REVISTA FACTO
...
Abr-Jun 2011 • ANO V • ISSN 2623-1177
2024
75 74
2023
73 72 71
2022
70 69 68
2021
67 66 65
2020
64 63 62
2019
61 60 59
2018
58 57 56 55
2017
54 53 52 51
2016
50 49 48 47
2015
46 45 44 43
2014
42 41 40 39
2013
38 37 36 35
2012
34 33 32
2011
31 30 29 28
2010
27 26 25 24 23
2009
22 21 20 19 18 17
2008
16 15 14 13 12 11
2007
10 9 8 7 6 5
2006
4 3 2 1 217 216 215 214
2005
213 212 211
//Artigo

Reforma tributária Uma tarefa para "ontem"

Já é consenso entre os analistas econômicos que a atual política macroeconômica gera desindustrialização no Brasil. Eles discordam apenas no grau de gravidade atribuído ao problema e nos prognósticos que ele permite fazer. O economista Mauro Arruda destaca-se entre aqueles que vislumbram um alto risco para o país em função da persistência desse cenário. Ele defende que “é necessário impedir o real de se valorizar demais, a ponto de prejudicar a indústria nacional, como está ocorrendo hoje. O problema é que, do jeito como as coisas estão, não dá mais para falar em metas de câmbio sem discutir, ao mesmo tempo, taxa de juros, elevação dos preços das commodities, aumento dos preços dos serviços etc.”

Arruda não acredita, entretanto, em nenhuma ação eficaz no curto prazo envolvendo juros. “Com o diferencial de taxa de juros do Brasil em relação à de outros países, é possível segurar o câmbio? Talvez, se fossem adotadas políticas mais radicais, como a aplicação de quarentena para recursos que entrassem no país para aplicação em títulos de renda fixa e variável – ou seja, capital especulativo. Mas, medidas como esta e outras parecem estar fora de cogitação, pelo menos é o que se deduz das discussões em curso entre nossos economistas. Por certo, a quarentena não agrada ao setor financeiro, aqui e alhures”, lamenta.

O que mais preocupa o economista, nas discussões atuais, são “as velhas propostas para diminuir a inflação”. Ele entende que o problema tem várias frentes, “E em relação a algumas delas nada podemos fazer – com base, apenas, na subida da taxa básica de juros. No que isso ajudará a segurar, por exemplo, a subida dos preços das commodities, que são internacionais?”

O fato é que a desindustrialização avança e o país necessita, urgentemente, de medidas para reverter esse processo. Segundo Arruda, “quem está a jusante, no topo da cadeia, ganha muito – a Vale, por exemplo; enquanto quem está a montante, a indústria propriamente dita, tem margens ínfimas, o que significa que não há como competir”. Arruda entende que a contenção desse processo de fragilização de cadeias produtivas demanda medidas nas áreas comercial e tributária. “Combater dumping, estabelecer cotas, aplicar normas técnicas, taxar as exportações de commodities e com os ganhos dessa taxação diminuir os impostos (IPI, entre outros), no mesmo valor, para as empresas localizadas a montante das cadeias produtivas que têm os produtores de commodities no topo.”

O exemplo da indústria farmoquímica é emblemático. Em que pese o apoio prestado pelo Ministério da Saúde nos últimos anos, sob forma de parcerias público-privadas, as empresas desse setor lutam com dificuldade para sobreviver à conjugação perversa de câmbio apreciado e alta carga tributária. “O impacto da soma desses dois fatores onera em mais de 60% os preços dos nossos produtos, quando comparados com o produto importado”, afirma Nicolau Lages, diretor da Nortec Química.

A redução da carga tributária sobre o produto fabricado no país seria importante para sustentar a política de desenvolvimento produtivo no segmento farmoquímico, mas, segundo Lages, é preciso reduzir tributos que incidem sobre todo o processo de fabricação e venda. “Não basta fazer o que vem sendo feito desde 2004, ou seja, reduzir somente os tributos que recaem nas operações de venda e exportação, pois a carga tributária sobre os insumos e a mão de obra é muito alta.”

Os números confirmam. Na fabricação de um fármaco que demande importação de insumo, com isenção de ICMS e alíquota zero para PIS e Cofins, a carga tributária que recai somente sobre o custo variável chega a 10% do custo variável final. Se não houver redução de ICMS, PIS e Cofins na importação desse insumo, a carga tributária chega a mais de 26%. Os encargos sociais são da ordem de 38% do custo total da mão de obra. A carga tributária sobre a venda, representada principalmente pelo ICMS, atinge, em média, após a compensação (conta-corrente) do que foi pago nas aquisições das matérias-primas, cerca de 9% sobre o preço de venda do produto acabado. “Tudo isso é muito oneroso quando comparado com a situação das empresas na China e noutros países asiáticos”, ressalta o diretor da Nortec.

Os efeitos perversos da supertributação não poupam nenhum dos segmentos da química fina. A Fábrica Carioca de Catalisadores, por exemplo, por ser a única fabricante de catalisadores para refino de petróleo em toda a América Latina, deveria ter uma vantagem competitiva regional, já que seus competidores estão todos nos EUA e na Europa. Entretanto, segundo seu diretor Rodrigo Pinto, “Como nossos custos são todos em reais e incluem uma carga tributária muito maior do que a suportada por nossos concorrentes internacionais, estamos em desvantagem para competir em nossa própria região. Isto sem contar os custos tarifários indiretos, que fazem com que transportar uma tonelada de catalisador do Rio de Janeiro para a Argentina, por exemplo, saia mais caro do que levar a mesma tonelada de qualquer porto dos EUA para lá”.

Não faltam sinais de alerta mostrando que a capacidade de absorção de impostos pela indústria está passando do limite. “Indiscutivelmente, a alta carga tributária, apesar dos incentivos existentes para exportação, ainda é o maior gravame para a competitividade internacional de nossas indústrias”, comenta Peter Andersen, presidente da empresa de fitoterápicos Centroflora. “Os altos encargos sobre folha de pagamento e aduaneiros, conjugados com o alto custo gerado pela burocracia do sistema, também dificultam nossa competitividade. Acelerar o reconhecimento e a devolução de créditos tributários seria uma relevante medida para contrabalançar esses obstáculos, bem como desburocratizar o recém-criado mecanismo de drawback verde-amarelo.”

Guerra fiscal: com a palavra, o Congresso

A “guerra fiscal” entre estados, que favorece importações em meio a um franco processo de desindustrialização da economia brasileira, ressuscitou no Congresso Nacional o debate sobre a reforma tributária. Cautelosamente, o governo federal instaura no Legislativo uma primeira discussão sobre o tema, propondo a redução do ICMS cobrado sobre alimentos, remédios, combustíveis, energia e telecomunicações. Mudando a tática das últimas duas décadas, desta vez o governo optou por uma proposta pontual, e não ampla, apresentando-a ao Senado, e não à Câmara.

As distorções da política tributária fornecem, sem dúvida, lenha para a fogueira da desindustrialização. Mas o economista, ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto se mostra cético quanto à viabilidade, hoje, de grandes mudanças nessa área. “Em minha opinião não existem condições políticas para uma ampla reforma tributária. Os interesses são muitos e conflitantes entre as várias esferas de governo. Ninguém quer perder receita e nem o poder de tributar, por menor que seja. No passado tentou-se algo nesse sentido sem nenhum resultado. É necessário, antes da reforma, incorporar a ideia de que somos, de fato, uma federação.”

A confortável maioria parlamentar do governo Dilma Rousseff, na opinião do ex-deputado, não ajuda muito nesse tema. “A dificuldade de aprovar uma mudança dessa envergadura não se restringe somente ao parlamento federal. Ela está em todos os níveis do poder público. Corre-se o risco de perder o cacife numa discussão interminável em prejuízo de outras prioridades”, pondera Delfim.

Nem mesmo a existência no Congresso de uma Proposta de Emenda à Constituição elaborada pelo governo, contemplando soluções para resgatar o espírito federativo na esfera tributária, representa, aos olhos de Delfim Netto, uma solução de longo alcance para as distorções tributárias. “A PEC 233/2008 tem várias virtudes: simplificaria o sistema tributário, o IVA federal desoneraria as exportações, e o ICMS no destino, além da desoneração das exportações, eliminaria a guerra fiscal, o que seria muito bom. Deixaria ainda em aberto outras questões também relevantes, como a regressividade atual, em que as pessoas de menor renda pagam relativamente mais impostos”, comenta.

A PEC 233/08 propõe alterações em vários dispositivos constitucionais para fazer ajustes na estrutura tributária. A principal mudança seria a substituição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos estados, por um novo imposto com regra nacional, e a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de caráter federal. O novo ICMS previsto na PEC seria cobrado no estado de destino das mercadorias, o que, de acordo com o governo, inviabilizaria a chamada “guerra fiscal” entre os estados.

Para Delfim Netto, o que parece viável no momento são alterações bem específicas. “Não é reformar toda a estrutura da tributação, mas melhorar o seu funcionamento em pontos importantes.” A título de contribuição para reverter o processo de desindustrialização, e também para promover maior justiça fiscal, o ex-deputado acredita ser factível a ampliação da tributação direta sobre a renda e o patrimônio, com simultânea redução dos impostos indiretos. Em sua opinião, isto “evitaria a sobrecarga sobre o processo produtivo”. Por outro lado, “alteraria preços absolutos e preços relativos, cujos efeitos têm que ser examinados com cuidado. No Brasil, creio que a transição teria que ser gradual e cuidadosa. Requer um sistema econômico mais bem organizado, com grau menor de informalidade, que permita construir uma base mais ampla de tributação. É preciso avaliar detalhadamente a produtividade de um sistema tributário baseado na predominância de impostos diretos”, esclarece Delfim.

O fato é que a guerra fiscal está comprometendo severamente a integridade de cadeias produtivas importantes, como a farmacêutica. Segundo Nicolau Lages, da Nortec, “A maneira como os produtos importados estão entrando no Brasil, se não for contida, será o golpe de misericórdia na indústria farmoquímica nacional. Indústrias farmacêuticas de São Paulo, por exemplo, estão importando seus insumos pelos estados de Goiás, Pernambuco e Espírito Santo, gozando dos incentivos que esses estados oferecem com reduções e créditos de tributos nos processos de internação das mercadorias. Um produto adquirido de acordo com esse procedimento poderá chegar ao importador por até 30% menos do que se fosse importado pelo estado de destino. No fundo, isto é um gol contra a Política de Desenvolvimento Produtivo”, protesta o empresário.

Uma das medidas em discussão é a Resolução do Senado nº 72, que elimina os incentivos fiscais de ICMS concedidos por vários estados às importações. Profundamente envolvido no assunto, o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, afirma que esse expediente é “um absurdo, mais um instrumento de concorrência desleal aos produtos nacionais”. A CNI ingressou no Supremo Tribunal Federal com Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra os incentivos aos produtos importados concedidos pelos governos de Santa Catarina, Paraná, Goiás e Pernambuco. Em recente audiência pública convocada pela Comissão de Assuntos Econômicos, a entidade propôs que, em vez de zero, como estabelece o projeto da Resolução nº 72, a alíquota do ICMS seja de 4% e não se limite a produtos importados, abrangendo todas as operações interestaduais. Para Braga, isto equivale à “retomada da reforma tributária, embora fatiada, em partes”. Ele destaca que o Ministério da Fazenda também apresentou sugestão, na audiência pública, para a unificação do ICMS nas operações interestaduais e já tem um esboço da reforma tributária fatiada, que passa por mudanças no PIS/Cofins, no Simples Nacional e pela desoneração da folha de pagamento.

Inovação: quem se arrisca?

No rastro do diagnóstico da desindustrialização da economia brasileira, outro consenso se formou entre os analistas econômicos: o de que as empresas nacionais inovam pouco em comparação com seus concorrentes no mercado internacional. Para o diretor da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica, Roberto Nicolsky, a raiz desse problema está nas políticas públicas, que menosprezam questões relativas a custo, benefício e risco elementares para a sobrevivência de qualquer empresa.

“Em verdade, nenhum empresário investe recursos que lhe são escassos com a intenção de dissipá-los”, assinala Nicolsky. “O empresário se pauta pelo que poderíamos chamar de racionalidade econômica. Ou seja, ele fará o que estiver ao seu alcance de capital, competência e risco tolerável para buscar o lucro possível dentro dessas condições de contorno. Fazer discursos e chamamentos à cidadania é um esforço inócuo, sem qualquer efeito sistêmico.”

O diretor da Protec considera uma falácia dizer que os empresários da indústria não investem em inovação. “Ora, se qualquer pessoa observar uma gôndola de supermercado, a vitrine de uma sapataria ou uma loja de utensílios domésticos, e for capaz de lembrar como eram os produtos há dez anos, constatará que tudo é diferente, ou seja, todos os produtos foram inovados.” O que ocorre, em sua opinião, é que o desenvolvimento de inovações não se sustenta de forma contínua por demandar “capital de giro, que tem custo elevado para a empresa; acumulação de competência, que é fruto dessa continuidade; e por gerar risco tecnológico, pois nem todas as inovações são bem-sucedidas”.

Em face da escassez de capital e de competência acumulada, como também “por um natural receio de correr o risco necessário, o empresário opta por agregar apenas as inovações que os seus concorrentes já incorporaram para defender a sua parcela de mercado. É a prática da inovação defensiva, aplicada por todos os produtores, em geral com algum atraso devido às dificuldades apontadas”. Para buscar inovações que a concorrência ainda não incorporou, tornando-se um agente da competitividade, Nicolsky afirma que o empresário precisa investir mais fatores que lhe são escassos e assumir mais riscos. “Ora, nesse momento ele avalia que o maior beneficiário de tal posicionamento proativo não será a sua empresa, mas sim o Estado, que irá arrecadar algo em torno de 37% a cada agregação de faturamento derivada de inovações. Além disso, ele terá de pagar fornecedores, mão de obra, previdência e os ativos, cabendo-lhe a menor parcela, isto é, o lucro, presumido pelo Imposto de Renda na faixa de 8%.”

O diretor da Protec lembra que foi a constatação dessa realidade que levou governos de países em desenvolvimento como Coreia, China e Índia a compartilhar o capital necessário e o risco do desenvolvimento das inovações que asseguram a competitividade das suas indústrias. “De resto, essa prática já era exercida por todos os países da OCDE que geram tecnologia, e está consagrada no artigo 8º do acordo que originou a Organização Mundial do Comércio (OMC), permitindo-a até o limite modesto de 75% de todo o investimento em pesquisa e desenvolvimento, inclusive em ativos fixos destinados à geração de inovações tecnológicas.”

No Brasil, o compartilhamento de investimento e risco no desenvolvimento de inovações só foi introduzido há pouco tempo, pela Lei de Inovação, em seu artigo 19, com o nome de subvenção econômica. Na opinião de Nicolsky, o uso desse instrumento, contudo, tem sido insatisfatório. “Os recursos destinados à subvenção têm se limitado, em média, a apenas 14% dos recursos do FNDCT obtidos das empresas com a finalidade de promover o desenvolvimento tecnológico. Esta prática é uma verdadeira aberração, pois, em vez de compartilhar investimentos e riscos, submete o setor produtivo a uma contribuição compulsória não tributária ao caixa da Receita Federal e ao financiamento da pesquisa acadêmica, fato absolutamente inédito no mundo.”

A drenagem de recursos das empresas sem contrapartida em estímulos efetivos tem funcionado, na prática, como uma barreira à inovação continuada no setor produtivo. “Com recursos reduzidos e sem compartilhamento de investimento e risco, não se pode esperar que os empresários, em sua racionalidade econômica, deem resposta sistêmica ao apelo da inovação competitiva”, conclui o diretor da Protec.

Burocracia e regulação: as barreiras de sempre

Submetidas a uma política macroeconômica adversa e desestimuladas em seu ímpeto inovador, indústrias nacionais de média-alta tecnologia como a da química fina não param de perder competitividade frente aos produtos importados. Como se isso não bastasse, o excesso de burocracia e a lentidão do sistema regulatório, no cômputo geral, também acabam favorecendo as importações.

No segmento agroquímico, segundo Luis Henrique Rahmeier, diretor de Desenvolvimento e Registro da Nufarm, a burocracia é particularmente árdua no registro de produtos. “A burocracia governamental não é exclusividade do setor agroquímico. Todos os segmentos da economia sofrem com o seu peso e sua morosidade. Recentemente foi divulgado um ranking da burocracia mundial onde o Brasil aparece na 129a posição quanto à quantidade, clareza e eficiência de seus processos burocráticos, atrás de países como Nicarágua (117a) e Suazilândia (115a), e bem atrás do México (51a), cuja economia é comparável à brasileira. Porém, no caso da indústria agroquímica o problema da burocracia se potencializa ainda mais, pois além de toda a carga burocrática geral – leis trabalhistas, tributárias e licenças federais, estaduais e municipais dos mais diversos órgãos – comum a todos os segmentos da economia, o produto agroquímico é fortemente regulado; e esse marco regulatório é tão moroso e engessado que não acompanha a evolução tecnológica e a dinâmica do agronegócio, deixando muitas áreas de limbo legal e incertezas nos prazos e critérios de avaliação. Consequentemente, isso produz grande insegurança para novos investimentos produtivos.”

Rahmeier observa que a carga burocrática/regulatória atual agrega muito mais custos e reduz de forma mais drástica a competitividade daqueles que se dispõem a investir na produção local em relação aos que importam produtos prontos. “A avaliação para a aprovação e registro de um produto agroquímico é um processo complexo por si só, mas, além disso, a burocracia pós-registro torna toda e qualquer modificação, por mais simples que seja, um processo incerto, custoso e demorado.”

Para ilustrar o alcance do problema, o diretor da Nufarm conta que “a mudança de local de uma planta de formulação leva dois anos para ser aprovada, embora não implique alteração alguma no produto ou processo produtivo; e o processo de aprovação dos estudos para investimento em uma nova planta de fabricação de princípio ativo leva mais de dois anos, sendo a maior parte desse tempo apenas na fila de avaliação”.

Em vista disso, conclui Rahmeier, os recursos das empresas deslocam-se do investimento produtivo para o investimento em registro de produtos. “No lugar de construir uma fábrica no país, passa a ser mais vantajoso licenciar fabricantes e formuladores no exterior.” E no lugar de desenvolver inovações, pelo visto é também mais vantajoso trazê-las de fora. “Por que investir em inovação (misturas, tipos de formulação etc.) ou desenvolver novos usos quando a prioridade dos órgãos reguladores é justamente registrar formulações e usos exatamente iguais aos dos produtos já existentes?”, questiona o diretor da Nufarm.

No segmento de agroquímicos a burocracia tem funcionado como uma barreira assimétrica, mais rigorosa para a indústria local do que para os importadores. “Se por um lado é claro o desejo do governo de estimular o desenvolvimento do setor produtivo, por outro lado a máquina burocrática governamental age decisivamente para que isto não aconteça”, lamenta Rahmeier. “O sistema atual leva as empresas a investir e produzir fora do Brasil, explorando o mercado brasileiro apenas na sua dimensão de mercado consumidor.”

O segmento farmoquímico também sofre com o peso da burocracia. “Certamente o maior problema decorrente da burocracia é a lentidão”, afirma Nicolau Lages, da Nortec. “O tempo gasto entre a promessa, o ato jurídico e a obtenção dos seus resultados práticos leva meses ou até anos. Podemos citar como exemplos a Lei do Bem e a Lei da Inovação, que levaram respectivamente sete meses e dez meses para serem regulamentadas. As alterações na Lei no 8.666 (Lei das Licitações), necessárias para que o Estado possa exercer o seu poder de compra nos segmentos priorizados pela política industrial, foram preconizadas antes de 2004 e só foram concretizadas em dezembro de 2010, pela Lei no 12.349.”

A instrumentalização do poder de compra do Estado em benefício da indústria nacional, ainda que de forma tímida e limitada, tem sido decisiva para a manutenção da vitalidade do segmento farmoquímico. Segundo Nicolau Lages, esse mecanismo “permite que as empresas invistam em pesquisa para desenvolver e aprimorar os processos de fabricação dos produtos. O fornecimento continuado incentiva que as empresas façam inovações nos seus processos, alcançando rendimentos melhores e, consequentemente, preços menores”.

Lages lembra que essa boa fase da indústria nacional de fármacos se deve ao bem montado modelo das parcerias público-privadas objeto da Portaria no 978 de 2008 (atual Portaria no 1.284 de 2010), que envolve quatro partes: a empresa farmoquímica brasileira, o laboratório privado, o laboratório público e o Ministério da Saúde. “O importante é que todas as partes ganham com a parceria, e ganha também a população, porque se amplia o acesso aos medicamentos a preços mais baixos, assim como a garantia desse acesso. Isto porque a tecnologia do fármaco é repassada para a empresa farmoquímica brasileira e a tecnologia da formulação para o laboratório oficial, viabilizando, rapidamente, a fabricação do medicamento no país.”

O diretor da Nortec entende que o impulso dado por esse modelo de parceria “deve agora ser canalizado para o aumento da capacidade produtiva da indústria e da sua competitividade no mercado interno, o que permitirá, de imediato, substituir importações e, num segundo momento, exportar, contribuindo para a redução do déficit da balança comercial e a geração de empregos no país”.

As barreiras regulatórias na área fármaco-farmacêutica, consubstanciadas principalmente na falta de isonomia entre o produto nacional e o importado, foram atenuadas com a regulamentação pela Anvisa, em 2010, da importação de insumos farmacêuticos ativos. Mas, segundo Peter Andersen, da Centroflora, “ainda não temos ciência da aplicabilidade e dos controles deste regulamento”. O empresário sugere, como medida de incentivo à produção local, que a agência reguladora proceda à avaliação de estudos para viabilizar a inclusão de novas espécies no regime de registro simplificado, “já que grande parte dos produtos fitoterápicos do mercado nacional se beneficia desse tipo de registro”.

Uma barreira burocrática quase inexpugnável enfrentada pelo segmento de fitoterápicos se refere ao acesso a material genético, potencial fonte de inovações no setor. “O atual marco legal não estimula o acesso”, lamenta Andersen. “Ao contrário, ele cria dificuldades, impedimentos e insegurança, aumenta custos e impõe grande morosidade a esses processos, incompatível com a lógica do desenvolvimento de novos produtos. É indiscutível a relevância, para um país megadiverso como o Brasil, de se regular o acesso aos recursos genéticos. Entretanto, o sistema vigente tem trazido insegurança jurídica e dificultado as pesquisas. É fundamental que nosso marco legal seja inteligente o suficiente para atrair investimentos para o desenvolvimento de produtos oriundos da biodiversidade brasileira. Tenho a convicção de que a conservação de nossas florestas e o desenvolvimento local passam pela agregação de valor à nossa biodiversidade, e o acesso aos recursos genéticos é a mola propulsora de todo este processo.”

Fora dos segmentos submetidos ao sistema de regulação e vigilância sanitária, também há dificuldades de ordem burocrática. Rodrigo Pinto, da FCC, aponta a existência de barreiras na área da inovação. “No nosso caso o efeito da burocracia é mais evidente no acesso a linhas de crédito especiais para inovação. As linhas existem e são de fato bem mais atrativas do que os financiamentos normais oferecidos pelo sistema financeiro. Porém, o acesso a elas é muito difícil e complexo. Além de termos que convencer os analistas de que uma planta de catalisadores de refino de petróleo sem similar no Brasil é de fato inovadora, ainda é necessário passar por uma série de etapas que são custosas para uma empresa de médio porte. Acho que deveria haver algum tipo de fast track para aprovação dessas linhas especiais de crédito no caso de investimentos em produtos ou processos ainda não existentes no Brasil.”

Agenda Legislativa: a CNI em ação

Para que os esforços empreendidos nos anos 1970 e 1980 em prol da industrialização do país não se percam em tempos de economia globalizada e de concorrência mundial predatória, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) organizou e atualiza há 16 anos a Agenda Legislativa da Indústria, que, segundo o presidente da entidade, “é o diálogo mais duradouro e transparente que um grupo da sociedade mantém com o Congresso Nacional”.

A Agenda lista projetos em exame no Congresso que interessam à indústria nacional interromper, bem como aqueles cuja tramitação, ao contrário, se deseja acelerar. Elaborada a partir de ampla discussão, como voltou a ocorrer este ano, com a participação de cerca de 280 representantes das 27 federações estaduais de indústria e de mais de 50 associações setoriais nacionais, na Agenda de 2011 foram analisados cerca de 400 projetos, que resultaram numa lista de 129. A partir desse universo é montada a chamada pauta mínima, reunindo as propostas que a indústria considera altamente prioritárias – ou seja, de grande impacto, positivo ou negativo, nos negócios. São 21 os projetos da pauta mínima deste ano, 11 dos quais tratam de redução de custos e oito abordam segurança jurídica. Segundo Robson Braga de Andrade, a Agenda Legislativa transcende o aspecto corporativo, na medida em que tem por objetivo maior estabelecer um ambiente legal que torne mais competitivas as empresas brasileiras.

“A indústria vive um momento crucial”, afirma o presidente da CNI. “Por um lado, enfrenta elevados custos tributários, logísticos, de infraestrutura, salariais, de energia e de crédito. São custos absolutamente incompatíveis com a realidade do mercado internacional e de uma economia globalizada, em que a concorrência é feroz. Por outro lado, tudo isso ocorre numa situação de valorização cambial. Ou seja: perdemos competitividade de todos os lados, o que significa perder mercados, interna e externamente. Daí a urgência de se votar projetos que ampliem a competitividade, removendo os obstáculos que representam alta de custos. Como mencionei no lançamento da Agenda Legislativa, em março último, o Congresso é o grande palco de debates sobre políticas públicas que impactam a atividade produtiva. Não há tempo a perder, portanto. Precisamos votar urgentemente projetos estruturantes, tais como, para citar somente dois exemplos, a adoção do cadastro positivo e a regulamentação do trabalho terceirizado.”

A desoneração dos investimentos produtivos, para Andrade, é “prioridade zero. O Brasil é talvez o único país do mundo que tributa investimento produtivo. Uma das 21 propostas que integram a pauta mínima é justamente o Projeto de Lei no 6.530/2009, que determina o crédito do IPI recolhido na compra de bens e insumos usados, direta ou indiretamente, na atividade produtiva. Substitui a sistemática de crédito físico, que se restringe aos insumos incorporados nas mercadorias vendidas, pelo conceito de crédito financeiro, que permite o aproveitamento contábil dos créditos referentes ao valor integral do IPI recolhido num determinado período, independentemente do fim a que se destina cada aquisição. Assim, promove uma efetiva desoneração dos investimentos e das exportações. Obviamente, o PL no 6.530/2009 tem nosso total apoio.”

Se o governo pretende estancar a sangria da desindustrialização sem alterações substanciais na política macroeconômica, a reforma tributária deve ser encarada como um projeto para “ontem”. Por que ainda estamos, neste assunto, praticamente na estaca zero? O diretor da Nortec expressa assim a sua perplexidade: “Há no Brasil uma resistência inexplicável por parte do governo à proteção do mercado interno. Os mecanismos existem, mas o governo reluta em usá-los, e os custos da omissão, expressos, por exemplo, na queda da arrecadação de tributos e no aumento do desemprego, vão ficando caros para o país.”

A indústria, a inovação e o desenvolvimento de um país
Anterior

A indústria, a inovação e o desenvolvimento de um país

Próxima

ABIFINA: 25 anos de história em prol do desenvolvimento nacional

ABIFINA: 25 anos de história em prol do desenvolvimento nacional