Sem eufemismos
Convidado para um seminário organizado pelo Think Tank Minds e pela Fundação Ford no Rio de Janeiro, o economista e professor Giovanni Dosi, da Escola de Estudos Avançados de Sant’Anna (Pisa, Itália), recomendou que o Brasil lute contra pressões econômicas de oligopólios estrangeiros usando as mesmas armas – ou seja, criando oligopólios domésticos. Ao contrário dos desenvolvimentistas acanhados, que usam eufemismos na hora de propor estratégias competitivas, Dosi pregou abertamente o protecionismo e os subsídios como medidas legítimas para um país preservar sua indústria e desenvolver tecnologia própria.
Realmente, é importante favorecer a fusão ou alguma forma de coligação entre empresas nacionais que atuam em áreas de tecnologia de ponta – biotecnologia, por exemplo – para lhes proporcionar competitividade internacional. Na área farmacêutica, o BNDES já vem acenando com ofertas de financiamento de operações desse tipo, mas falta clareza da parte de outras agências governamentais nas áreas de comércio exterior, regulação e financiamento à inovação visando acelerar esse processo. Não se trata exatamente de proteção, mas de uma política compensatória para fazer frente à enorme desigualdade de mercado num contexto de real apreciado em relação ao yuan e ao dólar, o que não permite competição leal, especialmente contra importações subsidiadas na origem.
Cada um por si
A China passou da defensiva à ofensiva contra o Brasil no debate internacional sobre dumping de preços. Indústrias chinesas estão acusando fabricantes brasileiros de colocar celulose no seu mercado a preços inferiores aos praticados no Brasil, e pedem ao governo uma tarifa punitiva. Em editorial, a Folha sugere uma conexão entre essa acusação e o recente aumento do IPI brasileiro sobre carros importados, que atingiu várias montadoras chinesas, embora nenhum dos dois governos tenha mencionado a hipótese de retaliação. “Seja como for, é evidente que o episódio se inscreve num quadro de acirramento do protecionismo”, conclui o jornal.
O editorial toca, de fato, num ponto nevrálgico do comércio internacional. A China, valendo-se de uma moeda extremamente desvalorizada e manipulada pelo governo, bem como de uma política industrial doméstica fortemente subsidiada e precária em direitos trabalhistas e em cuidados com o meio ambiente, tem atuado como um implacável predador das indústrias de países que não se protegem comercialmente de forma adequada. Em tempos de crise no primeiro mundo, a avidez chinesa na conquista de mercados se volta para economias com mercados internos pujantes, como a brasileira. É não apenas justo, mas necessário, que o Brasil se defenda.
Jogo duro
A disputa comercial entre Brasil e China ganhou visibilidade na cúpula do G-20 reunida em novembro, quando os dois países divergiram em todos os assuntos – do câmbio às regras trabalhistas, e até mesmo no debate sobre modelos de crescimento econômico. Enquanto a presidente Dilma Rousseff justificava com argumentos sociais a nova orientação da política comercial brasileira, mais defensiva, o presidente chinês Hu Jintao vociferava contra o “protecionismo dos parceiros”.
O Brasil brilhou nos debates sobre trabalho, propondo a adesão do G-20 aos parâmetros de proteção social da OIT. A presidente brasileira reiterou que o Brasil tem experiências bem sucedidas de enfrentar crises com inclusão social e geração de empregos. Mas os asiáticos reagiram, nesse aspecto, como capitalistas selvagens: China e Índia obtiveram garantias de que o compromisso de acesso mínimo à saúde, seguro-desemprego e aposentadoria não sejam convertidos em cláusula social nas negociações multilaterais; e que, nas questões trabalhistas, se leve em conta “circunstâncias e sensibilidades políticas, econômicas e institucionais de cada país”, eufemismo para justificar suas antissociais práticas domésticas.
Prova de coragem
A cobertura da cúpula do G-20 publicada pelo Valor recaiu no velho hábito da grande mídia tupiniquim de depreciar atitudes de defesa comercial do Brasil nos fóruns mundiais e valorizar o discurso dos adversários. Nesta reportagem, o jornal alardeou que “o Brasil está isolado na defesa do protecionismo comercial no G-20”, sendo “o único do grupo que se recusa a manter um compromisso, assumido no ano passado, de resistir a todas as formas de protecionismo que causem mais danos à economia mundial”. E pior: deu voz a um anônimo “diplomata estrangeiro conhecedor do país”, segundo o qual “o Brasil agora chutou o pau da barraca e está perdendo credibilidade”.
O Brasil não está se isolando no âmbito do G-20, mas sim inovando em matéria de política de comércio exterior. Hoje nossa diplomacia toma a ofensiva e propõe iniciativas ousadas para reduzir assimetrias no cenário internacional, o que certamente incomoda aqueles que querem enriquecer à custa do nosso mercado. Em vez de perder credibilidade, o Brasil está ganhando respeito.
Firme no leme
A Medida Provisória nº 540, aprovada na Câmara dos Deputados, que traz incentivos à indústria e desonera a produção local, estabelece novas regras para comprovação da real origem de um produto exportado para o Brasil e multas para importadores envolvidos em operações de triangulação. Com base nessa MP, a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e a Receita Federal poderão investigar a origem dos produtos no processo de concessão de licença de importação e na aduana. Quando a origem declarada não for comprovada, o importador deverá devolver os produtos, pagará multa diária de R$ 5 mil até a devolução e de 30% sobre o valor aduaneiro da mercadoria.
Essa medida demonstra o interesse do atual governo em retomar o processo de industrialização do País. Finalmente, parece que o Poder Executivo decidiu colocar os diversos ministérios trabalhando afinados, com foco em políticas públicas voltadas para o interesse nacional.
Sem tempo a perder
O ministro da Saúde Alexandre Padilha é apresentado nessa matéria como um gestor audacioso, pragmático, que não se abate com a indefinição do orçamento de sua área e consegue transmitir uma imagem de empreendedorismo anunciando medidas simples e eficazes. Consciente da importância do poder de compra do sistema de saúde pública e da dimensão econômica e social do Sistema Único de Saúde (SUS), Padilha aposta na implantação de novas parcerias público-privadas, visando dar preferência à contratação da fabricação no País de produtos e equipamentos prioritários para o SUS. Ao mesmo tempo em que promove a indústria nacional, impõe às empresas uma redução nos preços e exige garantias de fornecimento no longo prazo. É isto que se espera de um ministro verdadeiramente comprometido com a saúde pública.
Falsa derrota
A ousada proposta do Brasil de incluir na pauta da OMC uma discussão sobre o impacto do desalinhamento cambial no comércio internacional foi rechaçada, como já se esperava, por todos os países economicamente fortes – incluindo a China, que hoje é a principal adversária dessa tese e defende uma radical separação entre as funções da OMC e do FMI. No entanto, apesar da taxativa recusa à negociação de regras para as relações entre câmbio e comércio, a diplomacia brasileira obteve uma pequena vitória ao fazer aprovar na OMC um documento que admite a existência de problemas nessa área e determina a realização de um seminário sobre o tema, que poderá ter lugar no Rio de Janeiro.
É de fundamental importância que o uso da política cambial como instrumento de comércio seja posto em debate nos fóruns internacionais. Pois é desse diferencial, aliado às más práticas na área trabalhista e de meio ambiente, que se vale a China para ser o motor industrial do mundo. O Brasil cada vez mais se afirma como liderança de respeito nesse tema, daí por que sua palavra cria esperanças.
Poder de compra
A produção nacional de medicamentos biotecnológicos mais eficazes e seguros para tratamento do câncer, doenças inflamatórias e infecciosas vai receber um grande incentivo nos próximos três anos. O Ministério da Saúde pôs àdisposição da indústria farmacêutica R$ 1,5 bilhão a fundo perdido e o BNDES abriu linha de financiamento de R$ 3 bilhões para impulsionar esse segmento. Na apresentação do programa, o ministro Padilha lembrou que o poder de compra doMinistério da Saúde gira em torno de R$ 10 bilhões por ano, o que representa um grande atrativo para as empresas.
A iniciativa é louvável. As empresas nacionais devem se articular visando à constituição de uma ou duas grandes empresas para atuar competitivamente nesta e noutras áreas do mercado global. A atuação da Anvisa nesse contexto, com seu marco regulatório de primeiro mundo, certamente irá garantir segurança e eficácia para os investimentos nacionais nessa área.