EUA buscam recuo do Brasil em MP que restringe licitações
Estadão,8/12/10
Tranca-ruas
Em entrevista à imprensa sobre as relações comerciais Brasil-Estados Unidos, o embaixador norte-americano Thomas Shannon manifestou da seguinte maneira sua contrariedade diante da recente Medida Provisória 495, baixada pelo governo brasileiro para proteger a produção nacional: “O setor privado sempre quer ruas abertas, e vamos trabalhar para abrir a rua como pudermos.” Shannon certamente pensa que ainda pode tratar o Brasil como uma “republiqueta”, uma nação de classe inferior. Cabe lembrar que os Estados Unidos mantêm em vigor desde 1933 o seu Buy American Act, que concede enormes vantagens fiscais para produtos nacionais nas compras públicas realizadas em todas as esferas de governo. Além disso, o Brasil não assinou o Acordo sobre Compras Governamentais firmado no âmbito da OMC. Ao contrário dos EUA, que assinaram e não cumpriram, alegando impedimento de sua legislação de comércio, o Brasil tem demonstrado coerência em suas relações no comércio multilateral: só assina os tratados que atendem aos interesses nacionais, e quando o faz incorpora seus dispositivos ao sistema jurídico, após submissão ao Congresso Nacional. Quem quer “ruas abertas” nos países parceiros deve, antes de mais nada, parar de trancar as suas.
Quem cuida da defesa comercial?
Estadão, 12/12/10
Receita rebelde
O ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, pôs o dedo numa ferida do Poder Executivo: a excessiva autonomia da Receita Federal na interpretação de diplomas legais. A pretexto de obedecer à MP 507, que instituiu sanções aos servidores públicos que violarem o sigilo fiscal de informações de contribuintes, a Receita vem se recusando a fornecer ao MDIC dados sobre empresas importadoras suspeitas de práticas desleais de comércio, paralisando mais de 70 processos de fiscalização antidumping respaldados nas normas da OMC. Embora os referidos dados estejam protegidos apenas por sigilo comercial, e não fiscal, a Procuradoria Geral da Fazenda está providenciando uma emenda à MP para destravar o fluxo de informações.
Desde os anos 1990, a Receita Federal, então vinculada a um poderoso e neoliberal Ministério da Economia, orientado pelo princípio de que a “melhor política industrial é não ter política industrial”, vem fazendo e desfazendo atos normativos sem ouvir os demais ministérios. A política industrial instituída pelo governo Lula em 2004 até hoje não recebe o indispensável apoio da Receita, e até mesmo o ministro da Fazenda tem dificuldade para conter a rebelde autonomia desse órgão. É de se esperar que uma presidente “gestora” como Dilma Rousseff ponha finalmente a máquina pública a serviço do interesse público e do desenvolvimento nacional.
Índia estuda limitar capital externo na sua indústria farmacêutica
Valor Econômico, 4/1/11
Setor sensível
Diante da onda de aquisições de empresas farmacêuticas indianas por grupos estrangeiros, o governo indiano estuda regulamentar essas operações. A indústria desse país, que se especializou na produção de genéricos baratos e de alta qualidade, possibilita ao governo gastar apenas 0,9% do PIB em saúde – um dos mais baixos percentuais do mundo. Os ministérios do Comércio e da Saúde, receosos de que as aquisições resultem mais adiante em chantagem comercial, e consequente dificuldade de acesso da população pobre aos remédios, estão avaliando se o governo deve classificar a indústria farmacêutica como um “setor sensível”, o que seria o primeiro passo para uma regulamentação específica. Nesse caso, empresas estrangeiras interessadas em controlar mais de 49% de um laboratório farmacêutico indiano terão de, antes de mais nada, obter aprovação do governo.
Os principais países emergentes como China, Índia e Brasil, já aprenderam que é indispensável tomar medidas políticas e econômicas para assegurar a soberania nacional em áreas estratégicas – saúde, alimentação e defesa, por exemplo. A China mantém controle total até excessivo sobre esses setores, a Índia fica num meio-termo e o Brasil ainda hesita na utilização de instrumentos para proteger sua produção interna.
Balança comercial fechou 2010 com saldo de US$20 bi
O Globo, 3/1/11
Desbalanceamento
A balança comercial brasileira fechou 2010 com um saldo positivo de US$ 20,3 bilhões, graças às exportações de commodities. As importações bateram recorde, com destaque para produtos agroquímicos, segmento em que o Brasil é altamente dependente de fornecimento externo. Na pauta de importados os produtos químicos marcam presença provocando um déficit crescente, assim como siderúrgicos e borracha, produtos que no passado pesavam mais do outro lado da balança. Com a persistência de condições macroeconômicas adversas – real apreciado e juros altos – a economia brasileira caminha a passos largos na trilha da desindustrialização. Dependente da exportação de commodities agrícolas e da importação de insumos indispensáveis para produzi-las – fertilizantes e defensivos – o Brasil corre o risco de, a qualquer momento, num espirro de Pequim, ver desmanchado o castelo de cartas de um sistema produtivo que não teve sua autonomia reforçada em setores estratégicos.
EUA reveem cálculo antidumping que prejudica o Brasil
Valor Econômico, 6/1/11
O que virá depois?
A imprensa noticiou que, por pressão de parceiros comerciais e da OMC, o Departamento de Comércio norte-americano estuda abrir mão da discutível prática de aferição de dumping conhecida como “zeroing” – um artifício estatístico que consiste em expurgar do cálculo importações com valor superior à cotação do produto no mercado doméstico, considerada “normal”, e que resulta em valores mais elevados para as tarifas antidumping. O reconhecimento da ilegitimidade dessa prática é que permitiu ao Brasil ganhar sua disputa mais recente na OMC contra os EUA, no contencioso do suco de laranja. Não poderia ser mais esclarecedora a explicação prestada por um alto funcionário da OMC sobre o aparente recuo do governo Obama. Ele afirma que os EUA já ganharam bastante tempo para que suas indústrias enfrentem a concorrência externa e agora estão reconhecendo o inconveniente de serem julgados sistemáticos violadores das regras multilaterais. É difícil acreditar na implantação pelos EUA de qualquer medida que implique efetivas restrições aos negócios dos seus poderosos produtores de sucos de laranja. Se o “zeroing” cair, é porque uma nova estratégia protecionista estará sendo gestada.
Uso em juízo da propriedade intelectual deve aumentar
DCI, 10/1/11
Tempo é dinheiro
Um grande escritório de advocacia especializado em marcas e patentes, conhecido por defender interesses de corporações multinacionais na Justiça brasileira, identificou a “tendência” de aumento dos contenciosos judiciais em torno do uso da propriedade intelectual nos próximos anos. Favorecidos pela morosidade da Justiça, detentores de patentes, notadamente na área farmacêutica, persistem na estratégia de obter prorrogações de seus monopólios após a extinção legal do privilégio. Confirma-se o velho provérbio: “tempo é dinheiro”. Embora a previsão do escritório seja um tanto óbvia, tendo em vista o tamanho e a pujança do mercado brasileiro, vale lembrar que o setor produtivo e a sociedade brasileira continuam perdendo com isso. Faz falta uma atuação mais firme por parte do Poder Executivo através do CADE e do GIPI (Grupo Interministerial da Propriedade Intelectual) em defesa dos interesses nacionais contra abusos de patentes, pois a Justiça, na medida de suas possibilidades, está agindo.
Tensão comercial entre Brasil e EUA cresce na OMC
Valor Econômico, 14/1/11
Câmbio em pauta
A guerra cambial começa a entrar em pauta na Organização Mundial do Comércio, ainda que informalmente. Em recente discussão em Genebra, o embaixador norte-americano na OMC acusou o Brasil de estar elevando suas barreiras tarifárias às importações, e recebeu imediatamente o troco do colega brasileiro: “O produto americano se beneficia muito mais da subvalorização do dólar do que o produto brasileiro da proteção tarifária adicional que foi estabelecida”, afirmou o embaixador Roberto Azevedo.
A falácia do “livre fluxo” da moeda como regulador natural de mercado caiu em descrédito em todos os países economicamente expressivos, com exceção do Brasil. A apreciação do real já passa de 30%, o que torna irrelevante qualquer discussão acerca de tarifas de importação da ordem de 15% ou 20%. Excluir do âmbito da OMC o tema da regulação do valor monetário no comércio interessa somente aos EUA, China e Índia, que não hesitam em lançar mão de controles internos para favorecer suas posições no mercado internacional.