REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2011 • ANO V • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Um país de mascates?

Aqueles que, como eu, se dispuseram a subir a serra para auxiliar na recuperação de uma cidade atingida pelos temporais de janeiro através de compras no comércio local podem estar certos que ajudaram a manter alguns empregos produtivos… na China. As prateleiras das lojas da famosa Rua Tereza, em Petrópolis, outrora escoadouro da produção local de modelistas, costureiras, bordadeiras etc. estão agora bem supridas de shorts, blusas e bermudas importadas do Leste Asiático. Ficaram os empregos de caixa e balconista. Na volta ao centro da cidade o turista percorre um longo caminho ladeando duas enormes fábricas de tecidos, já fechadas há tempos, retrato setorial da invasão de produtos importados que vem tirando espaço da produção brasileira em inúmeros setores, num movimento que o ministro Pimentel, recentemente, comparou a uma guerra comercial.

O movimento é amplo e vem de longe. As malfadadas políticas liberais, iniciadas nos anos 90, já haviam atingido setores industriais de elevado conteúdo tecnológico, como o da indústria química, destruindo cadeias inteiras de produção há custo montadas no país. Como resultado, centenas de linhas de produção de intermediários e princípios ativos para uma vasta gama de produtos finais em corantes, aditivos, defensivos agrícolas, e produtos farmacêuticos e veterinários foram desativadas e sua produção paulatinamente substituída por importações. O mercado brasileiro de medicamentos, hoje um dos maiores e mais dinâmicos do mundo, vem sendo, em grande parte, suprido por produtos acabados vindos do exterior.

A situação na área da microeletrônica, dos equipamentos de escritório, dos equipamentos de comunicação não é diferente. Em recente encontro setorial da indústria, o presidente da Abinee mostrou que o conteúdo nacional dos produtos do setor diminuiu drasticamente: o tão celebrado aumento das vendas de telefones celulares em nada contribui para a indústria local. Mais de 90% do conteúdo dos aparelhos, em valor, é importado e este é um retrato, talvez extremo, mas emblemático, da situação da indústria eletro-eletrônica no país. O industrial brasileiro, para sobreviver no ambiente econômico a que o obrigam a trabalhar, está sendo forçado a importar cada vez mais, diminuindo o valor adicionado localmente a seus produtos. Tendo começado por setores de elevada agregação de valor essa estratégia de aumento das importações de componentes em busca de competitividade está se espalhando rapidamente por todo o espectro industrial, alcançando setores de médio e médio baixo conteúdo tecnológico. Com a segunda maior taxa real de juros do mundo e com a moeda que mais se valorizou nos últimos anos, corremos o risco de nos tornarmos um país de agiotas e mascates.

A guerra comercial agora aventada pelo ministro Pimentel vem se somar à guerra cambial denunciada há tempos pelo ministro Mantega. Guerra é sinônimo de turbulência aguda e grave e para enfrentá-la é preciso uma mudança de rumos, muitas vezes drástica. Até aqui estamos lutando com estilingues contra fuzis. As medidas macroprudenciais adotadas no passado recente pelo Banco Central e pelo Ministério da Fazenda para estancar a subida do real apontaram na direção correta, mas são claramente insuficientes e o uso de uma política monetária ortodoxa como única arma para sobrestar a inflação vai apenas manter o impulso importador crescente. Bancos e empresas estão se endividando lá fora a taxas de 1% e emprestando ao governo a 11% numa agiotagem desenfreada. Para conter a escalada do real é imperativo tomar medidas de controle dos fluxos de capital especulativos que entram no país para mera arbitragem, atraídos pela elevada taxa de juros garantida pelo governo e alavancadas pela forte expansão da liquidez internacional. É imperioso mudar a estratégia das políticas monetária e fiscal e calibrar a política creditícia. O ajuste fiscal reduzirá a pressão sobre a Selic e sua baixa contribuirá significativamente para a diminuição do custo da dívida pública. Vencida a fase aguda da crise financeira, importada em 2008, é preciso adotar uma sintonia fina para o crédito a fim de não manter o estímulo a um consumo que é, cada vez mais, suprido por importações e alavancado por um crédito, agora, excessivamente frouxo. Segundo dados recentes da Fiesp, cerca de 22% de nosso consumo interno em 2010 foi de produtos importados.

O ministro Pimentel acena com um leque de medidas de proteção ao nosso mercado interno, que vão de recursos contra concorrência desleal ao amparo das regras da OMC, passando pela elevação das alíquotas de importação dos setores mais atingidos pelas importações e alcançando uma muito desejável desoneração tributária da produção local. Embora todas estas medidas apontem na direção correta é a possibilidade da desoneração tributária que acende mais esperanças. Premido pelas vicissitudes dessas guerras cambial e comercial talvez seja esta a oportunidade para revisar a nossa absurda estrutura tributária, taxando menos a produção e a circulação de mercadorias e orientando a arrecadação para os tributos incidentes sobre a renda e a riqueza.

Marcos Oliveira
Marcos Oliveira
Membro do Conselho Consultivo da ABIFINA.
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