REVISTA FACTO
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Out-Dez 2011 • ANO V • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Inovar é fundamental

Altamente especializado e sujeito a profundas transformações tecnológicas, o segmento de catalisadores é pequeno como negócio, porém tem enorme importância estratégica não só para o Complexo Industrial da Química Fina como também para inúmeras outras cadeias produtivas industriais. Essencialmente, catalisadores aceleram as reações químicas e são determinantes da economicidade dos processos químicos usados pela indústria.

A Oxiteno iniciou sua produção de catalisadores na década de 1980, especializando- se na chamada “linha de geração de hidrogênio” e também na regeneração de catalisadores de refino. O fator decisivo para sua entrada nesse segmento foi a dependência externa no fornecimento do catalisador para a conversão de eteno em óxido de eteno. “Na época, vivíamos em uma economia fechada e a dificuldade de importação era muito grande, podendo representar riscos à continuidade de nossa produção”, explica o diretor industrial da empresa, Flávio Cavalcanti. “A atividade se desenvolveu através de importantes investimentos em infraestrutura e na formação de pessoal, culminando com a construção de uma Unidade de Produção de Catalisadores”

O segmento de catalisadores da Oxiteno está focado basicamente em três processos: catalisadores para produção de hidrogênio, anticorredores para redução de enxofre, tratamento de gás natural e regeneração, que consiste na recuperação de catalisadores usados em condições de voltar a ter um desempenho comparável ao de um catalisador novo. Boa parte da estrutura de produção de catalisadores é usada pela Oxiteno para a pesquisa de produtos com melhor performance e menor custo de produção, o que leva à otimização dos processos, e também para a pesquisa de novas matérias primas.

Os principais entraves à pesquisa em catálise, segundo Cavalcanti, estão no mercado de pequena escala e nos altos custos fixos e de capital no Brasil. “A atividade de desenvolvimento em catálise é de alto risco, demanda um investimento constante e de razoável valor monetário para formação e manutenção de profissionais qualificados e de equipamentos e instrumentos sofisticados. Sem um mercado interno de grande volume, e com uma política econômica que tem valorizado o real, não temos custos competitivos para exportar e, mesmo no mercado interno, não conseguimos rentabilizar os investimentos realizados, muito menos ampliá-los”.

As políticas governamentais de apoio à inovação tecnológica não são suficientes para contrabalançar os obstáculos. O diretor da Oxiteno pondera que, embora a Lei do Bem tenha sido fundamental para incentivar a colaboração das universidades e centros de pesquisa tecnológica com as empresas, ela criou impasses que atrasam e, às vezes, desestimulam os empreendimentos conjuntos. “A burocracia jurídica dos convênios e as discussões sobre propriedade intelectual e exploração comercial das possíveis tecnologias geradas são exemplos de dificuldades nas parcerias”.

Por outro lado, como a inovação contínua é um imperativo nesse segmento, a Oxiteno segue investindo de 2 a 3% do seu faturamento em P&D e faz questão de cultivar a cooperação com instituições de pesquisa. É sócia-fundadora do Nucat (Núcleo de Catálise da Coppe/UFRJ), tem contrato com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron/ABTLus, que também lhe dá suporte em técnicas de caracterização, e tem projetos em conjunto com universidades de todo o Brasil, especificamente em catálise.

Na visão da gerente de Desenvolvimento de Catalisadores da Oxiteno, Valéria Vicentini, em que pesem as inadequações das políticas de inovação, tem havido algum progresso no diálogo com o Governo. “Houve vários momentos em que nós participamos junto aos órgãos de fomento, sugerindo linhas de pesquisa que pudessem atender ao mesmo tempo às necessidades da indústria e da universidade. Durante certo período havia muito incentivo, mas excessivamente focado em pesquisa fundamental. Um dos grandes problemas era que, apesar de se conseguir muita coisa nova, poucas descobertas viravam realidade. Era preciso estender as pesquisas a uma escala de demonstração, que tem riscos, além de custo muito mais elevado, e os órgãos de fomento à pesquisa não apoiaram a ideia. Mas recentemente o BNDES criou um fundo tecnológico, o Funtec, que preenche essa lacuna. São recursos que, alocados à instituição parceira na etapa da pesquisa fundamental, contemplam o alto risco do investimento em inovação. O Governo está atento a essa necessidade e as coisas estão acontecendo. Poderia ser um pouco mais rápido, mas a gente vê que a opinião da indústria nessa linha passou a ter eco”, afirma Vicentini.

A Umicore, empresa de origem alemã instalada no Brasil há vinte anos, tem uma fábrica produzindo catalisadores automotivos e outra, mais nova, especializada em precursores para catalisadores. Atualmente a empresa está investindo cerca de R$ 30 milhões na modernização da planta de precursores, que trabalha exclusivamente com dissoluções em metais preciosos utilizados tanto na produção de catalisadores automotivos quanto de catalisadores heterogêneos ou homogêneos, estes destinados à indústria química.

O objetivo desse investimento, segundo Antônio Carlos Aidar, diretor da área de Produtos Químicos de Metais Preciosos da empresa, é “aumentar a capacidade de produção em cerca de 50%, preparando-se para um eventual aumento de demanda no mercado, além de deixar mais sólida a estrutura de preparação dos precursores”. A perspectiva é que novas tecnologias hoje geradas fora do País “sejam de alguma maneira transferidas para o Brasil, principalmente na área farmacêutica”.

A Umicore não mantém parcerias com universidades ou centros de pesquisa bra- sileiros, mas, segundo Aidar, a partir de 2007 instituiu internamente um canal de comunicação com instituições dessa área. “Estamos mais na fase de contatos. De qualquer maneira, somos muito ativos junto à comunidade tecnológica, participamos de todos os congressos brasileiros de catálise e nossa intenção é abrir mais o leque para que os produtos que hoje são desenvolvidos e produzidos na Alemanha possam um dia chegar ao Brasil, seja na forma de venda ou, a médio e longo prazo, de produção”.

A Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC), empresa que tem como sócios a Petrobras e a Albermale Corporation, dedica-se fundamentalmente ao segmento de catalisadores para refino de petróleo. No momento a empresa está se preparando para atender à demanda do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, que irá processar novos tipos de petróleo e adotar processos mais severos de craqueamento.

“Por ser um complexo focado na área petroquímica, o Comperj irá aumentar o consumo de catalisadores de diversos processos hoje utilizados no Brasil, o que abre uma janela de oportunidades para novos processos petroquímicos. Provavelmente será a primeira refinaria da Petrobras a operar um HCC (Hidrocraqueamento Catalítico), com catalisadores específicos para esta aplicação. Poderá contar, ainda, com um FCC (Craqueamento Catalítico Fluido) petroquímico, que exigirá um catalisador muito específico para o qual já temos a tecnologia. E mais: no futuro teremos condições de atender à demanda de catalisadores para hidrotratamento e hidroconversão do Comperj”, comemora Rodrigo Pinto, diretor da FCC.

A mais nova frente tecnológica aberta pela empresa tem como objetivo a produção de catalisadores de hidroprocessamento, etapa necessária e crítica para a produção de combustíveis limpos no Brasil. “A partir do aumento do preço internacional das terras raras, substâncias utilizadas para a produção do catalisador de craqueamento catalítico, estamos investindo, em parceria com o Cenpes/Petrobras e a Albemarle, no desenvolvimento de uma fonte alternativa para a produção de óxidos de terras raras” – informa o diretor da FCC. “Essa nova planta permitirá à FCC também criar novas plataformas de catalisadores formatados, por exemplo para water-shift, Fisher-Tropsch e biocombustíveis”.

O desenvolvimento dessas inovações tem sido facilitado pela parceria da FCC com instituições de pesquisa na área de catálise, sob forma de cessão de amostras para estudos (catalisadores e/ou produtos intermediários) para diversas universidades brasileiras e estrangeiras; e de um estreito relacionamento com o Cenpes, da Petrobras. Além disso a empresa tem participação ativa no Parque Tecnológico de Santa Cruz (Procat), que agrega o Cenpes, a UFRJ, a Firjan, o Sesi e o Sebrae.

Rodrigo Pinto destaca, por outro lado, “dificuldades na produção científica em processos industriais de catálise, incluindo as operações unitárias de transformações. Teses e dissertações aplicadas diretamente aos negócios da FCC não podem ser publicadas, em função da necessidade de sigilo industrial. Perde a indústria, por não ter a chance de melhoria do status científico de seus profissionais, e perde também a academia, pela falta de acesso a processos e tecnologias que estão no estado da arte industrial. Acreditamos que o desenvolvimento de uma via que resguarde o sigilo técnico das empresas é algo a ser trabalhado e que trará benefícios à sociedade”.

A catálise, incluindo seus novos desdobramentos a partir do advento da biotecnologia, além de ter uma ampla gama de aplicações industriais, configura um campo extremamente rico para os centros de pesquisa universitários e tecnológicos, daí porque a construção de parcerias se torna um caminho desejável. Segundo a professora da UFRJ e especialista sênior do INPI Adelaide Antunes, “a partir da década de 1990, com a abertura comercial, várias unidades petroquímicas e químicas desativaram suas unidades de pesquisa e desenvolvimento e também aquelas associadas às universidades. Mais adiante algumas parcerias foram restabelecidas na área dos polímeros, pois esta foi a área que, por características próprias, desenvolveu grades diferentes e pôde sobreviver neste período conturbado”.

Com a recente implementação de políticas de apoio à inovação tecnológica, no segmento de catalisadores a integração universidade-empresa tem sido formalizada principalmente para biocombustíveis de segunda e terceira geração, no caso do etanol, e para biodiesel, segundo Antunes. “Observa-se também a integração em projetos para química verde, a exemplo do polipropileno de propeno verde, assim como em projetos de remediação com foco ambiental”.

Como entraves à criação de parcerias na pesquisa em catálise, a professora cita “a descontinuidade e a falta de vontade política de estimular a produção de catalisadores no Brasil. Dois casos marcantes merecem ser citados. O primeiro é o da Fábrica Carioca de Catalisadores, cuja decisão foi de cunho estratégico, e não econômico, devido à Guerra das Malvinas em 1982, que pôs em risco o abastecimento das refinarias da Argentina com catalisadores de craqueamento catalítico. O outro caso que merece reflexão foi o desenvolvimento in house de catalisadores para processos alcoolquímicos pela Oxiteno, motivado pelo Programa Nacional do Álcool em 1975.”

Outro entrave, segundo Antunes, é a falta de produtores de enzimas no País, o que representa uma fragilidade da cadeia química e uma ameaça ao desenvolvimento da biotecnologia nacional, na medida em que as enzimas são biocatalisadores por excelência. A carência de produtores no País repercute de forma direta e negativa em diversos setores dependentes de catalisadores, como as indústrias de alimentos e bebidas, álcool combustível, têxtil, papel e celulose, couro, detergentes, óleos e gorduras, fármacos quirais, agentes terapêuticos diversos e tecnologias ambientais.

Essa preocupação é compartilhada pelas pesquisadoras Elba Bon, professora titular de Bioquímica da UFRJ, Maria Antonieta Ferrara, do Instituto de Tecnologia em Fármacos Fármacos da Fiocruz, e Viridiana Leitão, chefe do Laboratório de Biocatálise do Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCTI). Segundo elas, “o pequeno número de empresas produtoras de enzimas no País contribui para aumentar os custos e dificultar o acesso a esses produtos”.

A tecnologia enzimática tem relevância internacional crescente, nas universidades e na indústria. Esse interesse, na opinião de Bon, Ferrara e Leitão, “é motivado pela necessidade do desenvolvimento auto-sustentável, que pressupõe o uso de matérias primas renováveis por processos que gerem produtos de qualidade com tecnologias limpas”.

O Fórum Nacional de Biotecnologia elegeu o estudo e a pesquisa em enzimas como uma prioridade, gerando como desdobramentos, entre outros, a chamada pública MCT/Finep Subvenção Econômica à Inovação 01-2006, voltada para desenvolvimentos nessa área, e o decreto presidencial nº 6.041/2007, que, ao instituir a Política de Desenvolvimento da Biotecnologia, incluiu a pesquisa de enzimas industriais e especiais entre seus objetivos específicos. Em sequência, a Finep e o BNDES lançaram nos últimos anos alguns editais para o financiamento de projetos industriais envolvendo a tecnologia enzimática.

As pesquisadoras da UFRJ, Fiocruz e INT entendem que “o setor de química fina apresenta um grande potencial para o uso de enzimas. Os chamados processos de bioconversão oferecem vantagens técnicas, econômicas e ambientais em comparação com os processos convencionais de síntese química, tais como a formação de produtos com químio, régio e enantiosseletividade (menor formação de subprodutos), uso de condições brandas de reação e baixo consumo de energia. Sua aplicação industrial vem adquirindo importância crescente, espe- cialmente quando voltada para a produção de fármacos e intermediários quirais”.

Existe a expectativa, também, de que o Brasil possa vir a produzir mais etanol a partir de biomassa, através da produção de açúcares fermentáveis oriundos da hidrólise enzimática de celulose e hemicelulose. Segundo as pesquisadoras, “o mundo todo está participando desta corrida tecnológica e o Brasil, nesse cenário, desempenha um papel importantíssimo, desenvolvendo pesquisas de altíssima qualidade. Além do progresso das pesquisas, o bagaço e a palha de cana-de-açúcar são biomassas muito promissoras. Em 2011, o governo brasileiro lançou o edital PAISS , através do BNDES e da Finep, para financiamento de projetos nesta área, promovendo uma maior interação entre o setor produtivo e as universidades e centros de pesquisa”.

Bon, Ferrara e Leitão lembram, ainda, que enzimas têm aplicações terapêuticas – anticoagulantes, antileucêmicos e para reposição de enzimas metabólicas, entre outras – e em análises clínicas, compondo kits diagnósticos. Elas assinalam que as chamadas enzimas especiais, caracterizadas pelo alto grau de pureza e, em decorrência, alto custo, são ainda predominantemente importadas.

“Deve-se destacar que o desenvolvimento da tecnologia enzimática tem no Brasil importância singular, devido a sua disponibilidade única de recursos renováveis em quantidade e variedade e à necessidade vital da preservação ambiental e da qualidade da água. No entanto, o uso de enzimas industriais no País é ainda pequeno. Estima-se que o mercado mundial de biocatalisadores seja superior a US$ 5 bilhões, enquanto o mercado externo brasileiro está em torno de US$ 350 milhões (dados de 2010), prevalecendo as importações (87,5%). Estes dados indicam a desvantagem tecnológica e estratégica do Brasil em termos de produção e uso de biocatalisadores”, concluem as pesquisadoras.

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