Sai um presidente essencialmente político, dotado de uma forte intuição, para dar lugar a uma presidente que se destacou como gestora pública, louvada pela racionalidade econômica aplicada na administração pública.
Podemos, então, esperar da nova governança pública brasileira a retomada de um projeto nacional como ocorreu com Juscelino e Geisel, contendo distintos programas que definiam para os diversos órgãos governamentais objetivos, metas, cronogramas e a gestão articulada de agentes econômicos envolvidos? É difícil se imaginar que essa possibilidade possa se transformar em realidade, face à nociva partidarização da máquina pública há muito implantada no Brasil, com objetivos pessoais nada nobres. Titulares nomeados para cargos de confiança obedecem a seus “padrinhos políticos”, não aos chefes hierárquicos na instituição pública. A despeito desse fato, que ainda é agravado pela cultura patrimonialista dos congressistas com as famosas “emendas parlamentares” – que agora pretendem tornar de aplicação compulsória pelo Executivo, espera-se que a presidente eleita, respaldada pelo apoio popular ao seu programa de governo, que assegura a estabilidade monetária, a manutenção do PAC e os avanços na área social, consiga realizar uma gestão central articuladora da máquina pública, acabando com os enormes desperdícios orçamentários.
A falta de articulação do ente público brasileiro, visando assegurar a existência de compromisso dos agentes governamentais com um projeto da nação – que deveria se constituir na diretriz primus interpares de governança, é a maior carência constatada em nossa administração pública. Conforme foi mostrado por vazamentos divulgados pelo WikiLeaks, foi verificado que funcionários públicos dos diversos ministérios – inclusive do próprio Ministério das Relações Exteriores (MRE), criticavam a estratégia comercial adotada pelo MRE após a chegada do PT ao poder, expressando com frequência insatisfações pessoais nesse sentido em contatos mantidos com funcionários do governo norte-americano, dessa forma contribuindo para minar a credibilidade das ações da diplomacia brasileira. Isso evidentemente constitui um verdadeiro tiro no pé!
A desarticulação dos órgãos governamentais também pode ser visualizada através da ação ou inação de grupos de trabalho interministeriais que, por fragilidade das respectivas representações, apresentam resultados pífios ou até mesmo descumprem com seus desígnios. Este é o caso, por exemplo, do Grupo Interministerial da Propriedade Intelectual (GIPI), criado por Decreto do Poder Executivo em 2001 tendo por objetivo aportar subsídios para a definição das diretrizes da política de propriedade intelectual, cujas recomendações não são consideradas pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Este instituto, como órgão operacional da relevante área de propriedade intelectual, deveria seguir as diretrizes formuladas pelo GIPI ou contestá-las naquele fórum por ocasião de sua elaboração, mas nunca simploriamente desconhecê-las durante sua aplicação posterior.
Problemas de gestão também se verificam na aplicação do marco regulatório sanitário. Assim, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sem prejuízo do rigor técnico que sempre deve nortear a atuação dos órgãos regulatórios, deveria apresentar um melhor alinhamento dos procedimentos de seu corpo técnico com a política de desenvolvimento industrial do país, como se declara aderente a própria diretoria da agência. Priorizar pedidos de registro sanitário de produtos fabricados no país deveria resultar em procedimentos operacionais diferenciados de parte dos técnicos dessa agência, com agilidade na apreciação dos processos. Ocorre na prática uma falta de alinhamento entre a posição definida pela diretoria da agência e aquela operacionalizada pela sua equipe técnica – que se ufana de sua “autonomia”! A multiplicidade de órgãos do governo federal destinados ao registro de produtos fitossanitários, contendo procedimentos burocráticos distintos e sem uniformização, resulta também em grave entrave ao desenvolvimento do país.
A Receita Federal tem sido outro ente público totalmente descompromissado de qualquer política de desenvolvimento produtivo no país. Mesmo quando se trata de desburocratizar procedimentos de importação dos insumos para os programas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, bem como de produtos destinados à exportação, é total a inação da Receita Federal com esse viés.
A alta administração pública do país, com justa razão, afirma que a inovação tecnológica é a força motriz de nosso desenvolvimento econômico e social. Para tornar efetiva essa orientação, a inovação tecnológica deve ser conduzida pela empresa produtiva operando no Brasil, porque ela conhece de perto as demandas do mercado público e privado, além de gerar renda e emprego para os trabalhadores localizados no país, diferentemente da pesquisa científica realizada na universidade por iniciativa de pesquisadores que, com raras exceções nas contratações de serviços, destina-se a criar conhecimento para ser divulgado – normalmente com maior proveito das nações mais adiantadas. A despeito de tais conceitos serem validados na prática diuturna pelos países desenvolvidos, no Brasil continua a ser priorizada a pesquisa científica conduzida na academia, sem um efetivo vínculo com as necessidades da empresa produtiva, como é o caso dos projetos de inovação tecnológica para a estratégica área da saúde pública quando examinados por agências de financiamento, à exceção do que ocorre somente no BNDES.
Além de efeitos imediatos pela geração de empregos e renda, a valorização da fabricação nacional constitui medida de excepcional importância estratégica para todas as nações no mundo. Em 1982, durante o período denominado de Guerra das Malvinas, faltaram suprimentos básicos de medicamentos essenciais, tais como antibióticos, que eram importados pela Argentina da Inglaterra e dos Estados Unidos. Com o apoio incondicional dado por Ronald Reagan à Margareth Thatcher, foi repentinamente cortado o fluxo de abastecimento desses produtos estratégicos à Argentina, causando um grave problema que somente foi atenuado pela remessa de tais produtos oriundos da fabricação brasileira então existente – à época havia cinco fábricas desses produtos operando no Brasil.
É para evitar que ocorram problemas desse tipo que os Estados Unidos, desde 1932, mantém em vigor sua lei conhecida como Buy American Act, que criou uma preferência nas compras governamentais aos produtos internamente fabricados naquele país. No Brasil praticou-se algo com esse teor durante o período militar, via ações do Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) criado nos anos 70 e que persistiu até o final da década dos anos 80 quando, drasticamente, o governo então empossado decidiu acabar com a política industrial dos anos 70/80, sem conservar seus benéficos efeitos mesmo que adaptados às novas condições que surgiam com a globalização das economias mundiais. Esse fato constituiu grave problema de descontinuidade na gestão pública. Somente agora, muito recentemente – julho de 2010, é que foi recuperado esse importante mecanismo para o desenvolvimento industrial do país através da edição da Medida Provisória 495, posteriormente transformada na Lei nº 12.349, que abrange diversos segmentos produtivos nacionais e que, quando for devidamente regulamentada, certamente terá forte influência no crescimento do PIB nacional.
O Brasil tem uma imensa área agriculturável, recursos naturais abundantes e a maior biodiversidade do planeta, autossuficiência energética, uma favorável relação do conteúdo populacional para as dimensões do território, um clima adequado, água em abundância, ausência de castas ou discriminações populacionais, e tudo o mais que nos destaca como a nação emergente com maiores potencialidades para um desenvolvimento autônomo e sustentável socioeconômico. Infelizmente as oportunidades de desenvolvimento ao ritmo apresentado pela China e pela Índia têm sido perdidas pelo Brasil, fato que chamou a atenção do The Economist ao registrar que era, talvez até mesmo, injusto o Brasil reunir tantas oportunidades de crescimento sem aproveitá-las.
A nova ministra do Planejamento recebeu da presidente Dilma Rousseff a incumbência de coordenar a implantação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tendo corretamente declarado por ocasião de sua posse que precisamos “fazer mais com menos”. Mas para tanto é absolutamente necessário que a ministra esteja disposta a articular a ação dos diversos ministérios com firmeza e determinação para cobrar aderência, alinhamento integral e consistência nas medidas, exigindo resultados e cumprimento de cronogramas. Essa nova atitude – que expressa uma gestão pública há muito tempo ausente na administração governamental – certamente irá encontrar resistência da parte dos partidos políticos que loteam os cargos públicos no país e da burocracia estatal não habituada a ser cobrada por resultados.
Da firme atitude da nova ministra dependerá o sucesso dessa nova era do PAC, ao nosso ver componente de um projeto da nação como aqueles que tanto sucesso fizeram no passado. E somente assim teremos um ministério realmente do Planejamento, e não apenas dedicado ao orçamento público, como até agora se tem verificado.