REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2012 • ANO VI • ISSN 2623-1177
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//Artigo

DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA CADEIA PRODUTIVA DA QUÍMICA FINA

No dia 3 de abril o Decreto Presidencial no 7.713 regulamentou, finalmente, o uso do poder de compra do Estado em benefício do complexo industrial da saúde, estabelecido na Lei no 12.349 (dezembro de 2010). Dessa forma, o governo brasileiro deu mais um passo à frente no sentido de estimular a produção local e romper o círculo vicioso de dependência de importações que coloca o sistema nacional de saúde pública em situação de alta vulnerabilidade. Mas ainda são imensos os desafios que o País tem pela frente para conquistar relativa autonomia no abastecimento de medicamentos e outros produtos estratégicos da química fina, como defensivos agrícolas indispensáveis ao agronegócio. O princípio da isonomia ora adotado na comparação de preços em licitações públicas precisa ser estendido à esfera regulatória, de forma a coibir importações de produtos com qualidade inferior à exigida dos fabricantes instalados no País. Na reportagem a seguir, empresários e executivos ligados aos setores fármaco-farmacêutico e agroquímico apresentam suas ideias de como o governo deve enfrentar essas questões.
A VULNERABILIDADE DA CADEIA
A falta de produção nacional de insumos estratégicos é um problema que afeta de maneira generalizada a química fina, seja no setor fármaco-farmacêutico, seja no agroquímico. Segundo Nicolau Lages, vice-presidente da Nortec Química, “hoje, como dependemos totalmente das importações de intermediários de síntese, principalmente da China e da Índia, temos dificuldades na competição com as empresas desses países e garantias limitadas quanto ao abastecimento interno”.
Peter Andersen, presidente da Centroflora, vai mais longe e afirma que “a história brasileira é de uma dependência quase integral da importação de farmoquímicos. O governo trabalha a formatação de PPPs para diminuir essa dependência, mas o fato é que hoje ela ainda é muito grande. E não só em moléculas novas, mas em farmoquímicos tradicionais com patentes já expiradas há muitos e muitos anos”.
Mesmo no segmento de drogas fitoterápicas, sobre o qual se poderia supor uma participação maior de insumos nacionais em função da rica biodiversidade brasileira, o quadro é desanimador. “Hoje, nas nossas farmácias, 95% dos fitomedicamentos são lastreados em plantas estrangeiras. A fitomedicina brasileira ainda é muito tímida, é bem marginal em termos de mercado. Como mudar isto é um grande desafio, que está relacionado à legislação de acesso à biodiversidade”, afirma Andersen.
Para o presidente do Instituto Vital Brazil (IVB), Antônio Werneck, a escassa produção de matérias-primas para fitoterápicos no País se deve principalmente ao baixo emprego de tecnologias de manejo e cultivo nessa área. “Algumas espécies de plantas medicinais são obtidas ainda por extrativismo. A utilização de técnicas de cultivo que viabilizem a multiplicação, permitindo a obtenção de plantas sadias, com qualidade e em quantidade suficiente para atender a demanda de mercado, nos parece um caminho viável. Sendo assim, o uso da biotecnologia na produção para o setor industrial seria a rota mais aconselhável”. Werneck entende que, uma vez adotadas novas tecnologias, como as de micropropagação, será possível obter uma cultura padronizada com potencial ótimo de rendimento e qualidade, ao contrário dos cultivos tradicionais, que estão suscetíveis a oscilações do espécime. “Porém, nada impede que o uso da biotecnologia seja feito no laboratório, em parceria com co- operativas e pequenos produtores rurais, através de mecanismos de capacitação”.
Telma Salles, diretora de Relações Institucionais do laboratório Aché, manifesta otimismo frente às perspectivas para o segmento de fitoterápicos. “Cada vez mais é reconhecida a importância dos produtos farmacêuticos obtidos a partir de matérias-primas encontradas na natureza, sejam fitomedicamentos sejam produtos obtidos por rotas biotecnológicas. Estamos apenas iniciando uma nova era de produtos biológicos para a saúde humana, cujo desenvolvimento terá certamente o Brasil como um agente importantíssimo, seja através de seus laboratórios e indústrias farmacêuticas, seja através de seu pujante mercado interno”.
Na cadeia produtiva dos medicamentos de origem biotecnológica – os chamados biomedicamentos – a dependência de matérias-primas importadas também tem sido uma constante. Segundo Edson Lima, diretor da Divisão Farmoquímica da Cristália, nos procedimentos que envolvem manipulação de genes (clonagem molecular) e construção das células produtoras de biofármacos recombinantes os insumos são quase todos importados. Nas etapas seguintes, que envolvem o cultivo celular (processo fermentativo) e purificação dos complexos proteicos, os componentes dos meios de cultivo e as resinas cromatográficas também são em sua grande maioria importados. “Na melhor das hipóteses a matéria-prima é importada na forma de bulk e apenas fracionada no Brasil”, observa Lima. “Neste contexto enquadram-se inclusive componentes que são de fabricação relativamente simples, como peptonas e extratos de levedura”.
Na opinião do diretor da Cristália, mesmo com o acelerado desenvolvimento da biotecnologia a principal fonte de matérias-primas para a cadeia produtiva da química fina continuará sendo a indústria petroquímica. E também nessa área o Brasil é dependente de importações. “Há ainda um importante hiato no que se refere à disponibilização local de insumos químicos mais especializados que seriam de extrema utilidade para a produção de intermediários de síntese. Pode-se citar como exemplo o THF (Tetra-hidrofurano) e o n-Heptano, solventes que deveriam ser de fácil acesso a partir da petroquímica, porém temos que importá-los”.
Nicolau Lages assinala que, embora o Brasil já seja um grande produtor mundial de petróleo e vá se tornar ainda maior com a exploração comercial do pré-sal, não temos aproveitado essa abundância de matéria-prima como van- tagem competitiva para nossa economia. “Melhor do que exportar o petróleo bruto com baixo valor agregado, como vem sendo feito com o minério de ferro, será integrar as cadeias derivadas do petróleo para suprir o mercado interno e para exportação. Isto traria resultados importantes para o País tanto na geração de empregos como na industrialização e, consequentemente, na balança comercial. Sabemos que, apesar de mais de 70% de todos os Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) utilizados nos medicamentos terem origem no petróleo, isto representa muito pouco quando comparado aos números relativos à produção de petróleo. Entretanto, o seu valor agregado e estratégico assume grandes proporções”.
A criação no Brasil de um parque de intermediários de síntese a partir da indústria petroquímica demandaria trabalhoe investimentos por parte do governo. O BNDES, atento a essa necessidade, lançou em 2004 o Programa de Apoio à Cadeia Farmacêutica (Profarma) e desde então tem buscado articular os atores nas esferas pública e privada. Segundo Pedro Palmeira, chefe do Defarma/BNDES, “a capacidade instalada de produção de princípios ativos farmacêuticos no Brasil, hoje, é rarefeita. São poucos produtores de farmoquímicos, produtores com pequeno porte ou que não suportam uma competição em grande escala. De forma geral, para a grande maioria dos produtos o Brasil parece não ter mais condições de alcançar o estágio que produtores de baixo custo como Índia e China já alcançaram”.
“Parece-nos que um caminho mais inteligente de construção de competência em produção de farmoquímicos seria concentrar esforços em determinadas especialidades, determinados nichos farmoquímicos de maior complexidade ou de maior potência, ou mesmo considerados estratégicos para o nosso sistema de saúde”, argumenta Palmeira. “Hoje, contamos praticamente nos dedos as empresas que produzem. Não temos volume suficiente para promover uma indústria capaz de atuar de forma mais geral nesse setor – por isso a nossa defesa de uma ação mais focada, mais orientada para uma estratégia de nichos”.
No segmento agroquímico, o cenário é ainda mais sombrio no que diz respeito à dependência de insumos básicos, já que o setor não conta com nenhum programa governamental de apoio à sua cadeia produtiva. Segundo Luis Henrique Rahmeier, diretor de Desenvolvimento e Registro da Nufarm, cerca de 80% das empresas se dedicam à formulação do produto e cada vez menos à síntese propriamente dita. “A matéria-prima hoje produzida no país é muito reduzida, mas está disponível no mercado internacional, podendo muito bem ser importada e o produto final ser sintetizado aqui”.
De acordo com Rahmeier, o setor agroquímico hoje importa grande parte do seu produto pronto e acabado, “fazendo apenas alguma reembalagem ou algum tipo de manipulação menor e no nível da complexidade do Brasil. O movimento gradual de importações embargando nossa cadeia produtiva, e compreendendo cada vez mais produtos prontos, nos deixa muito vulneráveis do ponto de vista estratégico. Dependemos de quem domina tanto a tecnologia quanto as fontes propriamente ditas. Dependemos de fabricantes estrangeiros cujas políticas divergem da nossa, o que pode afetar grandemente a disponibilidade dos produtos. Todos os segmentos do agronegócio estão fortemente dependentes de importações, e nesse sentido são setores deficitários”.
A equação do fortalecimento da cadeia produtiva comporta variáveis que a iniciativa privada, isoladamente, não tem condições de controlar. Por isso, Edson Lima acredita que “o ressurgimento de um parque químico nacional não ocorrerá sem incentivos do governo, a exemplo do que tem sido oferecido a outros setores estratégicos, como as telecomunicações, para o qual se estuda a isenção de IPI, PIS e Cofins”.
POLÍTICA INDUSTRIAL E ESCALA COMPETITIVA
Um país que decide fortalecer sua indústria e transforma essa decisão em ações concretas – por exemplo, usando o poder de compra do Estado em favor do produto nacional e aplicando o princípio da isonomia para correção de disparidades cambiais, tributárias e outras em suas operações de comércio exterior – obtém como resultado uma indústria produzindo em maior escala, e portanto mais competitiva. Mas o Brasil ainda está na contramão desse processo, em que pesem as iniciativas dos últimos governos tendo em vista redirecionar a economia para uma rota de desenvolvi- mento sustentável.
O diretor da Cristália lembra que, a partir da década de 90, o Brasil passou por um processo de desindustrialização muito acentuado no setor químico. “Além da expressiva redução do parque instalado, houve também uma perda da capacidade técnica e de gestão, visto que os profissionais migraram para outros mercados. Consequentemente, deixamos de formar a próxima geração de gestores. Neste mesmo período alguns países asiáticos emergiram como grandes fornecedores de insumos químicos de base, e também de produtos mais especializados, como intermediários avançados de síntese e produtos farmoquímicos. Esses países ocuparam um espaço no mercado nacional que será difícil de disputar, tendo em vista os preços por eles praticados”.
A partir da aplicação efetiva de uma política de expansão industrial, forma-se um círculo virtuoso que torna imba- tíveis os setores e empresas contemplados. Edson Lima comenta que, “à medida em que os países asiáticos foram se firmando como principais fornecedores para os maiores mercados, eles tiveram que investir em capacidade produtiva. Neste cenário, a competição fica ainda mais difícil para a indústria brasileira, pois o custo de produção para atender ao mercado local enfrenta a questão da escala. Como os asiáticos produzem em escala muito maior, têm custos menores que o produtor brasileiro”.
Nicolau Lages também aponta a escala do empreendimento como um fator decisivo para sua viabilidade econômica. “Na cadeia de síntese, à medida que nos aproximamos dos extremos cresce a escala necessária para justificar a produção. Por exemplo, na fabricação de IFAs a escala precisa ser grande para viabilizar o investimento, pois além do fato de as exigências de Boas Práticas de Fabricação (BPF) onerarem o investimento e a produção, é um segmento que depende muito de mão de obra, perdendo apenas para o têxtil, o de calçados e o eletroeletrônico na relação entre número de empregos gerados e faturamento”.
A melhor configuração para um parque químico industrial farmacêutico, segundo o vice-presidente da Nortec, é a implantação de, pelo menos, uma ou duas empresas fabricantes dos intermediários básicos (primeiros intermediários produzidos a partir da nafta e de outras matérias-primas) e diversas produtoras dos intermediários mais avançados, que irão alimentar as farmoquímicas e os fabricantes de defensivos agrícolas. “Visando à segurança estratégica noabastecimento, no controle das divisas e nas condições para o aumento da competitividade, deve-se buscar um alto grau de integração dentro do país”.
O conceito de parceria produtiva tem sido frequentemente apontado como uma alternativa para a indústria brasileira superar barreiras relacionadas à economia de escala. Na opinião do diretor da Cristália a parceria, seja público-privada ou de outra natureza, tem se mostrado uma fonte de oportunidades para as empresas nacionais. “Há ainda muito espaço a ser ocupado por meio de parcerias, mas o mais importante é provê-las com sustentação jurídica, criando marcos regulatórios, sanitários e ambientais que estimulem a produção local de insumos estratégicos”.
Telma Salles compartilha essa percepção e entende que “as parcerias para o desenvolvimento produtivo concebidas pelo governo federal em caráter pioneiro há cerca de três anos constituíram uma excelente iniciativa, que foi apoiada e ampliada pelo ministro Padilha a despeito da inexistência de um claro marco regulatório que torne mais efetiva a sua implantação. A falta de regras claras tem dificultado a implantação dessas parcerias, já que sua efetivação depende muito de interpretações e vontades pessoais de agentes do poder executivo. Quanto às parcerias produtivas entre em- presas privadas, elas evoluem sem constrangimentos, com a agilidade típica das ações nessa área”.
O presidente do IVB, igualmente, enxerga nas parcerias uma solução para melhorar o acesso a mercados. “Em um mercado globalizado e competitivo como o atual, o acesso parece ser fator determinante da força econômica das empresas. As PPPs oferecem uma boa relação entre custo e benefício, promovem melhorias de infraestrutura e garantem modelos operacionais flexíveis, adaptáveis a uma ampla gama de projetos. Toda essa capacidade estimula os setores inovadores, que são os grandes responsáveis pelo melhor posicionamento das empresas no mercado global”.
De acordo com Pedro Palmeira, ainda que existam algumas dúvidas sobre a segurança jurídica da constituição de parcerias público-privadas, “este é um instrumento que deveria ser reforçado e ampliado. Mas sempre com uma cuidadosa escolha dos produtos alvos dessas parcerias, bem como uma cuidadosa e criteriosa escolha dos parceiros – o que, até o momento, na nossa visão, vem sendo realizado”.
O chefe do Defarma/BNDES pondera, entretanto, que as parcerias não deveriam ser o único mecanismo de incentivo à indústria farmacêutica local e aos investimentos em inovação tecnológica. “Outras ações, como a utilização inteligente e eficaz do poder de compra do Estado e encomendas tecnológicas feitas diretamente a empresas privadas, possibilitariam de fato que os meios privados pudessem realizar investimentos de maior risco em produtos de interesse estratégico do Sistema Único de Saúde”.
O BNDES entende que, na questão do acesso a mercados, o primeiro desafio é tornar o mercado interno acessível à indústria fármaco-farmacêutica nacional. “O Brasil é um país com mais de 100 milhões de pessoas incluídas num sistema de saúde que tem perseguido o desafio da univer- salização. Esse objetivo traz uma vulnerabilidade intrínseca, porque hoje grande parte dos produtos farmacêuticos e IFAs é produzida fora do país, o que nos coloca à mercê das intempéries e dos maus humores do mercado mundial”, comenta Pedro Palmeira.
De fato, se a indústria local tiver amplo acesso ao cobiçado mercado brasileiro de produtos para a saúde, sua escala de produção aumentará, causando impacto positivo na com- petitividade, e com isso outros mercados se tornarão mais acessíveis. Mas é justamente nesse ponto que o governo tem se mostrado hesitante. “A questão aqui é a insegurança quanto ao futuro”, explicita Peter Andersen. “Hoje, temos um governo que, em certo aspecto, apoia. Mas apoia com os mecanismos tímidos que conhecemos. A evolução é lenta e precisaria ser acelerada. Temos o câmbio desfavorável à produção local e uma estrutura tributária cruel. Acho que falta garantia de ambiente de negócio no setor industrial brasileiro. Hoje, pretende-se atrair o industrial que uma ge- ração atrás foi arruinado. Mas que garantias ele tem de que não enfrentará o mesmo problema adiante?”.
O vice-presidente da Nortec explica que as dificuldades de fortalecimento da base da cadeia produtiva também estão relacionadas a essa incerteza. “Precisamos desenvolver no país alguns segmentos de síntese química da cadeia produtiva farmacêutica, e não identifico nenhum problema relacionado à falta de infraestrutura. Já temos uma pujante indústria farmacêutica e um respeitável parque petroquímico, além de suficiente conhecimento científico, tecnológico e gerencial. Falta uma política industrial confiável e dura- doura para incentivar e criar as condições necessárias ao aumento da competitividade dos produtos fabricados no País, pelo menos no mercado interno. Nenhum empresário fará investimentos no setor produtivo se não tiver um razoável grau de certeza de que vai conseguir vender seus produtos no mercado”.
A incerteza decorre, portanto, menos de uma ação governamental contrária à indústria nacional do que da aplicação não isonômica de processos burocráticos, notadamente na área de registro/fiscalização sanitária e na comparação de preços em licitações públicas. Enquanto outros países fogem ao tratamento isonômico para favorecer suas próprias indústrias, o Brasil ainda faz, em muitos casos, exatamente o contrário: favorece o produto importado em detrimento do nacional. Segundo Edson Lima, “os produtores locais têm todas as suas linhas de produção inspecionadas anualmente, ao passo que somente aqueles 20 IFAs listados na RDC 57/2009 são objeto de inspeção extrazona. Para consolidar uma isonomia regulatória é necessário ampliar a lista de IFAs que demandam registro no país”.
No setor de agroquímicos, os obstáculos regulatórios são ainda maiores, na medida em que o registro depende da aprovação de três ministérios – Saúde, Agricultura e Meio Ambiente. Luis Henrique Rahmeier conta que, ao investir em uma fábrica, uma empresa pode ter que esperar três ou quatro anos para iniciar suas operações, até que o registro do produto seja aprovado. “Nesse contexto, faz mais sentido comprar o produto pronto e acabado de uma fábrica já instalada noutro país do que investir na fábrica”.
O diretor da Nufarm explica que, por haver grande dificuldade de comunicação e de uniformização de dados entre os órgãos envol- vidos, “o processo é realmente improdutivo, e isto num setor economicamente estratégico. Produtos importantes para o agricultor nacional estão em uma situação de praticamente monopólio ou de restrição de mercado; estão na mesma fila de outros produtos disponíveis em abundância ou menos relevantes para a agricultura. Não existe uma gestão que, por exemplo, em função da ocorrência de uma praga que precise ser combatida com urgência em culturas importantes para o agronegócio, determine que a aprovação do registro de certo produto seja priorizada”.
INCERTEZA INIBE A INOVAÇÃO
Falta de profissionais qualificados e afinados com o ambiente empresarial, escassez de empresas de base tecnológica, dificuldades de integração entre empreendimentos em escala laboratorial e a indústria – estes são alguns dos obs- táculos à intensificação da inovação tecnológica nos setores farmacêutico e agroquímico nacionais.
Nicolau Lages lamenta que não haja no Brasil de hoje muitas empresas fazendo pesquisa e desenvolvimento em síntese química. “Por mais capacitadas que sejam as empresas existentes, falta ao País, no momento, massa crítica. Do lado da biotecnologia o problema ainda é maior, por conta da escassez de empresas operando nessa área. Temos bons laboratórios de pesquisa nas universidades e instituições tecnológicas, que poderão fazer pesquisas e desenvolvimento de processos de fabricação em escala de laboratório. Entretanto, somente as empresas estarão habilitadas a fazer o dimensionamento para a escala comercial, porque esse trabalho, que requer a experiência do engenheiro químico, já faz parte do dia a dia das empresas”.
Na mesma linha de pensamento, Telma Salles afirma que o Brasil já dispõe de capacitação em pesquisa tecnológica básica, embora ainda haja espaço para diversificação e ampliação. “Mas o maior problema reside na migração de processos da escala laboratorial para a industrial em con- dições de atender o mercado consumidor. Trata-se de um longo e complexo caminho que, no caso de medicamentos, passa pelos testes clínicos em suas diversas etapas, área em que o Brasil é muito carente.Temos que criar e desenvolver institutos dedicados à execução de ensaios clínicos que sejam habilitados a realizar tais atividades no país, em prazos adequados à realidade de um mercado internacional extremamente competitivo”.
Esse quadro de desarticulação entre instituições de pesquisa e indústria atenta contra a eficácia das políticas de fomento à inovação. “Temos, no máximo, ilhas de competência no Brasil para desenvolver certos farmoquímicos, mas os problemas estruturais comprometem fortemente a capacitação”, afirma Peter Andersen. Entre essas ilhas de competência destaca-se, segundo Edson Lima, a capacidade brasileira de produzir células recombinantes e realizar análises genéticas. “Esta se encontra bem servida, graças ao grande apoio que as agências financiadoras deram à formação de bioquímicos e biólogos moleculares por décadas e, mais recentemente, aos diferentes projetos genoma executados tanto em nível nacional como regional”.
O diretor da Cristália comenta que nas áreas de fermentação, tecnologias de purificação e caracterização de biofármacos existem menos profissionais no mercado e este é um dos fatores limitantes para o crescimento da área. “Temos também grandes deficiências no país para execução de testes pré-clínicos dentro das normas da Anvisa, seja por falta de número adequado de profissionais qualificados, inexistência de animais com padrão de qualidade exigido, ou pela falta de infraestrutura laboratorial certificada para os testes”. Segundo Lima, o Ministério da Saúde identificou essa fragilidade e tem procurado mapear as capacidades/competências, bem como as deficiências dos laboratórios públicos e privados da área, no intuito de apoiá-los para que possam prestar serviços de qualidade ao setor industrial.
Para a consolidação de um próspero parque bioindustrial farmacêutico no Brasil, o diretor da Cristália considera importante, além da manutenção da política de produção local dos princípios ativos viabilizada pelas PPPs, a continuidade do apoio às atividades de pesquisa nas empresas por meio de Editais de Subvenção Econômica à Inovação (Finep/MCT) e Funtec (Fundo Tecnológico/BNDES).
Os entraves colocados pela legislação brasileira de acesso às matérias primas da biodiversidade constituem uma dificuldade adicional para as empresas inovadoras. Edson Lima está convicto da “necessidade de se instituir um novo marco regulatório sobre Acesso ao Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional Associado, principalmente no que se refere à repartição de benefícios. As futuras modificações na legislação precisam considerar os impactos no estímulo à pesquisa com a biodiversidade brasileira”.
Antônio Werneck também chama atenção para a importân- cia desse problema e afirma que a demora na obtenção de autorizações atinge diretamente os cientistas e trava o processo de inovação das indústrias. “Acreditamos na real necessidade de ações para evitar a biopirataria e em medidas que assegurem o controle tanto do material genético acessado quanto do conhecimento tradicional, e que possam também auxiliar na desburocratização do sistema. Entendemos, no entanto, que o pesquisador brasileiro não pode ser impedido de exercer atividades geradoras de benefícios para a saúde pública e a própria proteção da biodiversidade brasileira”. O presidente do IVB acrescenta que o País precisa de uma norma específica de Boas Práticas de Fabricação e Controle de Qualidade para medicamentos fitoterápicos, bem como a adequação dos requisitos para realização de ensaios clínicos, “já que os fitoterápicos apresentam particularidades distintas dos medicamentos sintéticos, devido à complexidade de seus constituintes químicos”.
No setor agroquímico nacional, o ambiente tem sido desfavorável à inovação tecnológica. Luis Henrique Rahmeier lembra que, mesmo no caso de produtos genéricos, embora a legislação determine que sejam exatamente iguais aos respectivos produtos de referência, os pedidos de registro ficam de três a quatro anos na fila. “Se uma empresa quer inovar ou propõe uma nova formulação, uma nova mistura de ativos que não está no mercado, no presente contexto ela é penalizada, pois não irá se beneficiar do registro por equivalência. Para registrar uma inovação, a empresa tem que gerar mais dados e irá demorar mais para obter a aprovação”.
“Vivemos uma situação contraditória”, acrescenta o diretor da Nufarm. “Por um lado, o governo oferece incentivos e recursos para inovação, mas por outro há uma fronha burocrática engessada, que não deixa o mercado ter a dinâmica que a inovação necessita. As empresas precisam de tempo e de fôlego para conseguir chegar ao produto inovador, mas acabam não aguentando a pressão dos obstáculos”.
O chefe do Defarma/BNDES entende o receio da indústria em investir mais fortemente em inovação e afirma que a solução para isso é “a utilização de mecanismos relacionados à demanda de produtos – poder de compra governamental, encomendas tecnológicas e, de certa forma, o trabalho que as próprias PPPs já vêm realizando. Se o Governo, de forma coordenada, for capaz de mitigar determinados riscos de demanda, acreditamos que essa capacitação tecnológica possa se acelerar dentro das empresas e o país passe a vivenciar, de fato, o salto tão desejado em direção à inovação”. Na opinião do diretor de Relações Institucionais da Cris- tália, Odilon Costa, quase tudo o que a indústria farmacêutica nacional necessita para deslanchar já está prescrito no Plano Brasil Maior. “A saúde ganhou centralidade na agenda do governo. Nós devemos pinçar do Plano o que nos interessa – em termos de Custo Brasil, competitividade e Parceria Público-Privada com segurança jurídica – chamando a atenção de todas as esferas de governo e da socie- dade para o fato de que, se o Plano chama-se Brasil Maior, é porque alguma coisa de ‘menor’ existe: os gargalos que freiam o nosso desenvolvimento. Já se fez uma Índia Maior, uma China Maior e uma Coreia Maior. Agora é a vez do Brasil Maior, sem a pequenez da insegurança jurídica, da carga tributária excessiva refletida no Custo Brasil; sem a pequenez da falta de insumos intermediários; sem a pequenez da ‘bioadversidade’ e suas limitações”.

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