu processo de industrialização com Vargas nos anos 40, continuando com Juscelino nos anos 50 e, ao final do regime militar, com Geisel. Mas a partir de meados dos anos 80 – sobretudo nos anos 90, vem sofrendo um processo perverso, realmente de desindustrialização, por se ter submetido de forma ingênua aos di- tames do Consenso de Washington, modelo econômico que levou o Brasil à crise financeira de 1999 e jogou o mundo na crise econômica de 2008, ainda sem perspectivas de solução.
A despeito desse incontestável cenário político-econômico, ainda hoje articulistas de renome na mídia brasileira continuam a defender o ultrapassado laissez-faire criado pelos ricos países europeus no início do século XX, e retomado pelo tatcherismo e reaganismo dos anos 80, rejeitando a necessidade de políticas industriais para o crescimento econômico, usando os argumentos de sempre: que a indústria brasileira não é competitiva, não investe em máquinas e equipamentos, não desenvolve tecnologia, e que somente sabe crescer com a proteção de mercado.
Em realidade, a indústria brasileira aceita competir no mercado nacional com produtos importados, deseja e pretende competir também em mercados internacionais, mas desde que tal competição no mercado venha a ocorrer em condições minimamente isonômicas, pelo menos no mercado pátrio.
Assim sendo, para que esse pré-requisito de isonomia competitiva seja atendido, é imprescindível o uso de políticas públicas que com- pensem as iniquidades das variáveis macroeconômicas em vigor – em especial a taxa cambial e o denominado Custo Brasil – com destaque para carga tributária, encargos trabalhistas e
taxas de juros, que tornam desproporcionalmente mais elevado o custo industrial no Brasil quando confrontado com países concorrentes. A valorização cambial e o Custo Brasil atingiram hoje níveis insuportáveis, chegando ao ponto de impedir a exportação de produtos industrializados que no passado eram normalmente exportados.
As taxas de câmbio das principais economias do mundo valoriza- ram-se menos que o real, sendo que algumas até se desvalorizaram, casos da moeda mexicana e argentina. O gráfico 1 da página 4 procura mostrar isso, com base numa seleção de alguns países.
De janeiro de 2003 a janeiro de 2011, a taxa de câmbio do Brasil se valorizou em 106,2%. Com tamanha valorização cambial, os custos industriais aumentaram significativamente em dólar, impedindo uma competitividade isonômica da indústria de transformação brasileira, vis-à-vis produtos fabricados no exterior.
Outro fato a destacar nessa falta de isonomia competitiva, que causa grave problema às empresas brasileiras – diferentemente do que ocorre com suas competidoras no exterior é o alto custo de capital para investimento e giro dos negócios, resultante de uma taxa de juros básica altíssima e de spreads bancários elevadíssimos. O gráfico 2 acima destaca, com grande nitidez, o crescimento do spread bancário, mesmo quando ocorre a redução da taxa Selic e o compulsório. O resultado disso é que o spread no Brasil, ponderado pelo saldo das operações de crédito em PPC (Paridade de Poder de Compra) em dólares, é 19,8 vezes o spread médio dos países.
O custo da mão de obra no Brasil é significativamente onerado pelos encargos sociais. Um estudo do BLS – Bureau of Labor Statistics, dos EUA, compara o percentual dos encargos em relação ao custo total da mão de obra em 36 países. No Brasil, os encargos trabalhistas representam quase um terço (32,4%) do custo da mão de obra, o maior entre os países analisados pelo BLS. Mesmo na Europa, com seu alto nível de benefícios sociais, o “peso” dos encargos no custo da mão de obra é de 25%. O quadro é ainda mais grave se os encargos no Brasil forem comparados com países em desenvolvimen- to, como mostrado no gráfico 3 mostrado abaixo.
Apenas para ilustrar a falta de isonomia com- petitiva na oferta de insumos básicos para a atividade industrial no Brasil, o gráfico 4 mostrado na página 6 mostra que a tarifa da ener- gia elétrica no Brasil é uma das mais elevadas do mundo. Na comparação com importantes economias que competem com o Brasil nos mercados mundiais e local de produtos industriais o Brasil tem larga desvantagem; com os BRICs pior ainda.
Em decorrência desses fatos, o complexo industrial da química fina, compreendendo produtos de alta tecnologia e com elevado valor estratégico e significado econômico e social para o País – como fármacos, medicamentos e produtos agroquímicos, que foi sucateado ao longo dos anos 90 devido à abrupta abertura comercial realizada e aprofundada pela apreciação do Real ocorrida a partir de 1995, por não ter recebido até hoje efetivas medidas compensatórias a essa falta de isonomia com concorrentes no exterior, vem sofrendo um crescente processo de desindustrialização, nitidamente mostrado pelas importações que ocorrem no País, em substituição à fabricação local, como mostrado pelo gráfico 5 abaixo.
A redução dos custos relativos que mais pesam no Custo Brasil, a começar pela revisão da política cambial, deve constituir um norte a ser permanen- temente perseguido na definição de políticas públi-
cas, mas enquanto isso não ocorre, é indispensável a adoção de outras medidas com efeitos setoriais, visando amenizar-se as dificuldades atuais, melhorando a competitividade das mesmas no mercado.
Com relação ao complexo da indústria de química-fina, sem prejuízo das observações feitas anteriormente, para a ABIFINA são relevantes as seguintes providências:
Subvenção tecnológica para P&D: subvenção econômica para o desenvolvimento de processos e produtos industriais, que já foi definida em lei, deveria ser operacionalmente direcionada dire- tamente à empresa privada visando o “scale up” de processos industriais desenvolvidos em escala laboratorial, em vez de se atribuir à academia tarefa para a qual ela não dispõe da mínima competência. Vale dizer que esse preceito não é específico para a química fina, sendo aplicável aos demais setores industriais.
Incentivos fiscais para P&D: os incentivos fiscais estabelecidos em lei visam exclusivamente as empresas que usam o sistema de lucro real, que constituem me- nos de 10% daquelas que atuam na indústria. O segmento industrial mais carente de incentivos fiscais são as empresas do Lucro Presumido, que não são cobertas pelos efeitos dessa lei. Além disso, os incentivos fiscais concedidos deveriam cobrir períodos plurianuais, e não simplesmente orçamentos anuais, como ocorre atual- mente. Não menos importante, os critérios utilizados pela Receita Federal para aferição de tais aplicações
deveriam ser harmonizados nacionalmente – hoje cada estado ou região usa critérios próprios. Vale dizer que esse preceito também não é es- pecífico para a química fina, sendo aplicável aos demais setores industriais.
Fortalecimento das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) destinadas ao complexo industrial da saúde (CIS): as parcerias de empresas privadas fabricantes de fármacos ou de
medicamentos no país com laboratórios oficiais deveriam ser fortalecidas através da regulamentação da lei 12.349/2010, visando-se o uso do poder de compra do Estado em favor de industrialização local.
Marco regulatório (registro sanitário e propriedade industrial): o marco regulatório da propriedade intelectual e do registro sanitário de produtos deveria perseguir permanentemente suas ações de forma consistente com as políticas públicas dedicadas ao desen- volvimento industrial do país.
//Editorial