REVISTA FACTO
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Set-Dez 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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//Matérias

Desenvolvimento e Indústria

O desenvolvimento é um processo holístico e global, que afeta todos os aspectos da sociedade – políticos, econômicos e sociais – e cuja característica mais marcante, como lembrou o professor Ha-Joon Chang em trabalho recente, é a da ruptura dos padrões de produção para alcançar ganhos de produtividade.

A idéia de que o desenvolvimento seria resultante do processo de transformação estrutural da produção norteou todas as estratégias de desenvolvimento dos países hoje considerados desenvolvidos. Em termos simplistas, quanto maior a contribuição das indústrias de transformação na formação do produto de um país, tanto mais elevado seu grau de desenvolvimento. A justificativa econômica para a essencialidade da transformação industrial no processo de desenvolvimento deriva do conceito de produtividade, isto é, produzir mais com os mesmos meios. Há inúmeros trabalhos demonstrando que o setor da economia que apresenta as maiores oportunidades para ganhos de produtividade é o setor da transformação industrial, em seu sentido mais amplo. Foi com base neste conceito de prevalência da industrialização que foram montadas as estratégias de desenvolvimento mais recentes e de que são exemplos marcantes a recuperação dos países afetados pela guerra na Europa e do Japão e o aparecimento de novos atores como Coréia do Sul, Taiwan, Hong-Kong e Cingapura. Recentemente processo se espalhou, com diferentes graus de sucesso, para outros países da franja asiática e ocupa parte essencial do recente e espetacular desenvolvimento chinês.

A idéia de que o desenvolvimento está baseado em ganhos de produtividade se aplica ainda no interior de cada uma das três grandes esferas de produção: primária, de transformação e de serviços. Em cada uma delas podemos obter ganhos de produtividade, basicamente através da aplicação de novos métodos de produção resultantes da geração e difusão de novos conhecimentos e técnicas. O que reforça a centralidade do setor de transformação no processo de desenvolvimento é que a maior parte dos ganhos de produtividade que podem ser auferidos no setor primário e no de serviços resulta de inovações geradas no setor de transformação industrial, uma constatação incorporada aos conhecimentos da economia desde os anos 60. É esta importância do setor manufatureiro para a produtividade que tornam inquietantes os sinais cada vez mais nítidos de um processo de desindustrialização precoce no Brasil.

Um corolário importante da centralidade da transformação estrutural na produtividade, e consequentemente no desenvolvimento, é o papel da inovação tecnológica, de sua geração, proteção e difusão. É somente através da inovação tecnológica que se dá a transformação geradora de mais produtividade e qualquer política de desenvolvimento terá que levar em conta a possibilidade de acesso a novas tecnologias ou o desenvolvimento autóctone das mesmas. Como argumenta André Nassif em trabalho de 2008, “os setores com tecnologia diferenciada e baseada em ciência têm atuado, particularmente, como os principais responsáveis pela maximização dos ganhos de produtividade nas economias e pela sustentação do crescimento no longo prazo.” Não é por outra razão que a proteção à propriedade intelectual se encontra em lugar central na agenda negociadora internacional, desde os anos 80. Os países desenvolvidos, na busca da manutenção de sua posição econômica hegemônica, têm procurado aumentar a abrangência e a duração da proteção aos conhecimentos novos, estratégia da qual o acordo de Trips é o exemplo mais conspícuo, mas que tem continuidade com a tentativa de colocar em acordos bilaterais de comércio condições cada vez mais severas de proteção à PI. É preciso ter sempre presente que nenhum plano nacional de desenvolvimento terá sucesso sem que a questão da propriedade intelectual – acesso, proteção e geração – seja firmemente incorporada ao mesmo.

A idéia do desenvolvimento calcado na industrialização é muito recente no Brasil e só ganhou uma fundamentação teórica adequada e algumas medidas efetivas a partir do final da década de 40 e princípios da década de 50. Durante as duas décadas seguintes, o Brasil seguiu uma política de desenvolvimento fortemente voltada à industrialização, baseada, em princípio, na substituição de importações e na aquisição de tecnologia externa, usando como moeda de troca a dimensão de seu mercado interno. A criação de Grupos Executivos por setores industriais, com bastante autonomia operacional no âmbito de um planejamento geral, deu um forte impulso inicial ao processo de industrialização, com ênfase em setores básicos da economia. Seguiram-se duas décadas de continuidade no processo, à coberto de planos quinquenais que buscaram o aprofundamento das cadeias produtivas e, ao mesmo tempo, uma descentralização espacial das áreas de produção. Ao final dos anos 70 a participação da produção da indústria de transformação no valor adicionado total da economia brasileira alcançava a marca de 22%, quando a crise dos juros nos Estados Unidos provocou uma alta expressiva no endividamento externo brasileiro. As tentativas de ajustar a economia com vistas ao pagamento da dívida interromperam o ciclo de crescimento industrial. A partir do final dos anos 80, o Brasil adotou uma política econômica de cunho neoliberal, absolutamente equivocada para seus interesses de desenvolvimento, privilegiando os interesses dos setores de intermediação financeira e abandonando por inteiro os mecanismos de apoio e proteção governamental a setores nascentes na esfera industrial. Um atabalhoado processo de privatização, inclusive de non-tradables, completa o cenário dos anos 90. Note-se que algumas das empresas privatizadas em áreas como energia e telecomunicações eram, em conjunto com algumas universidades, responsáveis por uma elevada fatia dos gastos com pesquisa tecnológica. Isto foi perdido. Como resultado, a participação da indústria de transformação no valor adicionado passou a decrescer continuamente como pode ser observado na tabela a seguir, construída a partir de dados contidos num trabalho recente dos professores Marconi e Barbi, da FGV-SP.(1)

A necessidade de servir à dívida e a busca pela estabilidade monetária deram lugar a manutenção dos preços básicos da economia – juros e câmbio – em níveis inteiramente desfavoráveis ao investimento industrial produtivo, salvo em setores primários em que o Brasil conta com vantagens comparativas importantes.

Com a perda das proteções tarifárias, a indústria local passou a enfrentar uma concorrência externa acirrada e desleal, na medida em que os produtos importados têm carga de impostos muito menor que os produzidos localmente e, além disso, gozam de importantes incentivos à exportação em seus países de origem. Diante do quadro acima esboçado, a indústria local não teve alternativa de sobrevivência senão adotar uma estratégia de hedge produtivo para preservar seus mercados, isto é, passou a importar, cada vez mais, matérias-primas e componentes, fazendo localmente apenas as etapas finais necessárias à comercialização. Este processo atingiu inicialmente os setores de maior intensidade tecnológica, como o da química, especialmente os subsetores da química fina, a microeletrônica, eletrônica e equipamentos de automação e comunicação, para citar apenas os de maior visibilidade, mas hoje contamina todos os setores industriais de alta e média alta intensidade tecnológica. O resultado é que cadeias inteiras de verticalização foram interrompidas e a produção industrial brasileira ainda existente é viabilizada apenas a partir de uma elevadíssima proporção na importação de insumos. Os setores industriais tecnologicamente mais dinâmicos estão se transformando em meros montadores de componentes importados. O caso da indústria de química fina é exemplar, como ilustra o gráfico a seguir:

A linha azul mostra a evolução das importações de intermediários químicos e princípios ativos das posições 2920 até 2949 da classificação harmonizada e envolve matérias primas para os mais diversos setores da indústria química. Engloba também princípios ativos para a indústria farmacêutica, veterinária e para a produção de defensivos agrícolas. A linha vermelha representa o montante de importação de medicamentos acabados das posições 3002, 3003 e 3004 da classificação harmonizada.

Os sintomas da desindustrialização no setor químico já vinham sendo apontados desde meados da década de 90, mas a interrupção do crescimento global entre 95 e 2002 tornou menos agudo o problema, mascarando seus efeitos. Com a retomada do crescimento, embalado pelo aumento maciço da exportação de produtos básicos e o fortalecimento do mercado interno de bens de consumo, na esteira dos programas de redistribuição de renda adotados pelo Governo, o crescimento das importações tornou evidente a dimensão do problema da desindustrialização num grande número de cadeias industriais.

O governo Lula teve o grande mérito de reabrir a discussão sobre a questão do desenvolvimento e a essencialidade da participação das forças do Estado no processo, algo impensável nos governos Collor e FHC, mas os resultados práticos alcançados pelos dois planos de desenvolvimento lançados ficaram muito aquém do desejável, resultado, entre outros, de dois fatores fundamentais. O primeiro deles é que a condução da macroeconomia continuou com um viés pesadamente monetarista, visando fundamentalmente o controle da inflação. Com isto a taxa de juros permaneceu absurdamente elevada e o Real excessivamente valorizado, inviabilizando economicamente o investimento produtivo e favorecendo as importações. O segundo foi uma acentuada dispersão de esforços, com falta de coordenação efetiva entre os vários setores governamentais envolvidos no processo, especialmente no fazer acontecer.

Espera-se que o novo governo mantenha o interesse na promoção do desenvolvimento nacional, adote as medidas necessárias para reverter a situação atual de juros e câmbio e consiga organizar uma cadeia de comando que alcance a sinergia necessária entre os vários setores do governo e da iniciativa privada, algo que foi de fundamental importância para o sucesso dos planos de desenvolvimento das décadas de 60 e 70.

Marcos Oliveira
Marcos Oliveira
Membro do Conselho Consultivo da ABIFINA.
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