REVISTA FACTO
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Set-Dez 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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O papel do BNDES na promoção da indústria brasileira
//Entrevista Luciano Coutinho

O papel do BNDES na promoção da indústria brasileira

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, Industrial e Social (BNDES) durante a gestão Lula, especialmente em seu segundo mandato, vem apoiando firmemente o desenvolvimento nacional, como ponta de lança da Política de Desenvolvimento Produtivo do governo federal. O banco teve um relevante papel durante a crise financeira internacional dos anos 2008/2009, fornecendo os créditos necessários para sustentar a produção interna e as exportações. Comandado por Luciano Coutinho – que vai permanecer no cargo durante a gestão de Dilma Rousseff, o banco vem mantendo o nível de crédito requerido para alavancar o investimento interno em um cenário de elevados custos do financiamento por parte de bancos privados; vem apoiando a reestruturação, o fortalecimento e a inovação tecnológica de empresas nacionais, em especial nas áreas estratégicas; e vem expandido desembolsos para micro, pequenas e médias empresas.

Em entrevista à FACTO, Coutinho fez um balanço das ações do BNDES durante o período em que ocupou a Presidência, e apontou quais serão os desafios e oportunidades para os próximos anos. Para o economista pernambucano, formado pela Universidade de São Paulo (USP), o banco teve um papel fundamental para manter as taxas de investimento na economia nacional durante a crise financeira, mas ainda haveria muito a ser feito para fortalecer a competitividade das empresas brasileiras. Coutinho falou ainda das ações definidas para o complexo industrial da química fina e sobre medidas destinadas a conter a desindustrialização.

A enorme apreciação do Real face ao Dólar, fruto de políticas monetárias utilizadas pela China e Estados Unidos, tem resultado em um crescente e amargo processo desindustrializante do país. O que ainda poderíamos fazer nesse cenário, tendo em vista refluir ou, pelo menos, amenizar esse indesejável processo?

No plano internacional, é essencial a busca de coordenação de políticas econômicas para evitar o clima de guerra cambial. É preciso reconhecer que os EUA não poderão mais atuar como consumidor de última instância do resto do mundo. O arranjo em que os países emergentes incorriam em vastos superávits comerciais, acumulavam reservas cambiais e financiavam os déficits fiscal e em transações correntes dos EUA não tem mais bases sólidas para continuar. As famílias norte-americanas estão em processo de desalavancagem e as condições internas de crédito nos EUA ainda são restritivas, o que faz com que os gastos privados se retraiam. Já a China deveria flexibilizar sua política cambial de forma mais agressiva. Com seu vasto mercado interno, a valorização do yuan geraria um maior incentivo ao consumo das famílias e estimularia a demanda agregada global, contribuindo para a recuperação do nível de atividade mundial.

No plano doméstico, do ponto de vista macro, a política agressiva de acúmulo de reservas internacionais, implementada pelo governo brasileiro ao longo dos últimos anos, mostrouse acertada. Ela não apenas age no sentido de evitar uma trajetória mais intensa de apreciação da taxa de câmbio, como também representa um colchão de liquidez em crises financeiras. Além disso o BC pode e deve lançar mão de medidas de natureza regulatória, e também atuar nos mercados futuros.

Também tivemos a introdução, e posterior elevação, das alíquotas de IOF sobre as operações estrangeiras no mercado de renda fixa, medida que foi correta e pode ser intensificada.

Ademais, no longo prazo, a execução de políticas públicas estruturantes, como da PDP (Política de Desenvolvimento Produtivo), deve intensificar o apoio aos setores mais prejudicados pela concorrência internacional. Também a melhora da infraestrutura doméstica, ancorada nos investimentos do PAC, eleva a competitividade sistêmica da economia e age no sentido de aumentar a competitividade dos exportadores brasileiros.

Quais são as principais razões que justificam uma política de consolidação setorial, tal como prevista na Política Industrial do Governo, e como o BNDES trabalha para que ela se concretize?

Movimentos de consolidação empresarial fazem parte da história e da dinâmica do capitalismo, nos quais as empresas envolvidas buscam reforçar sua capacidade competitiva. No Brasil, a abertura econômica fez com que os movimentos de consolidação visassem inicialmente enfrentar a concorrência dos grupos econômicos estrangeiros. Nos últimos anos, porém, tal movimento deixou de ter um caráter apenas defensivo para se tornar parte de estratégias ativas de empresas brasileiras, visando ganhar dimensão e competitividade em escala global.

Do ponto de vista da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), essas iniciativas são desejáveis porque se entende que os países que foram bem sucedidos em alcançar níveis elevados de desenvolvimento econômico e social têm sempre empresas internacionalizadas, que dominam cadeias produtivas globais, exercendo as funções corporativas mais nobres e mais rentáveis, como o marketing, a logística, as finanças e, principalmente, a liderança nas inovações.

Mas é preciso ressaltar que as fusões e aquisições envolvendo grupos brasileiros são iniciativas empresariais privadas, dentro de suas estratégias competitivas internacionais. O BNDES não força as decisões de investimento, mas avalia com atenção os pedidos de apoio financeiro que são feitos pelas empresas interessadas.

Outro ponto importante é que o Banco participa de iniciativas desse tipo, principalmente através de instrumentos de renda variável: fusões e aquisições são apoiadas com recursos captados a custos de mercado. Nesse tipo de operações, o aporte de recursos é realizado por meio de debêntures conversíveis. Caso haja uma valorização dessas empresas, o BNDES converte esses títulos em ações e se apropria de parte do ganho de capital. Em geral, essas operações são tão positivas que têm respondido pela maior parte do lucro do Banco nos últimos anos. Este lucro reverte em favor do governo federal e do contribuinte, quer através do pagamento de dividendos, quer através do aumento do capital da instituição.

Nos últimos anos, o BNDES aumentou ou diminuiu a concentração dos seus recursos em torno de um número pequeno de grandes empresas? Qual foi a participação das pequenas e médias empresas nos financiamentos do BNDES?

Os desembolsos para as micro, pequenas e médias empresas são prioritários para o BNDES, principalmente, em razão de seu potencial de geração de novos empregos formais na economia.

Nos últimos dois anos, o Programa BNDES de Sustentação dos Investimentos (BNDES-PSI), lançado em função da crise financeira iniciada em 2008, permitiu a ampliação da participação das MPMEs nas liberações de recursos, de 24,8% em 2007 para 32,1% em 2010. Nos últimos doze meses até outubro, os desembolsos para as MPMEs cresceram 94%, ante igual período do ano anterior.

Outro indicador importante é o forte crescimento das operações com o Cartão BNDES. Até outubro de 2010, foram emitidos 337 mil cartões. A taxa de crescimento das emissões em doze meses, até outubro de 2010, foi de 43%, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Acredito que estes números mostram como o BNDES tem conseguido manter o apoio aos grandes projetos industriais e de infraestrutura em curso no país e ao mesmo tempo se aproximar cada vez mais das empresas de menor porte.

Fármacos para medicamentos normalmente são produtos de alto valor agregado, intensos em tecnologia, mas que são utilizados em pequenas proporções ao nível de mercado final. Para se justificar a produção verticalizada de tais insumos no Brasil, a ABIFINA tem sugerido que outros segmentos do complexo industrial da química fina, como defensivos animais e agrícolas, dentre outros insumos que fazem parte da mesma cadeia produtiva, por serem consumidos em quantidades que conferem escala à produção local nessa área, também sejam priorizados em políticas públicas. Nesse cenário, como vê a possibilidade do BNDES vir a financiar e apoiar o desenvolvimento de projetos da química fina como um todo, sob a mesma ótica que vem sendo tratada pelo Defarma?

A lógica de criação do BNDES-Profarma, elaborada e operacionalizada pelo Defarma, está baseada na visão de complexo econômico-industrial, que privilegia atividades produtivas com elevado grau de vinculação econômica entre si. Neste sentido, a capacidade da cadeia de saúde em integrar a lógica social, de atendimento às demandas da saúde da população, com a lógica industrial, de importante motor do desenvolvimento econômico e tecnológico do país, a coloca em um foro privilegiado das políticas públicas, em especial do BNDES.

Neste contexto, o BNDES-Profarma apóia financeiramente todas as indústrias, de diferentes bases técnicas, que compõem o Complexo Industr ial da Saúde, inclusive o desenvolvimento e a produção de Farmoquímicos.

A lógica de complexo industrial foca a demanda de determinada indústria para que ela puxe a cadeia produtiva. Assim, as indústrias que compõem a química fina, intensivas em tecnologia e fornecedoras de insumos para diversas cadeias, fazem parte de distintos complexos econômicos. Por esta razão, devem ter suas políticas definidas de acordo com as especificidades de cada complexo. Acredito que a abordagem baseada nestes critérios, como no caso da indústria de saúde, torna as ações do Estado mais efetivas.

Haveria condições do BNDES apoiar produtos financeiros, como um Fundo de Direito Creditório (FDIC), para facilitar a compra de defensivos agrícolas fabricados no país, pelos agricultores nacionais? Da mesma forma para outros produtos da química fina? Entendemos que instrumentos como esse servem para dar capital de giro mais barato para o agricultor nacional.

Em princípio, o BNDES tem condições de apoiar FIDCs para esses setores, desde que estejam enquadrados na política operacional do Banco. Este é um tema relevante que merece uma reflexão aprofundada por parte do BNDES, a partir de uma proposta concreta do setor privado.

Quais as realizações do BNDES sob sua presidência que V.Sa. destacaria como as mais importantes de sua gestão e o que mais se pode esperar desse banco de fomento nos próximos anos?

O BNDES foi importante nos últimos anos para que o investimento tenha crescido à frente do crescimento do PIB. Com a crise financeira internacional, o Banco foi um dos elementos decisivos do esforço contracíclico do governo federal.

Nos próximos anos, o BNDES deverá aprofundar sua atuação no fortalecimento da competitividade da economia brasileira, em especial no que se refere ao apoio às inovações, às cadeias de bens de capital fornecedores dos principais setores nacionais e a todos os setores da indústria e serviços intensivos em conhecimento.

A inovação é um elemento-chave nesse contexto. O governo federal propiciou nos últimos anos a construção de diversos instrumentos de apoio, como foram os casos da Lei da Inovação, da Lei do Bem, de criação de subvenção econômica, dos aumentos de recursos da Finep e do BNDES para esse tipo de investimento e, mais recentemente, da MP 495 que propicia o uso do poder de compra pelo Estado. Agora, é preciso intensificar o manejo desses instrumentos para fazer com que as atividades inovadoras sejam par te da rotina de mais empresas brasileiras. Acredito que a PDP seja o fórum adequado para articular um novo impulso para a inovação, e esta será uma agenda muito relevante nos próximos anos.

Luciano Coutinho
Luciano Coutinho
Doutor em Economia pela Universidade de Cornell (EUA) e professor convidado do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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