O complexo industrial da química fina tem uma posição singular nas economias de Países industrializados como o Brasil. Por incluir a base de uma ampla gama de cadeias produtivas, fabricando insumos de alto conteúdo tecnológico e alto valor agregado, tem um caráter estratégico para a sustentabilidade da indústria como um todo. A cadeia farmacêutica fornece produtos de primeira necessidade e tem relação direta com os gastos públicos do Sistema Único de Saúde e o acesso da população aos medicamentos. O setor agroquímico responde por alguns dos principais insumos para a agricultura brasileira, garantindo-lhe produtividade e rentabilidade, e assim contribuindo para o superávit da balança comercial brasileira. Catalisadores e aditivos são produtos indispensáveis para diversas indústrias, desde a petroquímica até os cosméticos de última geração.
O Brasil terá muito a ganhar adotando políticas integradas de apoio à produção local nesse Complexo Industrial da Química Fina. Estamos avançando, mas ainda em baixa velocidade frente aos desafios da economia nacional e global. Nos setores fármaco-farmacêutico e agroquímico, os produtos fabricados no País são submetidos a uma severa regulação estatal regras para o registro sanitário de produtos que em boa parte não atinge aos produtos importados, e ainda não contam com os indispensáveis estímulos à fabricação nacional como na preferência nas compras públicas aos produtos fabricados no País. Assim não é favorecida a indústria doméstica e, especialmente nos segmentos intermediários dessas cadeias produtivas, em realidade há um favorecimento à importação de produtos similares. Na área de catalisadores, falta se ajustarem os mecanismos de apoio à inovação tecnológica de forma que o setor produtivo possa utilizá-los de acordo com as necessidades dos processos de desenvolvimento de tecnologias, sem sujeitá-los aos prazos definidos em editais dos órgãos de fomento tecnológico. O resultado da falta de flexibilidade nos programas do governo federal na implantação de políticas de incentivo à inovação e à produção local nesses segmentos estratégicos, combinado com a extraordinária expansão do mercado interno brasileiro, tem sido o crescimento acelerado do déficit comercial do Complexo Industrial da Química Fina, que em 2010 chegou a quase US$ 8 bilhões.
A cadeia farmacêutica: Apostando no CEIS
A política que orienta a atual recuperação e fortalecimento da cadeia produtiva de medicamentos no Brasil, consubstanciada no chamado Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS), embora tenha propiciado significativos avanços, ainda sofre descompassos no seu processo de implantação. Para o presidente do laboratório Cristália, Ogari Pacheco, o mais importante é que esse programa seja continuado e estável.”Somente a continuidade, uma ação consistente, coordenada e que não sofra mudanças periódicas de direção pode levar o País a outro patamar de conhecimento e tecnologia”. O que falta, em sua opinião, é uma maior atenção ao mercado privado e medidas efetivas para acelerar os processos na área regulatória. Para Jean Peter, presidente da ABIFINA, também presidente da Globe Química, os problemas na área regulatória vão além da lentidão burocrática. O regulatório foi feito de tal maneira que há muito pouco incentivo para que uma indústria privada farmacêutica nacional compre de uma farmoquímica brasileira. Ele acrescenta que a lei do genérico criou condições que não motivam a indústria farmacêutica a comprar insumos da indústria nacional.
“Além das questões macroeconômicas, que nós todos conhecemos, precisamos realmente de uma isonomia regulatória de produtos importados protegendo o produto nacional, e uma fiscalização efetiva das importações relativa aos padrões regulatórios”.
Peter e Nicolau Lages, diretor da Nortec Química, concordam na avaliação dos obstáculos que ainda retardam a concretização do CEIS. No plano regulatório, apontam a demora na adoção pela Anvisa dos instrumentos que equilibrem a competição de fármacos nacionais com importados. Por exemplo, a lista de produtos farmoquímicos com registro obrigatório nessa agência sanitária – que é um dos principais instrumentos para garantir a isonomia na comparação de qualidade entre produtos nacionais e importados, em 2011 não recebeu nenhum acréscimo. No plano executivo, mesmo elogiando a ação do Ministério da Saúde, eles manifestam apreensão com o ritmo de implantação das Parcerias Público-Privadas (PPPs). “Elas precisam entrar na etapa de execução. A minha expectativa é de que no ano que vem comece a haver alguns resultados práticos. Espero também que haja um esforço maior para atrair como parceiras as farmoquímicas e mais farmacêuticas nacionais, pois hoje poucas estão envolvidas nesse processo”, afirma Jean Peter.
O Plano Brasil Maior, embora não tenha contemplado especificamente a área da saúde, é saudado pelo setor como mais uma iniciativa no sentido de reverter o processo de desindustrialização da economia brasileira. “É uma intenção deliberada de o brasileiro reestruturar o seu pensamento com relação às políticas relativas ao desenvolvimento da indústria de um modo geral”, afirma Jean Peter. “O mais importante é o reconhecimento de que o principal fator de crescimento econômico é o mercado”, acrescenta Ogari Pacheco. Ele considera improvável que das medidas macroeconômicas previstas no Plano não surjam reflexos positivos para o setor farmoquímico e de medicamentos. “Elas têm desdobramentos importantes. Em primeiro lugar, para a indústria farmacêutica brasileira para este segmento fica na faixa de 33% a 35%. Na China, ela não passa de 22%, e com a compensação do prêmio para exportação fica abaixo dos 14%. Só aí já temos mais 20% de diferença pesando contra a competitividade dos produtos fabricados no Brasil, independentemente de questões ligadas à produtividade, tecnologia ou trabalho”.
A lei nº 12.349, que dá preferência para os produtos nacionais, segundo o diretor da Nortec será insuficiente para alavancar a competitividade da indústria. “Ela estipulou que a margem de preferência a ser dada ao produto fabricado no País poderá ser de até 25% acima do valor do produto importado. Isso é muito bom, mas a conta não fecha. Se observarmos os números, veremos que, pelo fator cambial e tributário, essa perda é muito maior do que 25%. Se não quisermos usar o nosso mercado para criar empregos na Ásia, em detrimento da criação de empregos no Brasil, temos que adotar outras medidas de proteção industrial”.
A cadeia agroquímica: Dependência aumenta
Mercado em expansão e agravamento da dependência externa em insumos estratégicos. Este é o cenário atual do setor agroquímico brasileiro, especialmente no segmento de defensivos agrícolas. A posição do Brasil como grande exportador mundial de commodities agrícolas não parece ameaçada, mas a falta de uma política regulatória que incentive a produção local e a inovação em agroquímicos está pressionando perigosamente os custos, e por extensão a rentabilidade do agronegócio nacional.
Segundo Jurandir Paccini Neto, presidente da Ourofino Agrociência, o mercado brasileiro de defensivos agrícolas deve crescer neste ano de 10% a 12% em relação ao ano passado. “Isto se deve fundamentalmente ao crescimento da agricultura e ao maior uso de tecnologia no Brasil. O setor passa por um momento bastante positivo, impulsionado pelo crescimento da agricultura e pela busca do agricultor por uma maior produtividade”. Luis Henrique Rahmeier, diretor de Desenvolvimento e Registro da Nufarm, acrescenta que o mercado agroquímico no Brasil deve atingir neste ano US$ 8,2 bilhões de faturamento. “Trata-se do maior faturamento do mundo em termos de País, o que não quer dizer que o Brasil seja o maior consumidor de agroquímicos do mundo. Em termos de consumo de agroquímico por hectare plantado, devemos estar em 6º ou 7º lugar, atrás de Países como Japão, França e outros que usam agroquímicos mais intensivamente, porém com área plantada muito menor que a do Brasil. O nosso País é o maior mercado de agroquímicos do mundo porque tem uma área plantada muito grande”.
Segundo Rahmeier, há um consenso no setor quanto às deficiências do sistema regulatório. “Ele não tem a dinâmica e a modernidade necessárias para atender a demanda”. Paccini concorda com essa avaliação e afirma que “a principal medida seria o Governo cumprir o principal papel que lhe cabe, de fazer as devidas análises e dar o seu parecer, de aprovação ou deferimento. Mas esse período para análise, concessão ou reprovação de um registro de defensivos tem ficado cada vez mais longo, fora de qualquer tipo de previsão que se possa fazer. É algo completamente inseguro. A empresa faz um investimento muito grande no desenvolvimento de um produto sem saber quando o Governo vai sequer analisar aquele pleito de registro”.
Mesmo empresas que, como a Nufarm, trabalham com produtos por equivalência, isto é, que têm suas patentes em domínio público, esbarram na lentidão crônica dos trâmites burocráticos, que, no caso dos agroquímicos, envolvem, além da Anvisa, órgãos regulatórios da agricultura e do meio ambiente. Uma possível solução para esse problema, na opinião de Rahmeier, seria que um único órgão concentrasse e coordenasse o processo de concessão de registros de agroquímicos no País. “Além disso, as atualizações pós-registro, que compreendem extensões de uso, adequações e novos modelos de aplicação, são muito demoradas. A maneira de se fazer o trabalho documental precisa ser reformulada urgentemente. Muitas vezes enfrentamos demoras de um ou dois anos simplesmente pelo trâmite dentro dos órgãos, sem que haja, tecnicamente, nenhuma alteração no produto”.
Enquanto isso, um elo fundamental da cadeia produtiva local de agroquímicos vaise enfraquecendo. Segundo o presidente da Ourofino, o Brasil hoje é completamente dependente da produção de matéria-prima de outros Países, sobretudo na China. “Estamos vivendo uma escassez da produção de ingredientes ativos, os preços subiram e esse aumento de preço vai inevitavelmente chegar ao agricultor. Pode haver nesta próxima safra um desabastecimento de alguns produtos essenciais para a agricultura. Na China, várias fábricas estão sendo fechadas por problemas regulatórios na área de alimentos, e isto num momento em que a demanda mundial por defensivos agrícolas é crescente. Então, o papel fundamental do Governo seria capitanear um processo para apoiar o desenvolvimento desses produtos no Brasil”. Para o diretor da Nufarm, a formulação de uma política industrial para o setor de agroquímicos “deveria ser uma questão estratégica para o Governo, porque o setor agroquímico gera, na ponta, uma receita de R$ 215 a R$ 220 bilhões em produtos do agronegócio”.
Um fato que, embora positivo, mascara o problema do aumento da dependência e parece retardar uma tomada de consciência por parte do governo, é a aparente imunidade do agronegócio brasileiro aos efeitos da crise mundial. “A agricultura tem sido pouco afetada, pelo menos até o momento “, admite Paccini. O que temos pela frente é uma perspectiva de preços de commodities agrícolas talvez não tão bons como nos últimos dois anos, mas de qualquer forma preços acima das médias históricas, o que vai fazer com que novamente tenhamos um ano forte em termos de agricultura no Brasil. As expectativas com relação aos principais cultivos no Brasil são positivas e nós devemos ter mais um ano de aumento de produção”.
Rahmeier confirma essas previsões. “Temos uma estimativa internacional de que a demanda por alimentos continuará alta. Os estoques reguladores não estão folgados. Todas as projeções da FAO, do Banco Mundial e da própria ONU indicam que os preços das commodities vão continuar pressionados para cima e que a necessidade de produtos do Brasil será mantida em níveis elevados. Isto significa que o produtor vai continuar sendo bem remunerado, investindo em tecnologia, e que o Brasil vai continuar sendo um dos grandes celeiros mundiais”.